sexta-feira, novembro 23, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Che Guevara ensina
lições sobre o novo capitalismo e o marketing moderno em meio a viagens
lisérgicas e místicas de um protagonista que tenta se adaptar à Rússia
pós-comunismo. “Generation P” (2011) do russo Victor Ginzburg consegue fazer
uma adaptação de um livro considerado impossível de ser transposto ao cinema: “Babylon”
do escritor Viktor Pelevin. Ginzburg faz uma espécie de revisionismo da recente
história russa pós-comunismo sob o irônico título “Generation P” – o “P” de Pepsi-Cola
referindo-se àqueles que abraçaram o produto como o gosto oficial da nova
liberdade. Na verdade, Ginsburg mostra um verdadeiro circo onde misticismo e
religião se misturam com imagens midiáticas geradas com recursos digitais por
profissionais egressos do mundo da publicidade comandados por uma poderosa
máfia que, secretamente, controla o Estado e define os destinos da Rússia.
Em 1997 o Barry Levinson dirigiu
“Mera Coincidência” (Wag The Dog) onde um presidente norte-americano às
vésperas da reeleição envolve-se em um escândalo sexual na Casa Branca. O staff do presidente contrata um produtor
de Hollywood para criar uma fictícia guerra com a Albânia para, através de
recursos de marketing e edição digitais de vídeos, fazer a mídia morder a isca
e repercutir uma guerra fake que desvie a atenção da opinião pública do
escândalo sexual.
“Generation P” do russo Victor
Ginzburg é mais radical: e se o próprio Estado e todos os seus eventos
políticos (corrupção, atentados e guerras) forem fake? Isto é, e se os eventos políticos ou o próprio Estado não
passarem de imagens midiáticas geradas com recursos digitais por profissionais
egressos do mundo da publicidade comandados por uma poderosa máfia que,
secretamente, define os destinos da Rússia? Presidentes, políticos e ministros
nada mais seriam do que os próprios componentes dessa máfia que foram
escaneados e inseridos digitalmente nos noticiários, propaganda política e
eventos reais produzidos cinematograficamente. E tal escaneamento ocorreria
dentro de um ritual antigo babilônico a Ishtar, deusa do amor!
Baseado no livro do escritor russo Victor
Pelevin sob os títulos em inglês de “Babylon” e “Homo Zapiens”, o filme
constrói o retrato de uma geração que tentou se ajustar à vida pós-comunismo, representada
pelo protagonista Babylen Tatarsky (Vladimir Epifantsev). Um poeta desiludido que
descobre que possui um talento especial e perfeito para o capitalismo russo que
está nascendo: elaborar slogans de produtos ocidentais adaptados ao modo de
pensar russo, posicionando-os em um novo mercado que está surgindo.
Trabalhando em pequenos quiosques
que vendem bugigangas controlados pela máfia de uma pequena localidade, Babylen
desenvolve seu talento ao criar slogans-relâmpagos a cada produto que vende. Um
dos clientes se interessa pelo seu talento e o introduz a outra máfia – o novo
mundo da publicidade russa marcado por falcatruas e operações financeiras
ilegais. Não tardará para ser conduzido à última e mais poderosa máfia, cujo
comando localiza-se dentro do próprio Estado russo, o chamado “Departamento de
Ideias” em um enorme prédio do antigo Partido Comunista. Ele participará da
criação de conceitos e linhas de diálogos para os vídeos que serão exibidos
como notícias nos telejornais do país.
O nome do protagonista, Babylen,
é uma junção do famoso poema “Babi Yar” (sobre o extermínio de judeus na II
Guerra na ravina de Babi Yar na Ucrânia) e Lênin, o que faz o personagem
sustentar a crença em um suposto destino “babilônico” que persiste na sua busca
pessoal por Ishtar por meio da ingestão de cogumelos alucinógenos. Por isso, há
um componente religioso acima do cínico humor negro político e social do filme:
Babylen pode comprometer sua moral por uma questão de sobrevivência, mas ele
ainda não vendeu a sua alma.
O autor do livro adaptado por
“Generation P” dizia que a estória era impossível de ser filmada. Percebe-se
isso, pois o filme em muitos momentos parece que vai entrar em colapso sob o
peso da narrativa. Muitos trechos adquirem uma qualidade ensaística frenética
que faz parecer um Jean-Luc Godard em ácido alucinógeno. O filme muitas vezes
parece que vai se perder no pastiche temático (sátira política, humor negro, misticismo
e viagens lisérgicas recheados com referências históricas da Rússia à época de
Boris Yeltsin), mas Ginsburg consegue amarrar bem o roteiro com iscas que vai
jogando e que são recuperadas na sequências posteriores.
