segunda-feira, novembro 12, 2012

Os idosos nada têm a dizer na mídia


Quando o envelhecimento e a morte deixam de ser simbolicamente incorporados na cultura por meio de religiões e filosofias, o discurso midiático parece insistentemente querer demonstrar que a velhice não existe, que é tudo uma questão de atitude psicológica. Gerontologia, geriatria, engenharia genética e todo um aparato tecno-científico é atualmente mobilizado para, associado à mídia, apresentar sensacionais “lições de vida” e “superações”: idosos em praticas e comportamentos análogos ao dos jovens criando não apenas uma aversão aos processos naturais de envelhecimento mas, principalmente, a crise da função dos idosos como “elo geracional”: a transmissão de sabedoria e conhecimento acumulados em uma existência.

Já se tornou um lugar comum nas “notícias diversas” (amenidades que em geral encerram os últimos blocos de telejornais) as chamadas “lições de vida” que idosos nos ensinariam: um senhor de 70 anos que pratica maratonas; uma senhora que aos 75 anos retoma a sala de aula para concluir o ensino médio pensando na universidade e nova carreira profissional; outro senhor de 65 anos diz orgulhar-se por aventurar-se no “mundo das atividades físicas”: “faço atividades físicas com força na academia para fortalecer a musculatura e garantir que tão cedo eu não vou ter que ‘pendurar as chuteiras’”, brinca.

Assim como aquela polêmica campanha publicitária de um banco que afirmava que “nem parece banco”, a visão midiática da terceira idade parece ser essa: “nem parece velho”. O discurso midiático parece insistentemente querer demonstrar que a velhice não existe, que é uma questão de atitude psicológica. Em nome de lições sobre “qualidade de vida” vemos imagens de idosos parecidos com jovens ou querendo provar que são fisicamente capazes, tanto quanto eles.

Por isso, a ciência vai mobilizar uma serie de saberes especializados (geriatria, gerontologia, engenharia genética, tanatologia, criônica etc.) para travar uma verdadeira luta para aliviar ou abolir os estragos do tempo.

A crise social da fução de "elo geracional"
dos idosos

Em culturas tradicionais onde a velhice e a morte eram simbolicamente incorporados no dia-a-dia, os idosos sempre foram “elos geracionais” como transmissores de um saber acumulado, conhecimento e sabedoria. Colocados em posição de destaque na sociedade, o natural declínio físico era compensado pela sabedoria, amor e trabalho unidos em uma preocupação com a posteridade na tentativa de equipar os mais jovens para levar adiante as tarefas dos mais velhos.

Hoje toda a indústria da informação e entretenimento faz o caminho inverso: não apenas a velhice é negada por “lições de vida” e todo um aparato terapêutico renovado a cada dia pela indústria farmacêutica como a própria função de “elo geracional” é esquecida: eles nada têm a dizer para as câmeras, a não ser negar a si mesmos numa tentativa a todo custo de aparentar uma atitude positiva e ficar parecidos com os mais jovens.

Eles foram até elevados à categoria etnográfica no mercado: são agora os “Young Seniors”, ávidos por consumo de gadgets que os tornem jovens. O que há por trás dessa aversão não só dos processos de envelhecimento como, principalmente, do esquecimento da função de elo geracional dos mais velhos?

O envelhecimento na cultura do narcisismo


Desde que a General Motors inventou a obsolescência planejada na década de 1920, o “velho” passou a ser um entrave para a reposição acelerada de produtos no mercado e a maximização dos lucros. Toda a indústria da moda e publicidade vai ao longo das décadas posteriores glamorizar o “novo” e a “novidade” como moralmente bons, prazerosos e estimulantes. O ápice dessa verdadeira engenharia de opinião pública foi a construção da cultura pop e jovem nas décadas de 1950-60. “Não confie em ninguém com mais de 30”, dizia o desafiante lema jovem da contracultura: os “mais velhos” (pais e autoridades) passaram a ser encarados como “quadrados”, ultrapassados e intrinsecamente conservadores.

Se isso foi positivo em um momento histórico como revolução e crítica, por outro lado seus líderes não perceberam a ambiguidade dessa nova cultura: seria a base imaginária (ao lado do crédito) de toda a descartabilidade e hedonismo necessários para a aceleração da sociedade de consumo.

