domingo, maio 18, 2014
Por que roqueiros dos anos 80 se tornam neoconservadores?
domingo, maio 18, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Fazendo caras feias
e rostos vincados, roqueiros dos anos 80 se zangam e protestam dizendo que 30
anos depois, nada mudou no País. Artistas e bandas de rock que na década de
1980, inspirados no punk e pós-punk, se opunham ao regime militar e
reivindicavam pelas Diretas Já e democracia. Hoje, queixam-se para uma mídia
ávida por declarações conservadoras não só contra o Governo e o PT, mas contra a própria instituição da Política e dos
políticos. Por que só depois de 30 anos descobriram que o País “só patina ou
piora”? Oportunismo em meio de carreiras em declínio? Forma de ganhar
visibilidade midiática adotando o neoconservadorismo? Talvez a explicação não
seja tão simples: por trás do niilismo e pessimismo fashion desses roqueiros
talvez exista a repetição do trauma de uma geração que cresceu sob o impacto
da cultura hiperinflacionária dos anos 80. Presos a essa cena de décadas atrás,
de contemporâneos tornaram-se extemporâneos.
Em foto
promocional do 18° discos dos Titãs, o grupo posa com caras de maus e vestidos
de preto sobre lambretas. “São as caras feias de um Brasil que, vira e mexe não
muda”, dá legenda o jornal O Globo. E
na matéria o guitarrista (e colunista do próprio jornal) Tony Bellotto, 53,
fuzila: “é uma merda pensar como o Brasil há 30 anos ou patina, ou piora”.
É recorrente a
leva de roqueiros dos anos 80 como Lobão, Roger, Dinho Ouro Preto, Léo Jaime
entre outros que não só desfilam opiniões catastrofistas e de descrédito não só
ao Governo Federal e ao PT, mas em relação à própria instituição da Política em
redes sociais e grande mídia.
A ânsia em se portarem como críticos politicamente
incorretos algumas vezes beira ao protofascismo como no episódio da “pegadinha”
do colunista da Folha Antônio Prata que, simulando ter aderido ao
neoconservadorismo, escreveu sobre uma suposta conspiração de “gays, vândalos,
negros, índios e maconheiros” no Brasil do PT. O roqueiro Roger do “Ultraje a
Rigor” caiu na “pegadinha” e no twitter congratulou o articulista por “ter
culhões”. Roger não entendeu a ironia, na ansiedade de fazer parte da onda
neoconservadora na grande mídia.
sábado, maio 17, 2014
Um marco gnóstico no filme "Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças"
sábado, maio 17, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Um marco entre
os filmes gnósticos. Se Matrix se tornou um clássico no Gnosticismo pop onde o
homem é prisioneiro em um cosmos simulado por máquinas, no filme “Brilho Eterno
de Uma Mente Sem Lembranças” (2004) temos uma mudança nas representações do
Gnosticismo no cinema: agora o homem é prisioneiro em um mundo interno, a própria
mente, através do sono do esquecimento induzido por uma tecnociência demiúrgica.
“Brilho Eterno” é profético em relação ao novo século que então se iniciava ao
fazer uma crítica às chamadas tecnologias do espírito (autoajuda, neurociências
etc.) e a sua popularização através da cultura Prozac que promete deletar nossas
inquietações (sonhos e memórias) por meios de recursos fármacos e neurocientíficos
para, em troca, nos proporcionar a paz dos cemitérios.
Ao lado do
filme Vanilla Sky (2001), o filme de
Michel Gondry Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (Eternal Sunshine of the Spotless Mind, 2004) é um marco na história
dos filmes gnósticos. Esses dois filmes representaram o fim do que chamamos
modelo Matrix de Gnosticismo pop: o mundo ilusório no qual o protagonista se
encontra aprisionado é mais uma simulação tecnológica perfeita produto de um
Demiurgo computacional como em Matrix
(1999), aliens como Cidade das Sombras
(Dark City, 1998) ou um diretor de TV
como em Show de Truman (1999); a
partir de Vanilla Sky e Brilho Eterno vemos o protagonista preso
em um mundo interior devido a alguma desordem neurológica ou psíquica,
conflitos interiores, alucinações ou sonhos.
Se no modelo
Matrix de Gnosticismo pop já era colocado a necessidade da gnose através de uma
busca interior ou reforma íntima para conseguir superar a ilusão aprisionadora,
agora a partir de filmes como Brilho Eterno, esse mergulho interior passa a ser
mais profundo, demonstrando que a prisão começa a partir dos próprias bloqueios
psíquicos como traumas, ressentimentos e angústias.
sexta-feira, maio 16, 2014
Linchamento no Guarujá revela sintoma do retrofascismo
sexta-feira, maio 16, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Para além do
horror diante da barbárie do linchamento de uma dona de casa por vizinhos e até
crianças em Guarujá/SP, o mais perturbador nesse episódio é a ambígua
declaração do governador do Estado de São Paulo Geraldo Alckmin, sugerindo que
o ato bárbaro era injustificável porque, afinal, “tudo não passou de boato”- então, se os boatos fossem verdadeiros o linchamento seria justificado? Essa surpreendente declaração para um governador confirmaria as sinistras
previsões de Arthur Kroker e Michael Weinstein nos anos 1990: uma integração
entre Estado, pan-capitalismo e violência sacrificial. O impulso primitivo
amplificado pelas redes digitais seria a fase “interativa” dos rituais de
sacrifício cotidianamente praticados pelos linchamentos midiáticos de
reputações ou dos refugos sociais (desempregados, velhos e pobres) oferecidos
como objeto sacrificial e bodes expiatórios em programas diários de TV. É o
retrofascismo à espera de uma tradução política para, mais uma vez na História,
ocupar o Estado.
