O blog “Cinema Secreto: Cinegnose” chega ao terceiro aniversário com a
notícia de que chegamos ao Top 3 dos finalistas do prêmio Top Blog 2012 na
categoria “Arte e Cultura”. Projeto iniciado com as análises dos filmes gnósticos
na dissertação de mestrado, o “Cinegnose” começou com uma linha editorial “sobre
Gnosticismo”: especializado na análise de filmes gnósticos como ponto de
partida para aprofundar temas filosóficos do Gnosticismo. Chegamos ao terceiro
ano expandindo a discussão, dessa vez optando pelo “olhar gnóstico”, resultando numa abordagem mais abrangente
para o Cinema, Audiovisual e Cultura Pop.
Esse mês o “Cinema Secreto: Cinegnose” faz aniversário. Pela
terceira vez! Esse foi o terceiro ano de um projeto iniciado com a dissertação
de mestrado “Cinegnose: a recorrência de elementos gnósticos na produção
cinematográfica norte-americana – 1995 a 2005”, defendida na Universidade
Anhembi Morumbi. Como sempre, ao final da edição de qualquer produto cultural
(seja um CD, filme, livro ou dissertação) muito material acaba ficando de fora
por absoluta falta de tempo e espaço físico.
Ao final da análise sobre a recorrência de elementos
gnósticos (narrativas, mitologias, símbolos, iconografia etc.) até 2005,
percebi que, na verdade, o objeto da análise estava em constante desdobramento
e evolução: filmes posteriores como “Ilha do Medo” (2010), “A Origem” (2010) e até o brasileiro
“Os Famosos e os Duendes da Morte” (2009) demonstravam que o Gnosticismo era uma
influência cada vez mais presente (explícita ou implícita) em temas e roteiros
fílmicos.
Foi então que ao final de uma das aulas no doutorado da
ECA-USP, a professora Gloria Kreinz sugeriu-me: por que não faz um blog? Seria
uma forma de dar vazão a todo esse material que ficou de fora do inevitável
corte metodológico que todo trabalho científico impõe.
O título do blog foi inspirado nas fontes bibliográficas
mais importantes da dissertação: o livro de Eric G. Wilson “Secret Cinema: the
gnostic Visions in Film” e no livro “Techgnosis” de Erik Davis “Techgnosis”.
Um blog “gnóstico” ou sobre “Gnosticismo”?
O "Cinema Secreto: Cinegnose" é finalista no Top 3 do Prêmio Top Blog 2012 na categoria "Arte e Cultura". O resultado sai no dia 26/01/2013 em evento no auditório da UNIP-São Paulo |
O primeiro ano de existência do blog foi dominado por
postagens sobre fundamentos do Gnosticismo. Mesmo as análises fílmicas eram um
ponto de partida ou exemplos narrativos para desenvolver pontos filosóficos do
Gnosticismo. Ao final daquele ano cheguei à seguinte conclusão: o blog estava
indo por um caminho que para muitos leitores ou visitantes poderia soar como um
espaço doutrinário, sectário ou até mesmo religioso. Ou seja, um blog sobre Gnosticismo
Uma linha editorial “sobre Gnosticismo” fatalmente tornaria
o tema restrito para poucos iniciados ou simpatizantes, restringindo o debate a
puro diletantismo. Isso inclusive iria em movimento contrário ao do revival atual do Gnosticismo no cinema de massas (em blockbusters
como “Matrix”), nas animes japonesas
e até em elementos esparsos como animações da MAD TV. Ou seja, enquanto a
indústria do entretenimento populariza de forma inconsciente ou arquetípica (pinçando
no inconsciente coletivo narrativas míticas e mitologias gnósticas para fim de
puro entretenimento) o blog daria às costas a esse movimento.
Por isso a partir do segundo ano o blog decidiu seguiu uma
linha editorial “gnóstica”: não apenas focar “filmes gnósticos” ou “temas
gnósticos”, mas construir um olhar gnóstico para estabelecer uma crítica à
indústria do entretenimento e a cultura contemporânea: além do cinema, TV,
audiovisual, Moda, Jornalismo, Publicidade, Semiótica e fatos do noticiário
(Morte de Niemayer e Brubeck, o Massacre do Colorado etc.), mas sempre pelo
viés crítico do Gnosticismo.
O “olhar gnóstico”
Um dos inspiradores do modelo de crítica desse blog: Jean Baudrillard, um pensador tido como materialista, mas com fortes influências gnósticas |
O modelo de pensamento Jean Baudrillard e Theodor Adorno, influenciados por princípios do Gnosticismo, tornou-se o modelo de crítica para este blog.