A Miragem do Estado e
do Poder
Comparado com “Mera Coincidência”
de 1997, o filme “Generation P” tem uma proposta muito mais radical. Se no
primeiro filme temos um presidente que governa uma poderosa máquina de governo
que contrata os serviços da iniciativa privada hollywoodiana, no segundo filme
o Estado e governo não existem: a máfia russa há muito suplantou o Estado cujo
poder passa a ser simulado com recursos midiáticos e digitais.
"Generation P": a simulação digital do estado e da Política
O Estado permanece como uma miragem
de ordem administrativa: é simulado na sua essência (o Poder e a Política) com
clipes, filmes publicitários, news
releasings que abastecem noticiários dos canais de TV com escândalos,
guerras, terrorismo checheno e teasers
eleitorais.
O filme é ironicamente corrosivo
ao mostrar o cúmulo da ideologia neoliberal colocado em prática pela máfia
russa: o Estado é reduzido ao mínimo, como mera simulação de si mesmo.
Como afirmava o pensador francês
Jean Baudrillard em livros como “Partidos Comunistas – paraísos artificiais da
política” e “À Sombra das Maiorias Silenciosas”, ironicamente a revolução já
aconteceu. O poder do Estado já foi tomado, somente que esse evento
revolucionário não foi televisionado e nem ocorreu algum episódio emblemático
como quedas de muros ou palavras de ordem revolucionárias. Na televisão apenas
veríamos o cadáver de um Estado-zumbi ressuscitado virtualmente por meio da fabricação
de quatro eventos básicos que mantém a opinião pública mobilizada diante dessa
ficção do Poder: escândalos, guerras, terrorismo e eleições.
Estado Espetáculo
Em “Generation P” acompanhamos a
relutância do protagonista Babylen em compreender a essência do novo
capitalismo na Rússia. Ele pressente que há algo de místico e religioso
animando o mundo das imagens publicitárias. Por isso ao longo do filme, Babylen
se vale de cogumelos alucinógenos, LSD e psicotrópicos para empreender viagens
místicas à antiga Mesopotâmia da deusa Ishtar. Numa dessas viagens surge até
Che Guevara dando impagáveis lições sobre a natureza da sociedade de consumo e do
marketing moderno.
Babylen quer apenas fazer bons
slogans para vender produtos reais. Mas ele descobre que não se trata mais
disso. Se trata agora se simular realidades, pessoas, acontecimentos e
atitudes. Babylen vê atores sendo escaneados em estúdios para suas imagens serem
inseridas em vídeo-releases para as TVs como dublês de vítimas de atentados chechenos
ou candidatos em campanhas eleitorais.
Que a Política sempre teve o
componente teatral e cênico não é novidade na ciência política desde Maquiavel.
A Política seria como um palco onde personagens representam mais a si próprios
do que promovem debates de ideias. Mas “Generation P” mostra como no novo
capitalismo tudo isso foi superado em um arco de alcance que vai da Publicidade
à Política: a materialidade dos produtos e dos políticos-atores desapareceu
para se impor a virtualidade: não se vendem mais produtos, mas atitudes e
estilos de vida; não se vendem mais candidatos, mas eventos-encenação
emblemáticos feitos para impactar a opinião-pública e simular um Poder que não
está mais no Estado mas em outra “cena” – na hierarquia de gangsters e mafiosos
que Babylen vai conhecendo ao longo do filme.
Tudo isso “Generation P” vai
narrando sob uma massiva trilha sonora de heavy-metal que em muitos momentos
lembra o estilo “gonzo” de Oliver Stone no filme “Assassinos Por Natureza”
(Natural Born Killers, 1994).
Por isso o diretor Victor Ginzburg
faz uma espécie de revisionismo da recente história russa pós-comunismo sob o
irônico título “Generation P” – o “P” de Pepsi-Cola referindo-se àqueles que
abraçaram o produto como o gosto oficial da nova liberdade. Na verdade,
Ginsburg mostra um verdadeiro circo sociológico onde um relutante protagonista
se insere em uma elite cínica de mafiosos que, desde o início do processo de
capitalização da Rússia, estavam por trás manipulando os cordões midiáticos.
Ficha Técnica:
Título: Generation P
Diretor: Victor Ginzburg
Roteiro: Victor Ginzburg adaptado do livro de Viktor Pelevin
Elenco: Vladimir Epifantsev, Mikhail Efremov, Andrey Fomin e
Sergey Shnurov
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No Oitavo Aniversário o Cinegnose atualiza lista com 101 filmes: CosmoGnósticos, PsicoGnósticos, TecnoGnósticos, AstroGnósticos e CronoGnósticos.
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Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, organizado pelo Prof. Dr. Ciro Marcondes Filho e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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