“O homem preferirá ainda querer o nada ao nada querer” (Nietzsche)
O trágico episódio
do linchamento da dona de casa Fabiane de Jesus por vizinhos, amigos e até crianças
na cidade do Guarujá/SP provocado por um boato amplificado pela rede social
Facebook poderia ter passado despercebido como mais um caso num cotidiano de
chacinas e violências em bairros pobres e periféricos se não fosse por duas
características e um sintoma importante:
(a) Uma explosão
primitiva de violência motivada por um boato através de uma rede social produto
da alta tecnologia de comunicação digital desse início de século. Tecnologia
digital e primitivismo coexistindo como fossem dois lados de uma mesma moeda;
(b) O boato a
partir de um suposto retrato falado publicado em página do Facebook dava conta
de que Fabiane seria sequestradora de crianças para rituais de magia negra. Se
na sua origem primitiva o linchamento é um impulso sacrificial para esconjurar
o mal em uma comunidade, o episódio tem um quê de estranha ironia: um
linchamento (ritual de sacrifício) para punir uma pessoa que supostamente sequestrava
crianças para rituais que também visam esconjurar o mal ou/e compactuar como
ele;
segunda-feira, maio 12, 2014
O pós-humano no filme "The Machine"
segunda-feira, maio 12, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Do mito do Golem
do misticismo judaico, passando pelo robô Maria do clássico “Metrópolis” de
1927 até chegar ao computador HAL 9000 de “2001” de Kubrick, a Inteligência
Artificial (IA) é vista como ameaça ou realização máxima do homem, mas nunca
sua superação por supostamente faltar nela a essência da humanidade: a consciência
ou alma. Mas o filme inglês “The Machine” (2013) insere a discussão da IA em
outro patamar, desenvolvido no cinema desde os personagens dos replicantes
de “Blade Runner” (1982) de Ridley Scott: o do “pós-humano”. “The Machine” acrescenta
a essa novo enfoque da IA um componente místico que estaria motivando a agenda
tecnocientífica atual: o tecnognosticismo - a
ambição de nos livrarmos da carne e do orgânico através da transcendência espiritual
possibilitada pela tecnologia. Encontrar a imortalidade da alma através de upload
final para um banco de dados, “nuvem” de bits ou rede eletrônico-neuronal.
A Inteligência
Artificial (IA) é um dos grandes arquétipos do imaginário contemporâneo, capaz
de alimentar tanto as utopias mais luminosas quanto os maiores pesadelos
distópicos da literatura e do cinema.
Herdeiro direto
das mitologias do Golem (ser artificial associado ao misticismo judaico da
Cabala, trazido à vida através de processos mágicos), dos homunculus da Alquimia e de Frankenstein (a criação da escritora
Mary Shelley que materializou a advertência do pintor Goya de que o sono da
Razão produz monstros), a evolução da ambição tecnocientífica pela Inteligência
Artificial pode ser dividida em três etapas:
Primeira,
representada pelo filme Metrópolis de
Fritz Lang: através de uma estética cartesiana emblemática da vanguarda
artística da primeira metade do século XX apresenta a personagem robótica
Maria, comandada pelos malignos propósitos de uma elite que escraviza
trabalhadores – mas também o símbolo da necessidade do homem comandar a máquina
com o coração para mediar os conflitos entre a classe dominante e dominada. Em
si a máquina é benéfica, bastando ao homem buscar não a Razão, mas a sua
humanidade para controlá-la de forma sábia.
quarta-feira, maio 07, 2014
O logo da novela e a bomba semiótica da pararrealidade
quarta-feira, maio 07, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O logo da telenovela
“Geração Brasil” da TV Globo traria no seu design uma subliminar sugestão dos
números dos candidatos de oposição ao Governo? Delirante teoria conspiratória?
Prepotência dos jornalistas? Designers e profissionais criativos veem exagero
em tal acusação, já que toda marca produziria espontaneamente associações
visuais, já que para a Semiótica todo signo produziria uma imagem mental.
Posições ideológicas à esquerda, calejadas pela desconfiança em relação à
grande mídia, falam em manipulação subliminar. Mas parece que todas as posições
acabam se tornando vítimas da espiral das interpretações, a doença infantil da
Semiótica. A cura? Desconstruir o logo da telenovela através de técnicas as
mais objetivas possíveis como a de recorrência sincrônicas e diacrônicas,
comutação e Gestalt. E no final descobrirmos que, na verdade, o suposto poder
subliminar do logo não provém dele mesmo. Sua força é alimentada por uma
pararrealidade criada pela TV ao fundir diariamente ficção com não-ficção.
