quinta-feira, dezembro 13, 2012

Filme "Capricórnio Um": o pai de todas as conspirações

Um clássico dos filmes sobre conspirações. Talvez, o pai de todas as teorias conspiratórias sobre o programa espacial norte-americano. O filme “Capricórnio Um” (1977), escrito e dirigido por Peter Hyams, se insere em uma tendência de filmes dos anos 1970 estranhamente perturbadores. Muitos críticos reconhecem que essa década foi a era de ouro do Cinema com filmes cujas narrativas são dominadas por atmosferas paranoicas e esquizofrênicas. Um filme que inspirou todas as futuras teorias conspiratórias e que tornou crível a possibilidade de que o pouso na Lua jamais tivesse ocorrido. Além do diretor Peter Hyams oferecer uma ótima oportunidade para se discutir a importância fetichista que damos às imagens na cultura contemporânea.

Embora a indústria do entretenimento norte-americano alimente essas atmosferas desde o pânico em massa criado pela transmissão radiofônica de Guerra dos Mundos de 1938, o gênero fílmico noir nas décadas de 1930-40 e a paranoia anti-comunista simbolizada por filmes sci fi de marcianos invadindo a Terra e corpos humanos nos anos 1950, foi na década de 1970 que a paranoia alcançou sua maturidade crítica: não só apontou que havia algo de errado na sociedade mas começou a sugerir o que estava por trás dela.

“Capricórnio Um” parte de uma questão que estará por trás de todas as teorias das conspirações até hoje: e se o maior evento da história recente jamais tivesse acontecido? Essa era a pergunta nos anúncios promocionais do filme em 1978 onde víamos uma foto com astronautas do lado de fora de uma espaçonave em uma paisagem marciana fake, rodeados por câmeras e spots de um estúdio hollywoodiano.

O filme inicia com os últimos minutos que antecedem o lançamento do foguete “Capricórnio Um” que conduzirá três astronautas (performados por James Brolin, Sam Waterson e O. J. Simpson) para o primeiro pouso tripulado em solo marciano. Faltando poucos minutos para o final da contagem regressiva, os astronautas são secretamente retirados do interior da cápsula e levados para longe dali, para um hangar abandonado no meio de um deserto, enquanto o foguete é lançado em direção à Marte sem a tripulação.

Em uma sala isolada o cientista-chefe da missão espacial explica aos estupefatos astronautas o que estava ocorrendo: por um problema técnico encontrado a poucos meses do lançamento, o projeto “Capricórnio Um” seria um fracasso, o que faria o presidente dos EUA cortar as verbas do projeto espacial norte-americano. Executivos da NASA associados a um senador corrupto com visíveis interesses financeiros elaboraram um plano: simular a alunissagem em Marte em um estúdio especialmente construído naquele hangar abandonado.

Combinando o apelo aos instintos patrióticos dos astronautas com ameaças veladas às suas famílias, eles são convencidos a colaborar com a farsa. Transmissões de rádio e TV ao vivo são simuladas, assim como a telemetria e monitoramento dos dados vitais dos astronautas que chegam aos consoles da sala de controle da NASA.

Tudo parece que vai dar certo até um repórter investigativo chamado Robert Caulfield (Elliot Gould) pressentir algo de errado: seu amigo, um operador da sala de controle da NASA, desaparece misteriosamente depois de revelar em off para ele a inconsistência dos dados que recebia de Marte – os sinais pareciam que estavam vindo da própria Terra.

Caulfield é um repórter alcoólatra e sem credibilidade. Ninguém leva a sério suas suspeitas, porém ele percebe algo de estranho em uma última transmissão de TV de Marte, quando um dos astronautas parece dizer uma mensagem cifrada para sua esposa, sobre passar de novo férias com os filhos. Caulfield vê os filmes caseiros da família do astronauta sobre as últimas férias passadas em uma localidade chamada Flat Rock. Lá a família assistiu às filmagens de um Western. O filho fala maravilhado sobre a produção cinematográfica: “como pode a tecnologia tornar algo falso em uma imagem tão real?”, diz.

É a pista para Caulfield aprofundar as investigações. Enquanto isso, a simulação da viagem espacial se torna mortalmente sinistra: os astronautas são tidos como mortos na reentrada da atmosfera terrestre por um defeito no escudo térmico. É a deixa para que os agentes da CIA matem os astronautas no hangar numa evidente “queima de arquivo”. Agora os astronautas terão que lutar pelas suas vidas não mais em uma inóspita paisagem marciana, mas em um perigoso deserto terrestre fugindo de helicópteros negros e enfrentando cascavéis, escorpiões e a desidratação.

A narrativa construída por Peter Hyams foi tão bem feita que imediatamente inspirou toda uma geração a adotar a teoria de que o pouso na Lua foi na verdade uma farsa.

