Cientistas da
Universidade de Bonn, Alemanha, estão levando a sério a hipótese de que o nosso
universo poderia ser uma gigantesca simulação de computador ao melhor estilo “Matrix”.
Liderados pelo físico Silas Beane, tentam encontrar a “assinatura cósmica”
dessa simulação e a natureza da nossa “visão restrita” que nos impediria de
percebermos essa virtualidade do real. Para superar essa “visão restrita”
tentam criar uma simulação de nosso universo simulado (uma espécie de
meta-simulação), o que faria lembrar não só filmes como “O Décimo Terceiro
Andar” (1999) e “Matrix” (1999), mas também a cosmologia gnóstica e o Princípio
da Correspondência do Hermetismo e Alquimia da antiguidade em Alexandria.
Alguma outra civilização teria alcançado a capacidade de
produzir computadores tão poderosos que teria desenvolvido simulações do
próprio universo em que habita. E nós poderíamos estar vivendo em uma dessas
simulações, reproduzindo a mesma trajetória que os nossos “criadores”
trilharam. Se na atualidade vemos um número crescente de usuários imersos em
mundos virtuais como “Second Life”, “SimCity” e “World of Warcraft”, isso representaria
o início dessa trajetória que nos conduziria à mesma capacidade de projetar
simulações.
Essas ideias não saíram de um roteirista de sci fi, mas do
filósofo e matemático professor da Universidade de Oxford Nick Bostrom,
sugerido em um artigo em 2003 e sustentado apenas por uma fórmula probabilística que seria
essa:
Onde:
- fp é a fração de todas as civilizações humanas que alcançaram a capacidade tecnológica de produzir programas simuladores de realidade;
- “N” é a média de simuladores ancestrais funcionando pelas civilizações mencionadas em fp;
- “H” é a média do número de indivíduos que viveriam em uma civilização antes dela estar hábil a criar simuladores de realidade;
- “fsim” é a fração de todos os humanos que vivem em realidades virtuais.
Pois “H” terá um
valor tão grande que, pelo menos, uma das três aproximações será verdadeira:
fp ≈ 0
N ≈ 0
fsim ≈
0
Apesar da fórmula que dá um aspecto de cientificidade, a
hipótese de Bostrom era principalmente filosófica e poucos ousariam a dar
continuidade a uma ideia como essa. Até ser noticiado que uma equipe de físicos
teria afirmado que seria possível confirmar ou não essa hipótese, bastando
encontrar uma “assinatura cósmica” (clique aqui para ler a notícia). E os pesquisadores já teriam uma descrição do que
seria essa “assinatura”.
Segundo o físico Silas Beane da Universidade de Bonn
na Alemanha, a busca dessa assinatura passaria pela substituição do
espaço-tempo em um universo simulado computacional a partir de minúsculos
espaços cúbicos parecidos com grades (teoria do retículo de Gauge) que
forneceriam novas visões sobre a natureza da matéria em si.
O problema seria a nossa “visão restrita” por vivermos
dentro de uma simulação. E como conseguiríamos identificar essas “restrições”
e, dessa maneira, termos a capacidade de criar uma nível “meta”, um olhar de sobrevoo
da simulação em si? Como superar essas limitações para podemos encontrar a “assinatura
cósmica”? No mundo micro físico essa limitação seria o “efeito
Greisen-Zatsepin-Kusmin”: quando partículas de alta energia interagem com a radiação cósmica
de fundo, perdem a energia que viajou por longas distâncias. Embora essa
energia seja a força fundamental que dá origem à força nuclear entre prótons e nêutrons,
não conseguimos vê-las em todas as direções, embora viajem ao longo dos eixos
das estruturas que a equipe de físicos pretende simular em computadores.
O que mais intriga as pessoas sobre este assunto é que existem
reais possibilidades com a tecnologia atual de encontrarmos o efeito citado.
Sendo assim, seríamos capazes de observar a orientação da estrutura em que
nosso próprio Universo é simulado.
Física e Hollywood
Em postagem anterior (veja links abaixo) abordamos as coincidências ou sincronismo
entre os roteiros e temas abordados em produções hollywoodianas e a agenda
tecnocientífica atual, principalmente no que se refere às pesquisas
neurocientíficas (o projeto da cartografia e topografia do funcionamento da
mente e da consciência) aparentemente antecipadas em filmes como “Vanilla Sky”
e “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças”.
Pois a notícia sobre essa equipe de físicos da Alemanha que
pretendem levar a efeito a hipótese filosófico-matemática da simulação de
mundos de Nick Bostrom é investigação prática de todo o imaginário sci fi do
cinema do final do século passado em filmes como “O Décimo Terceiro Andar”
(1999), “Matrix” (1999) e “Show de Truman” (1998). O interessante é que esses
filmes não só mostram a possibilidade de simulações tecnológicas e a criação de
entidades sencientes como a própria limitação perceptiva dessas entidades, que
as torna ignorantes quanto ao universo simulado em que vivem.