Surge a polêmica entre jornalistas, simpatizantes da esquerda e profissionais de design e criação de que logomarca da novela das 19h Geração Brasil (ou “G3R4Ç4O BR4S1L”) conteria “coincidentemente”
em sua linguagem “internetês” (ou Leet,
para ser mais preciso) os números dos candidatos de oposição: o “40” (PSB de
Eduardo Campos – PE) e “45” (PSDB de Aécio Neves – MG).
O problema de toda
análise semiótica ou gestalt é que, se tomarmos o objeto de forma isolada,
todas as análises podem se cancelarem como meras interpretações subjetivas: se todo
signo cria uma imagem mental no interpretante, logo o que estamos vendo poderia
ser apenas o signo de outro signo da realidade – e o que é “realidade” para a
Semiótica é uma questão metafísica, já que seu interesse é puramente
pragmático: entender as significações obtidas de acordo com a posição relativa
do interpretante.
terça-feira, maio 06, 2014
Palestra de executivo revela a secreta religião americana
terça-feira, maio 06, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O que há por trás da performance de uma palestra de um executivo norte-americano? Broadway, Hollywood, teatro vaudeville e todo um mix cultural único de um país que conseguiu fundir “business”, “show” e “entertainment”. Assistir ao discurso desses protagonistas corporativos é testemunhar o ineditismo de um país que conseguiu fundir a fé tecnológica, o espírito pioneiro dos puritanos e o triunfo do liberalismo comercial. O pesquisador canadense Arthur Kroker chamava isso de “capitalismo pentecostal”: a calculada canastrice da palestra de um executivo inspirada no pantheon dos simulacros da cultura pop , a crença no pragmatismo tecnológico como moralmente bom e a fé em um destino manifesto de levar a religião americana para todo o mundo.
domingo, maio 04, 2014
Em Observação: "La Hora Fría" (2006) - cineteratologia dos zumbis?
domingo, maio 04, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Oito pessoas,
isoladas no subterrâneo em um mundo pós-guerra química, vivem sob a ameaça de
zumbis mutantes e fantasmas. Mais do mesmo para os fãs de cinema
pós-apocalíptico e de zumbis? Isso é que o “Cinegnose” vai conferir: um filme
de uma época em que o cinema espanhol começa repentinamente a interessar-se
sobre o tema zumbis, ao lado de produções como “REC” e “[REC] 2”, com
interessantes variações sobre o tema. “La Hora Fría” é uma oportunidade para
verificar algumas hipóteses da chamada Cineteratologia – o estudo da morfologia
e natureza dos monstros no cinema como metáfora do espírito de uma determinada
época. Mais um filme indicado pelo nosso leitor Felipe Resende.
sábado, maio 03, 2014
Em Observação: "The Machine" (2013) - a ciência entre a humanidade e as sombras
sábado, maio 03, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Filme sugerido
pelo nosso leitor Felipe Resende. A crítica destaca que a produção britânica “The
Machine” combina temas do filme premiado pelo Oscar “Ela” e o clássico “Blade
Runner” de Ridley Scott (1982). Em meio a uma nova Guerra Fria, dessa vez entre
o Ocidente e a China, programadores de computador fazem pesquisas em
Inteligência Artificial e neurociência até desenvolverem um androide com alma e
consciência em um laboratório militar subterrâneo. O filme apresenta a
ambiguidade atual das tecnociências que enquanto mantém esperanças altruístas
nos benefícios humanos das descobertas científicas, convivem com a sombra de aplicações
muito mais sombrias pelos poderes que as mantêm.
quinta-feira, maio 01, 2014
Globo reage à crise de audiência e credibilidade com desespero metalinguístico
quinta-feira, maio 01, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Sai a estética
futurista de Hans Donner, entra os passos do funk e um visual menos high tech
onde até a icônica zebrinha dos anos 1970 que dava os resultados do futebol
parece renascer com nova roupagem. E tudo isso com muita auto-referência e metalinguagem. Essa é
a repaginada do programa dominical “Fantástico” e dos telejornais da emissora que
parecem sentir o golpe da perda de audiência e credibilidade. Uma simulação de
reunião de pauta com telespectadores dando palpites sobre temas
pré-estabelecidos no “Fantástico” é o desespero metalinguístico de criar uma
percepção de transparência e credibilidade de um jornalismo que tenta se
equilibrar entre o papel de oposição política assumido pela emissora e a
necessidade de aparentar objetividade noticiosa. A transformação da estética
Hans Donner na identidade visual da emissora parece apontar para o sintoma da sua perda
de relevância e o fim de uma utopia modernista que a TV Globo representou
durante da ditadura militar e não consegue mais sustentar diante do novo
cenário. E a resposta da emissora é autofágica.
Os tempos estão
mudando e a TV Globo já não é mais a mesma. As audiências vêm despencando há
muito tempo numa irresistível curva descendente para uma emissora que já chegou
a 100% de audiência com a novela Selva de Pedra em 1972 e o Jornal Nacional
dando 80% nos anos 1980. Bem diferentes são os tempos atuais: o Jornal Nacional desce aos 17%, a estreia
do Novo Fantástico no último domingo
registrou média de 16,5%, Silvio Santos supera os números de audiência do reality show musical SuperStar e assim por diante.