Décadas de paranoias e conspirações


O pesquisador Jason Horsley associa esse traço da paranoia no cinema ao próprio traço esquizo da sociedade norte-americana em seu livro “The Secret Life of Movies – Schizophrenic and Shamanic Journeys in American Cinema”.
Para Horsley o florescimento do cinema como indústria nos EUA somente foi possível pela própria natureza esquizo do dispositivo que veio de encontro a uma sociedade marcada pela paranoia, desde a transmissão radiofônica de “Guerra dos Mundos” em 1938 que levou ao pânico milhões de ouvintes na Costa Leste que acreditaram estar sob o ataque de invasores marcianos. Esse traço esquizo do dispositivo estaria presente na passividade (no sentido cinemático da passividade corporal em relação à atividade mental) e a suspensão da descrença produzida pelas técnicas narrativas do roteiro e pelo “realismo cinematográfico” (narrativa clássica) de edição e montagem.
Além da característica da passividade, a paranoia em relação à ameaça do Outro é um dos traços constitutivos da condição esquizofrênica. Partindo das considerações de Freud em “O Mal Estar da Civilização” e tomando a esquizofrenia como um sintoma de uma relação patológica com o Outro (Sociedade, Cultura, Cotidiano etc.) Horsley vai estabelecer esse movimento pendular entre o cinema esquizo onde o Outro é identificado com alienígenas, monstros, femme fatales e a própria sociedade doentia e corrupta (temática cujo auge foi nos anos 1970 em filmes como “Um Estranho no Ninho”, “Taxi Driver”, “Sem Destino”, “Perdidos na Noite” etc.) e o “cinema recuperativo” onde o mal estar em relação ao Outro é reduzido a uma questão de assepsia e controle: extermínio e violência sadística e exibicionista.
O pesquisador descreve basicamente três momentos em que Hollywood permitiu a produção dos filmes esquizo: no filme noir das décadas de 1930-40 (onde surgiram os três modos de representação do mal estar contemporâneo na figura de três protagonistas arquetípicos – “o viajante”, “o detetive” e “o estrangeiro” – sobre isso veja links abaixo), nos anti-heróis revoltados, desequilibrados e cínicos dos anos 1970 (de “Sem Destino” a “Scarface”) e no último revival nas décadas 1990-2000 representado pelo súbito interesse de produtores de Hollywood por escritores gnósticos como Philip K. Dick e Cornac McCarthy (respectivamente O Homem Duplo e A Estrada), roteiristas como Charlie Kauffman (Quero ser John Malkovitch e Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças) com profundos temas, simbologias e iconografias gnósticas e diretores como David Lynch (Inner Empire e Mulholland Drive) ou Scorsese (Ilha do Medo).
                “Capricórnio Um” vai se inserir nessa tendência dominante da década presentes em filmes como “Todos os Homens do Presidente”, “Rede de Intrigas” (ambos de 1976) cujo ápice está no excelente “Síndrome da China” (1979): protagonistas desajustados e paranoicos pressentem que há algo de corrupto não apenas nas pessoas, mas na própria estrutura de funcionamento da sociedade. Após esse ápice surgirão os “blockbusters” de “recuperação” a partir da fantasia-retro de “Star Wars”, que ideologicamente vai colocar um fim a essa tendência ao retirar de cena o impacto dos diagnósticos e denúncias mostrados por esses filmes esquizo.

Fomos mesmo à Lua? Pouco importa.


Mas o que mais incomoda no filme “Capricórnio Um” é a como é apresentada a natureza da nossa civilização baseada nas imagens. Se uma imagem de um evento é mostrada, então ele de fato aconteceu. É imagem, logo é real.

Mas, e se aquele evento jamais existiu? Pouco importa já que vemos ou possuímos aquelas imagens. Por trás desse verdadeiro fetiche das imagens reside uma espécie de nominalismo e pragmatismo filosóficos, um típico traço da cultura norte-americana e irradiada para todo o planeta pela cultura das imagens.

Estabelecido no século XIX por Charles Peirce e William James, o Pragmatismo defende que o sentido de uma ideia corresponde ao conjunto de desdobramentos práticos. Ação e pensamento são a mesma coisa. Ideias ou conceitos não precisam ter uma comprovação empírica para sabermos se são falsos ou verdadeiros. O que importa é a sua aplicação prática, a maneira como as pessoas aplicam na prática: ou seja, se as ideias ou conceitos têm pragmaticamente um resultado bom ou mal se elas são úteis. Tomemos o exemplo da conversão mítico-religiosa. Do ponto de vista pragmático pouco importa sabermos se Deus existe ou não. Se a crença Nele trás vantagens em termos de enriquecimento espiritual e expansão vital então é um pensamento válido porque útil.

Pois a cultura das imagens coloca em práticas esse princípio pragmático filosófico: as imagens têm uma virtude nominalista, são mais importantes que os próprios fatos empíricos. Pousamos de fato em Marte ou na Lua? Para o pragmatismo isso é uma questão metafísica e pouco prática: o que importa são os efeitos dessas imagens (publicitários, políticos ou econômicos).

Poderão ser desmentidas? Desmascaradas? As denúncias jamais abalarão as imagens, porque apenas será criada uma espiral de versões fazendo a imagem em questão ser reproduzida milhares de vezes na percepção pública.
                
           Diante das imagens as noções de verdade/mentira perdem a força diante do impacto fetichista delas na sociedade.

Ficha Técnica


  • Título: Capricórnio Um
  • Diretor: Peter Hyams
  • Roteiro: Peter Hyams
  • Elenco: Elliott Gould, James Brolin, Sam Waterson, O.J. Simpson, Brenda Vaccaro
  • Produção: Associated General Films, Incorporated Television Company (ITC)
  • Distribuição: Lions Gate Home Entertainment
  • País: EUA
  • Ano: 1977

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