domingo, outubro 14, 2012

Físicos tentam provar que vivemos na "Matrix"

Cientistas da Universidade de Bonn, Alemanha, estão levando a sério a hipótese de que o nosso universo poderia ser uma gigantesca simulação de computador ao melhor estilo “Matrix”. Liderados pelo físico Silas Beane, tentam encontrar a “assinatura cósmica” dessa simulação e a natureza da nossa “visão restrita” que nos impediria de percebermos essa virtualidade do real. Para superar essa “visão restrita” tentam criar uma simulação de nosso universo simulado (uma espécie de meta-simulação), o que faria lembrar não só filmes como “O Décimo Terceiro Andar” (1999) e “Matrix” (1999), mas também a cosmologia gnóstica e o Princípio da Correspondência do Hermetismo e Alquimia da antiguidade em Alexandria.

Alguma outra civilização teria alcançado a capacidade de produzir computadores tão poderosos que teria desenvolvido simulações do próprio universo em que habita. E nós poderíamos estar vivendo em uma dessas simulações, reproduzindo a mesma trajetória que os nossos “criadores” trilharam. Se na atualidade vemos um número crescente de usuários imersos em mundos virtuais como “Second Life”, “SimCity” e “World of Warcraft”, isso representaria o início dessa trajetória que nos conduziria à mesma capacidade de projetar simulações.

Essas ideias não saíram de um roteirista de sci fi, mas do filósofo e matemático professor da Universidade de Oxford Nick Bostrom, sugerido em um artigo em 2003 e sustentado apenas por uma fórmula probabilística que seria essa:     
Onde:  

  • fp  é a fração de todas as civilizações humanas que alcançaram a capacidade tecnológica de produzir programas simuladores de realidade;
  • “N” é a média de simuladores ancestrais funcionando pelas civilizações mencionadas em fp;
  • “H” é a média do número de indivíduos que viveriam em uma civilização antes dela estar hábil a criar simuladores de realidade;
  • “fsim” é a fração de todos os humanos que vivem em realidades virtuais.

Pois “H” terá um valor tão grande que, pelo menos, uma das três aproximações será verdadeira:

fp 0
N 0
fsim   0

Apesar da fórmula que dá um aspecto de cientificidade, a hipótese de Bostrom era principalmente filosófica e poucos ousariam a dar continuidade a uma ideia como essa. Até ser noticiado que uma equipe de físicos teria afirmado que seria possível confirmar ou não essa hipótese, bastando encontrar uma “assinatura cósmica” (clique aqui para ler a notícia). E os pesquisadores já teriam uma descrição do que seria essa “assinatura”. 


Efeito Greisen-Zatsenpin-Kusmin: partículas
de alta energia interagem com a radiação
cósmica de fundo perdendo a
energia que viajou longas distâncias - um
fator que torna nossa visão do Universo
restrita
Segundo o físico Silas Beane da Universidade de Bonn na Alemanha, a busca dessa assinatura passaria pela substituição do espaço-tempo em um universo simulado computacional a partir de minúsculos espaços cúbicos parecidos com grades (teoria do retículo de Gauge) que forneceriam novas visões sobre a natureza da matéria em si.

O problema seria a nossa “visão restrita” por vivermos dentro de uma simulação. E como conseguiríamos identificar essas “restrições” e, dessa maneira, termos a capacidade de criar uma nível “meta”, um olhar de sobrevoo da simulação em si? Como superar essas limitações para podemos encontrar a “assinatura cósmica”? No mundo micro físico essa limitação seria o “efeito Greisen-Zatsepin-Kusmin”: quando partículas de alta energia interagem com a radiação cósmica de fundo, perdem a energia que viajou por longas distâncias. Embora essa energia seja a força fundamental que dá origem à força nuclear entre prótons e nêutrons, não conseguimos vê-las em todas as direções, embora viajem ao longo dos eixos das estruturas que a equipe de físicos pretende simular em computadores.

O que mais intriga as pessoas sobre este assunto é que existem reais possibilidades com a tecnologia atual de encontrarmos o efeito citado. Sendo assim, seríamos capazes de observar a orientação da estrutura em que nosso próprio Universo é simulado.

Física e Hollywood

Em postagem anterior (veja links abaixo) abordamos as coincidências ou sincronismo entre os roteiros e temas abordados em produções hollywoodianas e a agenda tecnocientífica atual, principalmente no que se refere às pesquisas neurocientíficas (o projeto da cartografia e topografia do funcionamento da mente e da consciência) aparentemente antecipadas em filmes como “Vanilla Sky” e “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças”.

Pois a notícia sobre essa equipe de físicos da Alemanha que pretendem levar a efeito a hipótese filosófico-matemática da simulação de mundos de Nick Bostrom é investigação prática de todo o imaginário sci fi do cinema do final do século passado em filmes como “O Décimo Terceiro Andar” (1999), “Matrix” (1999) e “Show de Truman” (1998). O interessante é que esses filmes não só mostram a possibilidade de simulações tecnológicas e a criação de entidades sencientes como a própria limitação perceptiva dessas entidades, que as torna ignorantes quanto ao universo simulado em que vivem.