Paradoxalmente, o
faturamento da emissora é mantido em patamares elevados. Para os analistas,
graças ao impacto no mercado publicitário do famoso “incentivo”chamado BV
(Bonificação por Volume) – comissões repassadas da TV Globo para as agências de
publicidade que variam de acordo com o volume de propaganda negociado entre
elas. Seria o principal mecanismo que perpetuaria o monopólio midiático da
emissora.
segunda-feira, abril 28, 2014
A Serpente do Paraíso rouba a cena no filme "Noé"
segunda-feira, abril 28, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
No livro bíblico
do Gênesis, a história da arca de Noé tem apenas três páginas. Conhecendo o
senso hollywoodiano de espetáculo e a inclinação de Darren Aronofsky em
explorar complexas simbologias místicas e esotéricas, era de se esperar que o
filme “Noé” (Noah, 2014) não fosse um thriller bíblico nos moldes de “Os Dez
Mandamentos”. Pelo contrário, Aronofsky subverte o famoso personagem bíblico
através de uma releitura gnóstica e cabalística. O diretor não só abandonou a
Bíblia como transformou a Serpente do Jardim do Éden no personagem principal,
trazendo para as telas a antiga versão gnóstica do mito do Paraíso, sob uma
embalagem atual política e ecologicamente correta.
Quem conhece a
obra do cineasta Darren Aronofsky, sabe que se pode esperar de seus filmes
profundos simbolismos místicos e esotéricos. Foi assim em filmes como Pi
(um thriller cabalístico onde um gênio matemático procura uma constante
numérica universal), Cisne
Negro (fábula gnóstica sobre a exploração da luz interior humana por um
demiurgo representado pelas exigências mercadológicas de uma companhia de balé)
e Fonte
da Vida (uma jornada de elevação espiritual através de complexos
simbolismos gnósticos e alquímicos).
Com o filme Noé (Noah, 2014) não poderia ser diferente. Porém, desta vez
Aronofsky saiu do campo dos dramas seculares traduzidos por simbolismos para
entrar em uma narrativa bíblica fazendo uma releitura paradoxalmente sem
referência à Bíblia: Aronofsky fez uma subversão flagrantemente gnóstica e
cabalística do famoso personagem bíblico.
sábado, abril 26, 2014
Um pesadelo semiótico zumbi no filme "Pontypool"
sábado, abril 26, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O que acontece quando um filme sobre zumbis mistura referências a escritores como Norman Mailer e William Burroughs? Resulta em um dos mais surpreendentes e originais filmes do gênero dos últimos anos. A produção canadense “Pontypool”(2008) cruza dois insights da literatura ensaística: as coincidências sincromísticas que antecederiam eventos importantes na história e a linguagem humana como um vírus letal que parasita a humanidade. Em “Pontypool” o vírus não é disseminado pelo sangue, ar ou corpo, mas pelas palavras. O que resulta num interessante “terror semiótico”: certas palavras estariam infectadas, aquelas mais carregadas de afeto e emoção. E nos Dias dos Namorados isso pode ser fatal... Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.
segunda-feira, abril 21, 2014
A crueldade do mito da infância no filme "A Caça"
segunda-feira, abril 21, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Quais fronteiras que separam a criança do adulto? A racionalidade? O
desenvolvimento físico? A maldade? O filme “A Caça” do diretor dinamarquês Thomas
Vinterberg (indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro), através de uma narrativa seca, crua e até brutal, segue o drama de
um professor falsamente acusado de abuso sexual em uma escola infantil como ato
de vingança de uma menina cujo beijo fora delicadamente recusado por ele. A
destruição de reputações e o linchamento moral são meticulosamente abordados: como a mentira pode se espalhar como um câncer
no meio de uma comunidade, destruindo a capacidade coletiva para a razão e
fomentando uma incrível crueldade e o mal em pessoas aparentemente tão
decentes. Mais do que isso, “A Caça” questiona a mitologia da pureza infantil,
discurso mobilizado pelos adultos para legitimar todo um sistema cultural e
moral baseado numa suposta evolução natural da infância à vida adulta.
A infância talvez
seja um dos mitos mais cultivados e protegidos da sociedade. Afinal, é o que
sustenta todo o sistema educacional, cultural e moral: a certeza de que
nascemos e evoluímos física e intelectualmente através do aprendizado, da
educação seja física ou cultural.