Como já discutimos em outras oportunidades (veja links abaixo), foram
pesquisadores que, embora considerados filiados a uma tradição crítica
materialista e marxista, demonstraram surpreendentes influências gnósticas: em
Baudrillard a influência da cosmologia de Mani no abandono da dialética pelo
pensamento “maniqueísta” de oposições binárias
(simulacro/simulação, hiper-real/real etc.) e Adorno cuja lógica de pensamento,
principalmente no livro final “Dialética Negativa”, foi influenciado pela tradição
da Teologia Negativa de Dionysius Aeropagita (484-532 DC).
Esse “olhar gnóstico”
pode ser sintetizado pelos seguintes princípios:
1 – Diferença entre análise ontológica e moralista – Toda análise moralista
pretende combater os excessos do mal, mas não eliminar a causa. Parte do
princípio de que esses excessos se originam em comportamentos e motivações
corrompidas puramente individuais. Diferente disso, uma análise ontológica vai
à radicalidade ao ver o mal não nos excessos, mas na própria estrutura que
confina os indivíduos. Ao contrário das religiões que veem o Mal no
pecado de uma condição humana decadente, o Gnosticismo vê o Mal no próprio
cosmos físico criado por um Demiurgo que propositalmente corrompe o homem
através da sedução pelas ilusões. Exemplos de postagem que trabalharam com esse
princípio: “A
ilusão do discurso da ética”; “Filme
Margin Call despolitiza crise financeira”.
2 – Princípio dos eventos irônicos – Há uma ironia na
estrutura desse cosmos físico em que vivemos: nele encontram-se inconciliáveis e, ao mesmo tempo,
inseparáveis, o Bem e o Mal. Dessa forma, para cada ato bom produz-se um efeito
perverso: a produção reverte-se em destruição, a paz produz a guerra, a
realidade a ilusão, e assim por diante. Um princípio irônico que tornaria todos
eventos sociais, políticos e econômicos simulações de fatos com um lastro real,
funcional e racional. Como afirma Baudrillard, seriam simulacros dotados de uma
“reversibilidade simbólica”. Sob a
aparência da racionalidade e funcionalidade das instituições (dinheiro, Poder,
Razão etc.) esconde-se uma perversa e irônica inversão que reduziria tudo em
inutilidade, destruição e desperdício. Exemplos de postagem que trabalharam com
esse princípio: “Réquiem
para um esporte no museu do futebol”; “Fórmula
1: a transparência do mal transmitida ao vivo”; “O
ceticismo gnóstico de Jean Baudrillard”.
3 – Princípio sincromístico - A hipótese sincromística baseia-se em três
conceitos: formas-pensamento, arquétipos e sincronicidade. Haveria um texto
invisível no Universo, conexões significativas entre eventos que, vistos
superficialmente, parecem ter causalidade dispare. Na verdade os eventos
estariam imersos em uma rede formada pelo inconsciente coletivo cuja dinâmica é
baseada nas chamadas formas-pensamento e arquétipos. O pensamento atuante seria
capaz de gerar uma forma em um campo etérico ou astral. Quando combinadas com
emoções interiores elas tenderiam a se potencializar. Dessa forma produtos
da indústria do entretenimento (personagens, filmes, ideias etc.) podem ganhar
força ao se sintonizar com arquétipos ou formas-pensamento do inconsciente
coletivo e dessa maneira criar eventos como terrorismo, serial-killers, Exemplos
de postagens que trabalharam com esse princípio: “O
Coringa e o massacre do Colorado”; “Efeito
copycat, violência e sincromisticismo”.
4 – Princípio do sintoma – Filmes e produtos audiovisuais
não seriam meros produtos de entretenimento, mas documentos vivos do imaginário
coletivo e sintomas do mal estar dos indivíduos em determinada época. A
indústria do entretenimento teria criado três tipos de personagens (verdadeiros
arquétipos contemporâneos) que são sintomas da forma como o indivíduo lidaria
com o seu mal estar cotidiano: o Viajante, o Detetive e o Estrangeiro. O
chamado “cinema esquizo” e filmes de terror e fantástico seriam veículos
privilegiados desse sintoma coletivo. Exemplos de postagem que trabalharam com esse princípio: “Somos
todos viajantes, detetives e estrangeiros”; “Uma
história do cinema esquizo”; “Filme
Capricórnio Um: o pai de todas as conspirações”.