A família patriarcal é rapidamente substituída pela família nuclear reduzida aos pais e poucos filhos. Os idosos são varridos para debaixo do tapete social através da aposentadoria e isolamento em asilos. Essa é a fase, por assim dizer, “dura” do relacionamento do capitalismo com os seus “restos”: lixo, produtos velhos, desempregados e idosos.

"Young Seniors": o novo nicho
de consumismo
O impacto demográfico do aumento da expectativa de vida (associado à melhoria da qualidade de vida urbana) cria repercussões econômicas negativas no sistema previdenciário, mas, por outro lado, chama a atenção pelo potencial de consumo da chamada terceira idade. Dessa maneira, os idosos vão ser incorporados à ideologia politicamente correta da reciclagem universal: os restos do capitalismo não serão mais escondidos, mas agora reciclados como novas comodities para o mercado: lixo (pela reciclagem ecológica), desempregados (pela educação para o empreendedorismo ou empregabilidade) e os idosos (pelo discurso terapêutico dos “Young Seniors”).

Pesquisadores como Christopher Lasch e Richard Sennett chamam a atenção para esse esvaziamento do elo geracional dos idosos por essas transformações trazidas pelas soluções médicas e sociais.

Lasch acredita que o medo em relação à velhice não se deve tanto à cultura da juventude, mas à perda do interesse dos homens pela vida terrena após a sua morte pela ascensão de uma personalidade narcísica.
“Por ter o narcisista tão poucos recursos interiores, ele olha para os outros para validar seu senso de eu. Precisa ser admirado por sua beleza, encanto, celebridade ou poder – atributos que geralmente declinam com o tempo. Incapaz de alcançar sublimações satisfatórias nas formas de amor e trabalho, ele percebe que terá pouco para sustentá-lo quando a juventude passar” (LASCH, Christopher. A Cultura do Narcisismo, R. de Janeiro, Imago, 1983,p. 254-55).
O sofrimento central da velhice (o fato de que vivemos vicariamente em nossos filhos ou em gerações futuras) perde suas formas sublimatórias religiosas ou filosóficas como o amor, a sabedoria e o conhecimento, formas que nos faziam se reconciliar com a nossa própria substituição.

O envelhecimento e o declínio do homem público


"O Retrato de Dorian Gray" de
Oscar Wilde: o horror dândi
à velhice contra a hipocrisia
da sociedade
Para Lasch nossa sociedade perdeu o valor real da sabedoria acumulada por uma existência. A chamada “sociedade da informação” manteve o caráter instrumental do conhecimento onde, de acordo com a mudança tecnológica, torna-se obsoleto e frequentemente intransferível. Dessa maneira a geração mais velha nada terá a ensinar a mais jovem, a não ser as “lições de vida” midiáticas onde obsessivamente pessoas mais velhas tentam equiparar-se aos mais jovens.
Sennett associa a crise do valor da velhice ao próprio declínio histórico do homem público. A hipertrofia das mídias e o culto às idiossincrasias das celebridades políticas ou artísticas cria o esvaziamento da vida pública pela percepção narcísica de que a exposição do “interior” é uma realidade absoluta. Ocorre uma estetização geral da esfera pública por uma percepção performática das relações sociais dominadas pelos princípios de impacto, sedução e encantamento do outro (veja SENNETT, Richard. O Declínio do Homem Público, São Paulo: Companhia das Letras, 1987).
Culturalmente esse movimento se reflete na negação da idade e no esforço pela longevidade que espera abolir a própria velhice.
Aqui somos forçados a estabelecer a diferença entre o culto à juventude dândi de Oscar Wilde em “O Retrato de Dorian Gray” e a negação da velhice da cultura midiática atual. Em Wilde vemos uma revolta metafísica em relação à morte que ceifará toda a sabedoria e experiência que serão perdidos em uma sociedade hipócrita. É a mesma revolta metafísica do replicante Roy no filme “Caçador de Andróides” (Blade Runner, 1982) que, condenado a viver apenas quatro anos, busca desesperadamente seu criador por mais vida para que tudo o que ele viu e conheceu não se percam “como lágrimas na chuva”.
Na atualidade experiência e sabedoria são menos ensinamentos a ser passados para uma geração futura do que uma histérica lição de vida performática: a de ser um velho de “cabeça jovem em um corpo são”, cujo único conselho é o de fazer “young seniors” transformarem-se em ávidos consumidores de mercadorias terapêuticas que ajudem a negar a si mesmos como testemunhas vivas do tempo e de uma sabedoria que se perdeu.

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