"Show de Truman" a estranha anomalia ótica no horizonte do mar cenográfico de um mundo plano não é percebida pela visão limitada de Truman |
O filme “O Décimo
Terceiro Andar” encadeia três níveis de mundos simulados, um dentro do outro (o
filme é baseado no livro de Daniel Galouye Simulacron
3). Esses níveis entram em contato por meio de uma complexa trama de
personagens que são nativos ao nível, visitantes daquele nível e personagens
que transcendem o nível: o “Simulacro Um”, o futuro aparente de Los Angeles de
2.024; “Simulacro Dois”, o aparente presente de Los Angeles de 1998; e “Simulacro
Três”, o aparente passado de Los Angeles e Pasadena em 1937. Filmicamente, as
diferenças visuais entre os níveis é dada pela cor sépia (1937), fotografia
noir (1998) e fotografia em tons pastéis (2024). Como os habitantes de cada
nível ali nasceram, vivem e trabalham, tomam cada “fotografia” ou “décor” do
seu mundo como natural.
“Show de Truman”
vai explorar mais fundo essa ironia de que o que tomamos como “realidade” é o
resultado de uma projeção do nosso psiquismo e não uma percepção a partir de
algo ontologicamente dado. Isso é exemplarmente mostrado na seqüência em que
Truman rouba um veleiro e cruza o mar cenográfico da cidade-estúdio de Seaheaven. Nas tomadas em que Truman está no leme do
veleiro, o horizonte do mar é apresentado com uma exagerada anomalia ótica: é
um horizonte muito próximo, sem curvatura, talvez o horizonte de um mundo
plano. Truman não percebe essa evidente anomalia, pois, afinal, ali nasceu e
cresceu, tornando tudo naturalmente como dado e evidente.
Em “Matrix” vemos
na traição que o personagem Cypher comete contra o grupo de militantes
liderados por Morpheus as limitações das entidades da Matrix: os sentidos que
nos traem ao fazer-nos experimentar simultaneamente o prazer e a dor. Cypher
manda às favas o “deserto do real” para querer experimentar os sabores e
texturas simuladas, embora saiba ser tudo uma ilusão da percepção e dos
sentidos.
Cosmologia gnóstica: mundos dentro de
mundos
O Princípio da Correspondência de Hermes Trimegisto |
Essa hipótese
cosmológica da existência de mundos simulados, um dentro do outro tal qual a
estrutura de uma “cebola cósmica” já era a proposição do professor gnóstico
Basilides na antiguidade (viveu em Alexandria entre 117 e 138 DC) sobre um universo
composto por 365 mundos, onde um plano desconhece a existência do outro.
Temos ainda o
Princípio da Correspondência do Gnosticismo Hermético, os três planos de
correspondência do Universo (Físico, Mental e Espiritual) sintetizados pela
seguinte máxima de Hermes de Trimegisto: “o que está em cima é como está
embaixo, o que está embaixo é como está em cima”. Hermes via esses níveis como
graus ascendentes da grande escada da Vida.
Aqui temos um
ponto de contato com a hipótese de que o Gnosticismo seria a motivação secreta
e mística por trás da agenda tecnológica a partir do século XX como apontada
por pesquisadores como Hermínio Martins (Hegel, Texas e outros ensaios de teoria social, Lisboa, Século XXI, 1996), Victor Ferkiss (que cunhou o termo “gnosticismo
tecnológico” - Technology and Culturegnosticism, naturalism and incarnational integration, 1980) e Erik Davis (Techgnosis, Londos: Serpents Tail, 2004): o imaginário tecnológico que associa as tecnologias de
simulação e virtualização com a ascensão espiritual: os sucessivos planos de
simulação como o percurso para a ascese, isto é, a simulação computacional como
metáfora da transcendência mística.
Todos esses
autores encontram o surpreendente cruzamento entre as aspirações tecnológicas
contemporâneas e as utopias gnósticas de transcendência.
Poderíamos
contra-argumentar que tal cruzamento seria mero paralelismo, analogia ou
metáfora. Mas diversos autores, entre eles Raymond Ruyer (A Gnose de Princeton, Cultrix, 1989) e Theodore Roszak (From
Satori to Silicon Valley: San Francisco and the American Counterculture, Lagunitas: Lexikos Publishing, 1986)
detectaram e mapearam a semente do misticismo nas comunidades científicas,
sejam acadêmicos ou tecnófilos. Ruyer afirma que este movimento gnóstico surge
discretamente nos meios científicos das universidades de Princeton e Pasadena
nos EUA durante a II Guerra Mundial. A princípio entre físicos, cosmólogos e
biólogos para, em seguida, alastrar-se por outras áreas, principalmente através
da Cibernética e Teoria da Informação. Já Roszak rastreia este mesmo movimento
na formação do Vale do Silício na Califórnia e entre as comunidades de “geeks” que participaram da revolução do
computador pessoal e da Internet. Todos eles, com forte influência dos
movimentos contra-culturais da Costa Oeste dos EUA, fortemente influenciados
por utopias gnósticas que, mais tarde, tornaram-se Ciberutopias.
Quando os físicos
unificarem o micro e o macro, ou seja, encontrarem, por exemplo, uma conexão
entre a visão restritita produzida pelo “efeito Greisen-Zatsepin-Kusmin” e as
nossas limitações percepto-sensoriais, então estaremos no limiar da retirada
dos véus que encobrem a ilusão da realidade.
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