Ritos de passagem
para a entrada na vida adulta como demonstrações de destreza, coragem, força
física e domínio intelectual são eventos centrais na sociedade para determinar
essa fronteira que separaria a infância da vida adulta. Mas há momentos em que
essas fronteiras não ficam tão evidentes, principalmente quando as crianças
demonstram ter uma vida psíquica tão intensa quanto a dos adultos com desejos e
fantasias que não conseguem ser explicados pela oposição simplista
verdade/mentira.
domingo, abril 20, 2014
Reality show aponta para nova função social da televisão: a "TV excremental"
domingo, abril 20, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
No momento em que
mídias de convergência como Internet e dispositivos móveis ameaçam as mídias
tradicionais, a TV abraça o conceito de “shows de realidade” onde especialistas
nas mais diversas áreas atendem ao pedido de socorro de pais ou casais que não conseguem
dar conta de filhos chiliquentos, cães maníacos, apartamentos entulhados de
bugigangas ou de guarda-roupas que passaram da moda. Para sobreviver a irrupção
das mídias digitais interativas e em tempo real, a TV aponta para uma mudança
de função: de mídia informativa ou de entretenimento, para agenciadora das necessidades psíquicas de sacrifício,
disciplina, vigilância e reenergização dos telespectadores através da violência, funções a que o pesquisador canadense Arthur Kroker conceitua como "TV excremental". O
reality “Socorro! Meu filho come mal” da GNT é um caso exemplar.
Em um fenômeno de
sincronismo, no momento em que terminava a postagem anterior sobre o filme Edtv (clique aqui para ler) e a discussão sobre a função social
do reality show, eis que dou de cara
na TV com o reality da GNT Socorro! Meu
filho come mal comandado pela nutricionista Gabriela Kapim.
Há uma verdadeira
febre na TV a cabo atual de programas reality com especialistas nas mais
diversas áreas, de adestradores de cachorros a educadores infantis, passando personal trainers, personal stylists ou personal
organizers. Super Nanny, Santa Ajuda, Pronto Socorro da Moda etc., variações do gênero reality show sempre com especialistas
que recebem pedidos de socorro de telespectadores que não conseguem dar conta
de filhos mal educados, cães maníacos, apartamentos entulhados de bugigangas ou
de guarda-roupas que passaram da moda.
sábado, abril 19, 2014
A televisão excremental no filme "Edtv"
sábado, abril 19, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Ao lado de “Show
de Truman”, o filme “Edtv” (1999) de Ron Howard, mais do que antecipar uma TV atual
onde o conceito de reality show contamina de reportagens a programas de
gastronomia e decoração, anteviu uma nova função social - a “TV excremental”.
Uma televisão que há muito abandonou a pretensão de ser uma “janela aberta para
o mundo” para assumir um papel fisio-psicológico: processar os excrementos
psíquicos. Assim como o corpo que depois de ingerir, acumular, metabolizar e
produzir tem que no final excretar para manter o ciclo vital, da mesma forma milhões
de telespectadores necessitam excretar fluxos psíquicos (sacrifício,
disciplina, vigilância e violência) para que o ciclo se renove no dia seguinte após
um dia inteiro de alimentação e trabalho para acumulação de méritos e riqueza
alheia.
Desprezado pela
crítica e pelo público. Esse foi o destino do filme Edtv (1999) do premiado diretor Ron Howard (Oscar de melhor diretor
em Uma Mente Brilhante, 2001) que se
quer chegou a ser exibidos nos cinemas brasileiros. Muitos creditaram o fato
desse filme ter caído no esquecimento à coincidência de ter sido lançado no
mesmo ano de Show de Truman de Peter
Weir: assim como em Edtv, também antecipava a questão dos reality show que, mais tarde, se tornaria um gênero televisivo
mundial.
O sucesso de Show de Truman eclipsou Edtv, mas olhando hoje percebemos que
embora tratem do mesmo objeto, a proposta de discussão é bem diferente:
enquanto Weir contava a história de um protagonista cuja vida foi fabricada
para ser entretenimento de milhões sem ele saber, Howard quer discutir não só a
questão das celebridades instantâneas produzidas pelos reality show como também os destinos da TV em um novo milênio
dominado pela cultura digital em tempo real.
domingo, abril 13, 2014
Como fazer uma notícia para um telejornal
domingo, abril 13, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Como o dramaturgo do
Teatro do Absurdo Eugène Ionesco pode explicar o suposto escândalo da questão de uma prova de
Filosofia de uma escola pública que citava a música da Valesca Popozuda? Não só
explica como também fornece um método para a criação de notícias em telejornais:
a estratégia de descontextualização. Mais uma
bomba semiótica onde a fabricação da notícia é ordenada pela organização de
fragmentos díspares em função de uma lógica que parece fazer os pedaços
convergir em direção a um desenlace que já se tem em vista. Como nos romances,
tudo parece ser o presságio de um inevitável abismo para onde o País
caminharia. Uma bomba semiótica cujo efeito é turbinado tanto pelo preconceito de
classe contra o funk quanto pelo jornalismo
metonímico do “Não Vai Ter Copa”.