"Show de Truman" a estranha anomalia ótica
no horizonte do mar cenográfico
de um mundo plano não é percebida pela
visão limitada de Truman
O filme “O Décimo Terceiro Andar” encadeia três níveis de mundos simulados, um dentro do outro (o filme é baseado no livro de Daniel Galouye Simulacron 3). Esses níveis entram em contato por meio de uma complexa trama de personagens que são nativos ao nível, visitantes daquele nível e personagens que transcendem o nível: o “Simulacro Um”, o futuro aparente de Los Angeles de 2.024; “Simulacro Dois”, o aparente presente de Los Angeles de 1998; e “Simulacro Três”, o aparente passado de Los Angeles e Pasadena em 1937. Filmicamente, as diferenças visuais entre os níveis é dada pela cor sépia (1937), fotografia noir (1998) e fotografia em tons pastéis (2024). Como os habitantes de cada nível ali nasceram, vivem e trabalham, tomam cada “fotografia” ou “décor” do seu mundo como natural.

“Show de Truman” vai explorar mais fundo essa ironia de que o que tomamos como “realidade” é o resultado de uma projeção do nosso psiquismo e não uma percepção a partir de algo ontologicamente dado. Isso é exemplarmente mostrado na seqüência em que Truman rouba um veleiro e cruza o mar cenográfico da cidade-estúdio de Seaheaven.  Nas tomadas em que Truman está no leme do veleiro, o horizonte do mar é apresentado com uma exagerada anomalia ótica: é um horizonte muito próximo, sem curvatura, talvez o horizonte de um mundo plano. Truman não percebe essa evidente anomalia, pois, afinal, ali nasceu e cresceu, tornando tudo naturalmente como dado e evidente.

Em “Matrix” vemos na traição que o personagem Cypher comete contra o grupo de militantes liderados por Morpheus as limitações das entidades da Matrix: os sentidos que nos traem ao fazer-nos experimentar simultaneamente o prazer e a dor. Cypher manda às favas o “deserto do real” para querer experimentar os sabores e texturas simuladas, embora saiba ser tudo uma ilusão da percepção e dos sentidos.

Cosmologia gnóstica: mundos dentro de mundos

O Princípio da Correspondência de
Hermes Trimegisto
Essa hipótese cosmológica da existência de mundos simulados, um dentro do outro tal qual a estrutura de uma “cebola cósmica” já era a proposição do professor gnóstico Basilides na antiguidade (viveu em Alexandria entre 117 e 138 DC) sobre um universo composto por 365 mundos, onde um plano desconhece a existência do outro.

Temos ainda o Princípio da Correspondência do Gnosticismo Hermético, os três planos de correspondência do Universo (Físico, Mental e Espiritual) sintetizados pela seguinte máxima de Hermes de Trimegisto: “o que está em cima é como está embaixo, o que está embaixo é como está em cima”. Hermes via esses níveis como graus ascendentes da grande escada da Vida.

Aqui temos um ponto de contato com a hipótese de que o Gnosticismo seria a motivação secreta e mística por trás da agenda tecnológica a partir do século XX como apontada por pesquisadores como Hermínio Martins (Hegel, Texas e outros ensaios de teoria social, Lisboa, Século XXI, 1996), Victor Ferkiss (que cunhou o termo “gnosticismo tecnológico” - Technology and Culturegnosticism, naturalism and incarnational integration, 1980) e Erik Davis (Techgnosis, Londos: Serpents Tail, 2004): o imaginário tecnológico que associa as tecnologias de simulação e virtualização com a ascensão espiritual: os sucessivos planos de simulação como o percurso para a ascese, isto é, a simulação computacional como metáfora da transcendência mística.  

Todos esses autores encontram o surpreendente cruzamento entre as aspirações tecnológicas contemporâneas e as utopias gnósticas de transcendência.

Poderíamos contra-argumentar que tal cruzamento seria mero paralelismo, analogia ou metáfora. Mas diversos autores, entre eles Raymond Ruyer (A Gnose de Princeton, Cultrix, 1989) e Theodore Roszak (From Satori to Silicon Valley: San Francisco and the American Counterculture, Lagunitas: Lexikos Publishing, 1986) detectaram e mapearam a semente do misticismo nas comunidades científicas, sejam acadêmicos ou tecnófilos. Ruyer afirma que este movimento gnóstico surge discretamente nos meios científicos das universidades de Princeton e Pasadena nos EUA durante a II Guerra Mundial. A princípio entre físicos, cosmólogos e biólogos para, em seguida, alastrar-se por outras áreas, principalmente através da Cibernética e Teoria da Informação. Já Roszak rastreia este mesmo movimento na formação do Vale do Silício na Califórnia e entre as comunidades de “geeks” que participaram da revolução do computador pessoal e da Internet. Todos eles, com forte influência dos movimentos contra-culturais da Costa Oeste dos EUA, fortemente influenciados por utopias gnósticas que, mais tarde, tornaram-se Ciberutopias.

Quando os físicos unificarem o micro e o macro, ou seja, encontrarem, por exemplo, uma conexão entre a visão restritita produzida pelo “efeito Greisen-Zatsepin-Kusmin” e as nossas limitações percepto-sensoriais, então estaremos no limiar da retirada dos véus que encobrem a ilusão da realidade.

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