quarta-feira, agosto 06, 2025

Demissões na Globo e a naturalização do 'modus operandi' do jornalismo de guerra



Muito já se escreveu sobre os males do jornalismo de guerra dos tempos do Mensalão e Lava Jato: destruição da Política, dissonância cognitiva, ascensão da extrema direita etc. Mas pouco se fala sobre os efeitos a médio prazo na prática profissional no campo jornalístico. Que só agora começamos a perceber com as ruidosas demissões de nomes notórios como Rodrigo Bocardi e Daniela Lima, ambos da Globo. Jornalistas que poderíamos considerar integrantes da “Geração Z” do Jornalismo – jornalistas profissionalmente nativos nos tempos do jornalismo de guerra. Cujo modus operandi era o jornalismo declaratório, o “colonismo” e suas relações promíscuas com as fontes e informantes de pauta. Que acabou se normalizando nessa nova geração. Ao ponto de jornalistas exporem esse  de forma autoindulgente e autoelogiosa, como em alguns episódios que envolveram Daniela Lima. E, involuntariamente, colocando em xeque a mitologia publicitária do jornalismo profissional: jornalistas que corajosamente apurariam e investigariam a notícia para o distinto público.

“Como parte do movimento permanente de renovação do quadro do canal, Eliane Cantanhêde, Daniela Lima e Mauro Paulino não integram mais o time da GloboNews”.

Assim se pronunciou o canal noticioso fechado Globo News, que se prepara para celebrar 30 anos em 2026... e, aparentemente, se prepara com demissões para “renovação”. Mesmo que a jornalista Daniela Lima e o sociólogo, ex-Data Folha, Mauro Paulino, estivessem no canal a pouco mais de três anos.

Segundo consta, a demissão mais surpreendente foi de Daniela Lima: A saída da jornalista foi comunicada à equipe pouco antes do início do programa, nessa segunda-feira (4). Segundo a TV Pop, muitos acharam que era alguma brincadeira. Até ser confirmada pela direção – a imagem de Daniela Lima nem mais constava na vinheta de abertura do programa matinal “Conexão”, que foi ao ar sem sequer a imagem das outras apresentadoras: Leilane Neubarth e Camila Bomfim.

Que estoicamente apresentaram o noticioso naquela manhã como se nada estivesse acontecendo.



Depois de quinze anos na emissora, Eliane Catanhêde já era uma carta marcada. Não tanto pelos anos de comentários lavajatistas e por fazer questão de repercutir a agenda da “massa cheirosa” dos finados tucanos do PSDB. Mas por ter cruzado uma linha delimitada pelos patrocinadores do sionismo da Faria Lima: colocar em xeque a versão midiática de Israel sobre o genocídio na Faixa de Gaza.

No programa noturno Em Pauta questionou a assimetria entre os mortos dos bombardeios em Gaza e o pequeno número de fatalidades nos ataques dos mísseis iranianos sobre Israel.

Foi o suficiente para um vexatório pedido de desculpas, ao vivo, pressionada pela Federação Israelita. Além de um espaço de quase meia hora, no dia seguinte, cedido um porta-voz do Exército israelense desfiar sua versão bíblico-militar. Sem interrupção! Como se a emissora fosse punida arrastando-se de joelhos no milho...

Parece que não foi o suficiente: o sionismo adora fazer “baixas”... E Catanhêde foi protocolarmente desligada. Apesar da longa lista de serviços prestados nos tempos do jornalismo de guerra.

Porém, as demissões de Daniela Lima e, acrescentaria, a de Mauro Paulino, geraram uma espiral interpretativa.

Uma primeira interpretação fala de brigas com colegas e “desrespeito”. A relação de Daniela com outros colegas também foi motivo de ruído. Em abril de 2024, ela foi confrontada ao vivo por Leilane Neubarth e Fernando Gabeira, em um momento de tensão no “Conexão” - foi acossada pelos colegas enquanto discutiam o afastamento de juízes envolvidos em irregularidades na Operação Lava Jato.