Como recortar um
elemento do real para apresentá-lo como notícia em um telejornal? Na peça A Cantora Lírica Careca (La Cantatrice Chauve, 1950) Eugène
Ionesco, dramaturgo do Teatro do Absurdo – 1909 a 1994) nos fornece um método
bem interessante que é seguido à risca na atualidade para a montagem de bombas
semióticas. Em primeiro lugar, devemos declarar como “extraordinário” um
conjunto de elementos qualquer:
sábado, abril 12, 2014
Em Observação: A Caça (2012) - o mito da pureza infantil
sábado, abril 12, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Filme sugerido
pelo nosso leitor Felipe Resende. Além do mal causado pela pedofilia, essa
disfunção ainda pode ser o pretexto para a sociedade criar o mito da infância
como uma fase idílica e ingênua onde as crianças seriam incapazes de mentir. No
filme “A Caça” o diretor dinamarquês Thomas Vinterberg está interessado em
dissecar os mecanismos que originam as denúncias e insinuações capazes de provocar
linchamentos e destruição de reputações. E como muitas vezes o mito da pureza
infantil (colocado abaixo há muito tempo pela psicanálise freudiana) é
utilizado hipocritamente para criar válvulas de escape ou bodes expiatórios
para aliviar tensões sociais.
quarta-feira, abril 09, 2014
Parapolítica: o Umbral 70 anos depois
quarta-feira, abril 09, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Pretos velhos,
índios tupinambás e caboclos falando em mecânica quântica, nanotecnologia
espiritual, clonagens astrais e denunciando a manipulação dessas tecnologias
em sofisticados laboratórios comandados por cientistas emigrados da Terra desde
a Segunda Guerra Mundial, com sombrios propósitos de influência nos bastidores
da política terrestre. Esse é o Umbral (região espiritual limítrofe ao planeta) 70 anos depois das descrições feitas por
André Luiz na série clássica espírita “Nosso Lar”. Quem revela
isso é o espírito Ângelo Inácio através da obra do médium mineiro Robson
Pinheiro. Lá como cá, tecnologias eletrônicas e digitais são usadas como recursos de engenharia para manipular climas de opinião e atingir “endereços vibratórios” (ou “receptores” como
fala a Teoria da Comunicação). É a “parapolítica”, nova abordagem
interdisciplinar (ou interdimensional) dos fenômenos da Política e Comunicação.
A certa altura do
programa Roda Viva da TV Cultura/SP a jornalista da Folha de São Paulo Eliane
Cantanhêde interpelou o entrevistado Almino Afonso (ministro da pasta do
trabalho no governo João Goulart – 1962-64) a dar os nomes daqueles que traíram
Jango dentro da base político-parlamentar, fragilizando-o diante da eminência
do golpe militar. “A maioria deles... eu enfrentaria problemas terríveis em um
plano que não sei absolutamente conviver, um plano de outra dimensão da vida
(ele fala gesticulando as mãos para o alto)... é muito complicado, e eles quase
todos estão mortos... imagina quantos no conjunto já morreram. Sou um dos
raríssimos ministros que ainda está vivo”, responde Almino Afonso recusando a
dar “nomes aos bois” como se referiu a jornalista.
Curiosa resposta
que passou despercebida na entrevista, demonstrando não apenas o caráter moral
(se nega a delatar pessoas que já não estão entre nós) como também um misto de
respeito e temor sobre “a outra dimensão da vida” e “problemas terríveis” que
isso poderia lhe custar – poderíamos especular que o seu temor estaria além da
punição moral, mas o temor de os seus inimigos estarem à espera dele na “outra
dimensão da vida”. Partindo de um político, um tipo de pessoa marcada pela índole
pragmática e com interesses bem terrenos, é uma declaração a princípio
surpreendente. Mas será mesmo?
segunda-feira, abril 07, 2014
A dialética gnóstica do senhor e escravo no filme "Expresso do Amanhã"
segunda-feira, abril 07, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Mais um filme hollywoodiano
de ficção científica distópico e pós-apocalíptico? Com elenco estelar dirigido pelo
coreano Jooh-ho Bong em sua estreia em filmes de língua inglesa, “Expresso do
Amanhã” (Snowpiercer, 2013) narra como
uma espécie de arca ferroviária com sobreviventes da espécie humana após uma
catástrofe climática que fez o planeta entrar em nova Era do Gelo, se
transforma em um microcosmo da Terra. Em um gigantesco trem com centenas de
vagões que circula indefinidamente pelo planeta cria-se um sistema totalitário
com luta de classes, exploração, dominação e manipulação psicológica. Mas as
dificuldades de distribuição e lançamento do filme apontam para uma produção
com narrativa não convencional que foge da dualidade Bem/Mal lembrando a famosa dialética do senhor e escravo tal como descrita pelo filósofo alemão Hegel. Porém,
com desfecho não convencional nem para Hollywood e nem para Hegel. Filme sugerido pelo nosso leitor Joari Carvalho.
Um filme com
diversos problemas de produção e, principalmente, distribuição. A ideia de
associar o ótimo diretor coreano Jooh-ho Bong com atores conhecidos nos EUA
como Chris Evans (Capitão América), John Hurt, Ed Harris e Tilda Swinton era promissora
dentro da atual política de Hollywood em globalizar os aspectos de direção e
produção cinematográficas. Porém, algo não deu certo: mesmo já tendo sido
exibido na Ásia, o filme ainda não estreou no Ocidente (nos EUA até o dia 31/03
não havia estreado e no Brasil e era esperado para esse mês nos cinemas
brasileiros) e sua estreia tem sido adiada diversas vezes: diversas versões do
filme parecem terem sido criadas, com diversos cortes que chegam a totalizar 20
minutos, tentando agradar os estúdios e desagradar o diretor Bong.
sexta-feira, abril 04, 2014
O "Estadão" de 31 de março: bomba semiótica ou sincronicidade?
