domingo, dezembro 16, 2012

No Terceiro Aniversário uma questão: o "Cinegnose" é um blog "sobre Gnosticismo" ou "Gnóstico"?

O blog “Cinema Secreto: Cinegnose” chega ao terceiro aniversário com a notícia de que chegamos ao Top 3 dos finalistas do prêmio Top Blog 2012 na categoria “Arte e Cultura”. Projeto iniciado com as análises dos filmes gnósticos na dissertação de mestrado, o “Cinegnose” começou com uma linha editorial “sobre Gnosticismo”: especializado na análise de filmes gnósticos como ponto de partida para aprofundar temas filosóficos do Gnosticismo. Chegamos ao terceiro ano expandindo a discussão, dessa vez optando pelo “olhar gnóstico”, resultando numa abordagem mais abrangente para o Cinema, Audiovisual e Cultura Pop.

Esse mês o “Cinema Secreto: Cinegnose” faz aniversário. Pela terceira vez! Esse foi o terceiro ano de um projeto iniciado com a dissertação de mestrado “Cinegnose: a recorrência de elementos gnósticos na produção cinematográfica norte-americana – 1995 a 2005”, defendida na Universidade Anhembi Morumbi. Como sempre, ao final da edição de qualquer produto cultural (seja um CD, filme, livro ou dissertação) muito material acaba ficando de fora por absoluta falta de tempo e espaço físico.

Ao final da análise sobre a recorrência de elementos gnósticos (narrativas, mitologias, símbolos, iconografia etc.) até 2005, percebi que, na verdade, o objeto da análise estava em constante desdobramento e evolução: filmes posteriores como “Ilha do Medo” (2010), “A Origem” (2010) e até o brasileiro “Os Famosos e os Duendes da Morte” (2009) demonstravam que o Gnosticismo era uma influência cada vez mais presente (explícita ou implícita) em temas e roteiros fílmicos.

Foi então que ao final de uma das aulas no doutorado da ECA-USP, a professora Gloria Kreinz sugeriu-me: por que não faz um blog? Seria uma forma de dar vazão a todo esse material que ficou de fora do inevitável corte metodológico que todo trabalho científico impõe.

O título do blog foi inspirado nas fontes bibliográficas mais importantes da dissertação: o livro de Eric G. Wilson “Secret Cinema: the gnostic Visions in Film” e no livro “Techgnosis” de Erik Davis “Techgnosis”.

Um blog “gnóstico” ou sobre “Gnosticismo”?


O "Cinema Secreto: Cinegnose" é
finalista no Top 3 do Prêmio
Top Blog 2012 na categoria
"Arte e Cultura". O
resultado sai no dia 26/01/2013
em evento no auditório da
UNIP-São Paulo
O primeiro ano de existência do blog foi dominado por postagens sobre fundamentos do Gnosticismo. Mesmo as análises fílmicas eram um ponto de partida ou exemplos narrativos para desenvolver pontos filosóficos do Gnosticismo. Ao final daquele ano cheguei à seguinte conclusão: o blog estava indo por um caminho que para muitos leitores ou visitantes poderia soar como um espaço doutrinário, sectário ou até mesmo religioso. Ou seja, um blog sobre Gnosticismo

Uma linha editorial “sobre Gnosticismo” fatalmente tornaria o tema restrito para poucos iniciados ou simpatizantes, restringindo o debate a puro diletantismo. Isso inclusive iria em  movimento contrário ao do revival atual do Gnosticismo no cinema de massas (em blockbusters como “Matrix”), nas animes japonesas e até em elementos esparsos como animações da MAD TV. Ou seja, enquanto a indústria do entretenimento populariza de forma inconsciente ou arquetípica (pinçando no inconsciente coletivo narrativas míticas e mitologias gnósticas para fim de puro entretenimento) o blog daria às costas a esse movimento.

Por isso a partir do segundo ano o blog decidiu seguiu uma linha editorial “gnóstica”: não apenas focar “filmes gnósticos” ou “temas gnósticos”, mas construir um olhar gnóstico para estabelecer uma crítica à indústria do entretenimento e a cultura contemporânea: além do cinema, TV, audiovisual, Moda, Jornalismo, Publicidade, Semiótica e fatos do noticiário (Morte de Niemayer e Brubeck, o Massacre do Colorado etc.), mas sempre pelo viés crítico do Gnosticismo.