Durante o “debate”, Daniela citou Thompson Flores, um dos desembargadores afastados, destacando sua decisão anterior que afetou a prisão de Lula, o que gerou revolta dos colegas. Irônica, Daniela se referiu a seu interlocutor como “Gabeirinha”... O que fez Gabeira sair da sua costumeira letargia...

Outra interpretação dá conta de um suposto realinhamento editorial da Globo, com a proximidade da prisão, de fato, do ex-presidente Bolsonaro – nesse momento, em prisão domiciliar. Mas podendo chegar à em regime fechado com a sentença final do julgamento no STF sobre os atos golpista do 08/01.

Com a proximidade das eleições, a linha da “defesa da Democracia” seria substituída pela guerra semiótica contra o governo Lula e o apoio a um possível nome de “terceira via” – sabemos que a despolarização política é uma exigência aberta da Faria Lima. Isto é, a necessidade de impor um capitalismo de choque pelo discurso “técnico”, e não mais pela polarização “político-ideológica”.

Realinhamento que teria começado com a contratação do “Coppola” da Globo, o economista “colonistas” Joel Pinheiro da Fonseca – agora a Globo News tem um “Coppola” para chamar de seu...



A “Geração Z” e o Jornalismo

Mas este humilde blogueiro acredita que essas interpretações são óbvias e clichês – mesmo na suposta “defesa da Democracia”, o canal nunca verdadeiramente fez uma cobertura isenta do Governo. Atrelou a figura de Lula ao ardil semiótico do Nem-Nem: criar uma equivalência de “extremismos” de esquerda e direita – sobre isso clique aqui.

A questão é que desde os tempos do jornalismo de guerra (Mensalão e Lava Jato), o modus operandi desse tipo de jornalismo (o jornalismo declaratório, o “colonismo” e suas relações promíscuas com as fontes e informantes de pauta) acabou se naturalizando.

Para essa espécie de Geração Z do jornalismo (além de nativos digitais, também nativos do jornalismo de guerra) esse novo modus operandi tornou-se tão natural que passou, algumas vezes acidentalmente, a ser assumida de forma despudorada e desavergonhada.

Se em décadas passadas essas estratégias bélicas jornalísticas eram ocultadas sob pena de, se expostas, causarem danos políticos e morais no campo jornalístico, o mesmo não acontece com essa Geração Z de jornalistas.

Esse modus operandi passou a ser até motivo de orgulho e ostentação!

E a sempre espontânea e “sincericida” Daniela Lima é um típico exemplo.

Principalmente porque sua geração está constantemente colocando em risco o mito do jornalismo objetivo, profissional e imparcial. Mas não tanto em relação à noção comum de objetividade – em si mesma outro mito, porque todo jornalismo é uma construção da realidade por um viés classista ou ideológico.

O problema é quando a Geração Z do jornalismo simplesmente manda às favas os fundamentos ontológicos e epistemológicos nos quais a prática do jornalismo foi construída.

a) ontológicos: a certeza de que na sociedade a realidade é ocultada pela má-fé (a mentira), pela ilusão (o véu do autoengano dos álibis e racionalizações) e a ideologia (a instrumentalização política da má-fé e da ilusão).

b) epistemológicos: a construção da teoria do jornalismo assentada na reportagem e investigação como ferramentas para retirar o véu da má-fé, ilusão e ideologia que oculta deliberada ou involuntariamente a notícia.

Fundamentos que acabaram se tornando uma mitologia publicitária, quando insistentemente jornalistas repetem que “apuram” as notícias. Quando, na verdade, repercutem declarações seletivamente vazadas para “colonistas” repercutirem. Dizendo que a “notícia” foi resultado de uma “apuração” trabalhosa.

Como, por exemplo, o conhecido “jornalismo Engov”, repleto de declarações sobre impressões sobre “desconfortos”, “mal-estar”, “incômodos” etc.

Daniela Lima tinha momentos involuntariamente sincericidas em que, com a maior naturalidade (quase como fosse pura diversão infantil) revelava essa relação promíscua com as fontes.