sexta-feira, abril 04, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Leitores desse blog chamaram atenção para um estranho fenômeno semiótico apresentado pelo jornal “O Estado de São Paulo” na edição de 31 de março, dia
marcado pela lembrança dos 50 anos do golpe militar de 1964. No caderno “Metrópole”
do jornal paulistano uma sequência de duas páginas ímpares criou uma curiosa
associação metonímica entre uma matéria sobre intervenção militar no Complexo
da Maré no Rio de janeiro e um anúncio do HSBC onde um desenho artisticamente
elaborado parece fazer um comentário pontual do que lemos na página anterior: a
cidade do Rio de Janeiro à beira de um abismo e carregada por um tanque
militar. Mais uma bomba semiótica? Delírios conspiratórios? Ou uma “coincidência
significativa”?
Desde as
grandes manifestações de rua de junho do ano passado sabemos que uma guerra
semiótica está sendo travada pelo domínio da opinião pública. Um domínio que
não visa a persuasão política ou disseminação ideológica, mas a explosão de
verdadeiras bombas semióticas para moldar a percepção: criar um clima de
opinião de que o país atravessa um estado de convulsão, caos e pré-insurgência
civil.
Desde a
morte do cinegrafista da Band, Santiago Andrade, em protestos no Rio de Janeiro
em fevereiro percebeu-se um refluxo nas manifestações de rua. Protestos de rua
turbinados por operações semióticas da mídia foram desde então substituídos pela
repercussão de pautas que acabam se tornando supercondutores de manifestações
de intolerância e de fascismo difuso – forma de pensar onde qualquer tema é
pensado a partir de soluções finais, radicais e intervencionistas.
quinta-feira, abril 03, 2014
A vida não tem script no filme "Wrong"
quinta-feira, abril 03, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Após o
inacreditável filme “Rubber” (2010) onde um pneu com poderes telepáticos roda o
deserto em busca de sangue e vingança, o francês Quentin Dupieux nos brindou
com “Wrong” (2012) produção que chega ao ápice da filosofia “no reason” que o
diretor desenvolve para desconstruir não só o cinema como a própria realidade.
Partindo de um plot narrativo surreal (um homem que descobre que seu cão desapareceu
e tenta achá-lo por meio de um método de união telepática homem/cão ensinado
por um guru new age), Dupieux procura fazer um cinema que não
ofereça às pessoas a esperança de que a realidade seja provida de algum sentido.
Para ele, se a vida é caótica e incerta, assim devem ser também as narrativas cinematográficas.
Dupieux acredita que quanto mais surreal e inverossímil forem os argumentos de
um filme, mais “realista” se torna para os espectadores.
Tendemos a pensar
que a vida cotidiana é marcada por papéis sociais, regras e normas às quais
temos que nos encaixar, tornando o dia-a-dia um tédio, sempre à espera de um
feriado prolongado que nos liberte. Vamos ao cinema ou assistimos a um vídeo na
esperança de uma breve escapadela da rotina para procurar nos produtos
audiovisuais algo que dê sentido à nossa rotina desesperançada.
Mas para o diretor
francês Quentin Dupieux é exatamente o inverso: a vida é caótica, incerta, sem
scripts definidos, sempre nos pegando de surpresa. Na verdade a realidade não
faz muito sentido. E vamos ao cinema para assistirmos histórias onde tudo faça
sentido, exatamente como a vida não é. Dupieux procura fazer o contrário: um
cinema que não ofereça às pessoas a esperança de que a existência tenha algum
sentido ou propósito. Em outras palavras, o diretor francês tenta fazer uma
interessante conexão entre a visão gnóstica da existência com uma desconstrução
da linguagem cinematográfica.
domingo, março 30, 2014
Neurogadget que promete sonhos lúcidos é sintoma da cultura dos aplicativos
domingo, março 30, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Um aplicativo que
promete para o usuário sonhos lúcidos. É o “Aurora”, criado por uma start up
californiana e previsto para ser lançado no segundo semestre desse ano, que
promete tornar os sonhos tão produtivos e eficientes que farão a terça parte da
vida que passamos dormindo valer a pena. O neurogadget Aurora é um sintoma
tanto da cultura atual dos aplicativos que cria nos usuários uma falsa ilusão
de racionalidade e planejamento de onde nem os sonhos parecem escapar; e de uma
agenda tecnognóstica que une
neurociências, ciências computacionais e Inteligência Artificial com o
propósito de efetuar a cartografia e topografia da mente com objetivos de
manipulação e controle social.
Em postagem
anterior discutíamos como o cinema parece antecipar uma espécie de agenda
tecnocientífica – sobre isso clique
aqui. Dessa vez, os diversos filmes que abordaram o tema dos sonhos lúcidos
(Vanilla Sky, A Origem, Sonhando Acordado, entre outros) parecem ter se
antecipado ou inspiraram um aplicativo criado pela IWinks, uma start up de San Diego, nos EUA: o “Aurora”,
aplicativo que promete ao usuário criar sonhos lúcidos a partir de um
dispositivo que mede as ondas cerebrais e o movimento dos olhos.