O “olhar gnóstico”


Um dos inspiradores do modelo
de crítica desse blog:
 Jean Baudrillard, um pensador
tido como materialista, mas
com fortes influências gnósticas
O modelo de pensamento Jean Baudrillard e Theodor Adorno, influenciados por princípios do Gnosticismo, tornou-se o modelo de crítica para este blog. Como já discutimos em outras oportunidades (veja links abaixo), foram pesquisadores que, embora considerados filiados a uma tradição crítica materialista e marxista, demonstraram surpreendentes influências gnósticas: em Baudrillard a influência da cosmologia de Mani no abandono da dialética pelo pensamento “maniqueísta” de oposições  binárias (simulacro/simulação, hiper-real/real etc.) e Adorno cuja lógica de pensamento, principalmente no livro final “Dialética Negativa”, foi influenciado pela tradição da Teologia Negativa de Dionysius Aeropagita (484-532 DC).

Esse “olhar gnóstico” pode ser sintetizado pelos seguintes princípios:

1 – Diferença entre análise ontológica e moralista – Toda análise moralista pretende combater os excessos do mal, mas não eliminar a causa. Parte do princípio de que esses excessos se originam em comportamentos e motivações corrompidas puramente individuais. Diferente disso, uma análise ontológica vai à radicalidade ao ver o mal não nos excessos, mas na própria estrutura que confina os indivíduos. Ao contrário das religiões que veem o Mal no pecado de uma condição humana decadente, o Gnosticismo vê o Mal no próprio cosmos físico criado por um Demiurgo que propositalmente corrompe o homem através da sedução pelas ilusões. Exemplos de postagem que trabalharam com esse princípio: “A ilusão do discurso da ética”; “Filme Margin Call despolitiza crise financeira”.

2 – Princípio dos eventos irônicos – Há uma ironia na estrutura desse cosmos físico em que vivemos: nele encontram-se inconciliáveis e, ao mesmo tempo, inseparáveis, o Bem e o Mal. Dessa forma, para cada ato bom produz-se um efeito perverso: a produção reverte-se em destruição, a paz produz a guerra, a realidade a ilusão, e assim por diante. Um princípio irônico que tornaria todos eventos sociais, políticos e econômicos simulações de fatos com um lastro real, funcional e racional. Como afirma Baudrillard, seriam simulacros dotados de uma “reversibilidade simbólica”.  Sob a aparência da racionalidade e funcionalidade das instituições (dinheiro, Poder, Razão etc.) esconde-se uma perversa e irônica inversão que reduziria tudo em inutilidade, destruição e desperdício. Exemplos de postagem que trabalharam com esse princípio: “Réquiem para um esporte no museu do futebol”; “Fórmula 1: a transparência do mal transmitida ao vivo”; “O ceticismo gnóstico de Jean Baudrillard”.

3 – Princípio sincromístico - A hipótese sincromística baseia-se em três conceitos: formas-pensamento, arquétipos e sincronicidade. Haveria um texto invisível no Universo, conexões significativas entre eventos que, vistos superficialmente, parecem ter causalidade dispare. Na verdade os eventos estariam imersos em uma rede formada pelo inconsciente coletivo cuja dinâmica é baseada nas chamadas formas-pensamento e arquétipos. O pensamento atuante seria capaz de gerar uma forma em um campo etérico ou astral. Quando combinadas com emoções interiores elas tenderiam a se potencializar. Dessa forma produtos da indústria do entretenimento (personagens, filmes, ideias etc.) podem ganhar força ao se sintonizar com arquétipos ou formas-pensamento do inconsciente coletivo e dessa maneira criar eventos como terrorismo, serial-killers, Exemplos de postagens que trabalharam com esse princípio: “O Coringa e o massacre do Colorado”; “Efeito copycat, violência e sincromisticismo”.

4 – Princípio do sintoma – Filmes e produtos audiovisuais não seriam meros produtos de entretenimento, mas documentos vivos do imaginário coletivo e sintomas do mal estar dos indivíduos em determinada época. A indústria do entretenimento teria criado três tipos de personagens (verdadeiros arquétipos contemporâneos) que são sintomas da forma como o indivíduo lidaria com o seu mal estar cotidiano: o Viajante, o Detetive e o Estrangeiro. O chamado “cinema esquizo” e filmes de terror e fantástico seriam veículos privilegiados desse sintoma coletivo. Exemplos de postagem que trabalharam com esse princípio: “Somos todos viajantes, detetives e estrangeiros”; “Uma história do cinema esquizo”; “Filme Capricórnio Um: o pai de todas as conspirações”.

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