Como no programa Central da Política, em que protagonizou um momento constrangedor em junho. Deslumbrada, ela conta uma fofoca para a apresentadora Natuza Nery:

Vou ler aqui a mensagem que eu troquei com um integrante do Supremo... Eu escrevi… Ai, gente, desculpa… Dez e meia da manhã. “A Zambelli fugiu, ministro”, relata Daniela, aos risos.

— Você que informou, acrescenta Natuza.

— Aí, às onze e vinte e cinco, o ministro responde: “Pois é, mas se tivesse preventiva, iam dizer que é ditadura.” Aí eu falei: “É, mas isso ela está dizendo de todo jeito, a deputada, né?” Ele respondeu: “Se eu fosse relator, estava todo mundo preso. Mas Alexandre está muito emparedado pelos isentos da mídia, do mercado e do Congresso. Apanha demais.

Em outro episódio, ao vivo, a jornalista falava em um documento “que bateu em mim” e que teria repercutido nos bastidores do STF.



Internamente, especula-se que a jornalista foi dispensada por conta de um comportamento inadequado diante dos “princípios editoriais” impostos pelo conglomerado aos seus apresentadores. Em um dos trechos do código de conduta da Globo, a emissora salienta que seus profissionais “não devem escancarar ter proximidade com fontes, tampouco demonstrar ter uma relação de amizade com elas”.

Mas a apresentadora constantemente escancarava ao vivo no canal de notícias que tinha uma relação amistosa com políticos e ministros, especialmente do Supremo Tribunal Federal.

Na verdade, o “Código de Conduta” exige que não escancare o modus operandi do jornalismo de guerra – o pequeno segredo do jornalismo corporativo. Para manter aquela mitologia ontológica e epistemológico, base do jornalismo que acabou se tornando uma autodescrição indulgente e publicitária – nós “apuramos a notícia”.

O problema é que para esta geração tudo está tão normalizado que parece ser a própria essência da prática jornalística profissional: servir de correia de transmissão para balões de ensaio, pseudo-eventos, factoides etc.

Qual o mérito? O febril investimento do repórter nas relações interpessoais (nas “networks”) para aparentar, a autoridade e políticos, deter poder midiático em ser um eficiente e confiável canal de vazamentos. Ou de permuta entre pequenos favores: conquista de espaço na mídia em troca de prestígio com futuras fontes ou informantes de pauta.



Ao que também se especula, outra demissão de repercussão (a do jornalista Rodrigo Bocardi) teria acontecido também por infração ao “Código de Conduta”: permutava pautas positivas para prefeituras da Grande São Paulo em troca de prestígio e livre acesso a fontes.

Linguiças Aurora e o pesquisismo

E quanto ao sociólogo Mauro Paulino, a coisa é mais simples e direta.

Situação muito parecida com a saída do ex-jogador de futebol Casagrande do jornalismo esportivo da emissora. Na verdade, o ex-jogador pulou fora de um tipo de jornalismo progressivamente dominado pelo merchandising das linguiças Aurora em material editorial e o domínio de influencers na cobertura esportiva.

Com a proximidade do ano eleitoral de 2026, a grande mídia foi tomada pela onda de pesquisismo – pesquisas de opinião inúteis, feitas no atacado, partindo do princípio de que as pessoas têm a opinião formada sobre qualquer coisa – sobre esse conceito de pesquisismo clique aqui.

Até sobre o que acham sobre o tarifaço de Trump. Claro que o objetivo é arrumar pretexto para o “colonismo” jorrar análises em cima de “vazamentos”.

Por uma questão metodológica, Mauro Paulino não tinha lugar nessa onda preparatória da engenharia de opinião para 2026.

De qualquer forma, a Globo News já conta com a disponibilidade total do jovem diretor da Quaest, Felipe Nunes, disposto a interpretar números e curvas de gráficos sobre qualquer assunto.

Parece que os merchans da linguiça Aurora também estão invadindo a cobertura política...

 

 

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