O sonho lúcido
ocorre no momento em que o sonhador começa a ter uma relação de estranheza com
o fluxo dos acontecimentos oníricos e passa a questionar a própria realidade.
Consciente que se encontra num sonho, passa então a interferir na lógica
onírica. O aplicativo “Aurora” supostamente promete criar essa situação para o
usuário a partir do momento em que o dispositivo percebe os movimentos REM e a
alteração das ondas cerebrais, enviando jogos de luzes e sons personalizados
para o usuário que, sem despertar, perceberá que está num sonho - veja abaixo o video promocional do aplicativo.
sábado, março 29, 2014
A filosofia do ressentimento em "Um Homem com Duas Vidas"
sábado, março 29, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Um olhar tragicômico
sobre o ressentimento. Com uma complexa narrativa repleta de flash backs onde
memórias e fantasias se misturam (marca registrada do belga Jaco Van Dormael,
diretor do filme “Sr Ninguém” de 2009), “Um Homem Com Duas Vidas” (Toto Le
Héros, 1991) conta a história de Thomas, um homem que acredita que a sua vida
foi roubada e, com a ajuda de um agente secreto imaginário chamado Toto, pretende
vingar-se. Embora a constelação de afetos que formam o ressentimento (raiva,
inveja, amargura e vingança) seja tratada pelo filme de forma leve e cômica, a
complexidade narrativa que funde o passado com o presente levanta uma questão central:
o esquecimento. Freud e Nietzsche deram respostas diferentes: para o pai da
psicanálise o esquecimento negaria a chance de compreender o passado enquanto
para Nietzsche era a única chance de nos libertarmos das garras do
ressentimento. Além de levantar esse tema “Um Homem Com Duas Vidas” ainda vai
conectar o ressentimento individual com o social ao mostrar como as memórias de
um super-herói midiático se confundem com memórias e fantasias da infância.
O diretor belga
Jaco Van Dormael já é conhecido por esse
blog pelo filme Sr. Ninguém (Mr.
Nobody, 2009) onde o protagonista vê a sua vida como um gigantesco hipertexto
com diversos futuros alternativos e luta contra os eventos aleatórios que podem
interferir no livre-arbítrio das decisões.
Um Homem com Duas Vidas (Toto Le Héros, 1991) marcou a estreia do diretor em longa metragens.
Situada em um futuro próximo, Van Dormael nos conta a história de um homem
idoso chamado Thomas que olha para trás na sua vida através de uma espécie de
fluxo de consciência construído por um complexo mosaico de flash backs intercalado com fantasias de como os acontecimentos
poderiam ter sido diferentes.
quarta-feira, março 26, 2014
Revisitando o documentário "Muito Além do Cidadão Kane"
quarta-feira, março 26, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Aos 50 anos do
golpe militar de 1964 é necessário revisitarmos o documentário “Muito Além do
Cidadão Kane” (Beyond Citizen Kane, 1993), dirigido por Simon Hartog para o
Channel Four da Inglaterra. A Globo venceu na justiça e o filme foi banido do
País, mas acabou assistido e debatido nos meios universitário e acadêmico. Tornou-se
um documento fundamental para conhecermos o Brasil e a nossa TV. Ficou famoso
internacionalmente pelas suas denúncias sobre as manipulações do telejornalismo
da Globo e o favorecimento econômico da emissora de Roberto Marinho desde o
início do regime militar. Mas o documentário de Hartog diz mais, que só o olhar
de um estrangeiro poderia ver: os detalhes que contribuíram para a Globo formar
a primeira rede de TV do país, capaz de criar um conteúdo tão genérico que
passou por cima da diversidade cultural e regional brasileira. “A estranha
combinação” do entretenimento dominical, a TV em cores e o projeto de
modernidade e integração nacional dos militares e o condicionamento da vinheta
do plim-plim e da linguagem do globês que alterou a identidade idiomática do
brasileiro.
Às vésperas dos 50
anos do golpe militar de 1964, é oportuno fazermos uma revisita ao lendário
documentário televisivo britânico Muito
Além do Cidadão Kane. Produzido e distribuído pelo canal privado Channel
Four em 1993 e dirigido por Simon Hartog, o documentário foca as relações entre
a grande mídia e o poder no Brasil e detalha a posição monopolista da rede
Globo que cresceu à sombra do regime militar. Analisa a figura do proprietário
Roberto Marinho, suas relações políticas com o Estado (aproximando-o do
personagem Charles Foster Kane, personagem criado por Orson Welles para o filme
Cidadão Kane de 1941) e o poder da
emissora em formar e manipular a opinião pública.
A ideia da
produção do documentário surgiu quando Hartog visitou o Brasil nos anos 80 e
ficou impressionado com o império midiático da Globo, Roberto Marinho e o seu
pragmatismo político. Hartog fazia parte
de um grupo de cineastas de esquerda da London Coop. Antes de produzir Muito Além do Cidadão Kane ele já havia
realizado Brazil: Cinema, Sex and the
Generals (1985) sobre o papel político das pornochanchadas na época do regime
militar. Para os amigos, Hartog confidenciava a surpresa pelos brasileiros até
então nunca terem feito um documentário sobre o poder da Globo.
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