quinta-feira, março 08, 2012
"A Dialética Negativa": Theodor Adorno Gnóstico (atualizado)
quinta-feira, março 08, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Ao ler dois tópicos do livro “Dialética Negativa” de Theodor
Adorno ("Experiência Metafísica e Felicidade"e "Niilismo")
encontramos uma crítica à religiosidade vulgar, aquela que iguala o impulso por
transcendência à busca do chamado "sentido para a vida". Para Adorno,
se manifestamos a dúvida se a vida poderia ser dotada de sentido é porque a
existência não tem sentido mesmo: através dessa “via negativa” ele identifica
nessa religiosidade vulgar um movimento que apenas reforça a Totalidade que
cria em nós o mal estar e o desespero que nos faz em vão buscar um sentido para
a dor. Mas Adorno surpreendentemente busca uma alternativa de libertação: o
niilismo gnóstico e elege Marcel Proust como o exemplo para o seu projeto da "Dialética Negativa".
"O
Todo é a Verdade" (Hegel)
"O Todo é o Falso" (Adorno)
Considerada a obra de maior envergadura do filósofo e expoente da chamada
Escola de Frankfurt, Theodor Adorno, “A Dialética Negativa” (1966) é não
somente um acerto de contas com o hegelianismo no último livro da sua vida. É
também uma supreendente busca de esperança de saída após obras apocalíticas
como “A Dialética do Esclarecimento” e todos os estudos em torno do conceito de
Indústria Cultural que apontavam para cenários monolíticos de dominação do
Capitalismo Tardio.
Através da “via negativa” Adorno vai buscar a alternativa na “metafísica
em queda”, ou seja, ao invés de buscar a transcendência no Absoluto, ele vai encontrar
a Verdade no particular, no precário, no singular, na experiência
irreprodutível. Isto é, em tudo aquilo que a filosofia Ocidental liquidou em
nome das abstrações (Logos, Deus, Mercadoria e Capital) e dos conceitos.
sábado, março 03, 2012
As Feridas da Civilização do Automóvel no Filme "Crash - Estranhos Prazeres"
sábado, março 03, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Ao mostrar pessoas que constroem uma estreita relação entre acidentes automobilísticos,
prazer sexual e morte o filme “Crash –
Estranhos Prazeres” (Crash, 1996) do cineasta David Cronenberg torna-se
perturbador não somente por explorar os limites entre a pornografia e a
violência. O que há de inquietante nesse filme é a possibilidade de estarmos não
apenas diante de perversões e obsessões de personagens perdidos em um submundo,
mas diante do fato de que a tecnologia atual torna-se um atraente fetiche e
objeto de fantasias de fusão entre metal e carne, despertando forças do
inconsciente que estavam adormecidas.
Desde a Revolução Industrial e a invenção de máquinas cada
vez mais poderosas e fascinantes, críticos, teóricos, artistas plásticos e
cineastas têm explorado os efeitos das tecnologias. Fundador do movimento
futurista, Marinetti defendia os efeitos da tecnologia: velocidade, mudança,
limpeza e purificação. Os surrealistas foram rápidos em explorar as conexões
entre tecnologia e desejo. Buñuel em seu escandaloso filme “Um Cão Andaluz” (Un
Chien Andalou, 1929) retrata um homem sexualmente excitado pela visão de uma
jovem mulher atropelada por um automóvel em alta velocidade.
Três décadas antes, Emile Zola fazia uma conexão similar no livro “A
Besta Humana” onde escrevia: “Ela adorava acidentes: qualquer menção de um
animal atropelado, um homem cortado em pedaços por um trem, obrigava-a a correr
para o local”.
Épicos envolvendo desastres produzidos por máquinas fascinaram
o cinema desde o início: “Titanic” (versões 1953 e 1997), “Inferno na Torre”
(1994), Aeroporto (1970), sem falar os filmes sci fi que exploram as relações
entre homem e robô (“Metrópolis”- 1927), homem e ciborgue (“Exterminador do
Futuro”, 1984), carne e metal (“Tetsuo, The Iron Man”, 1989) e o amor entre
homem e uma replicante (“Blade Runner”, 1982)
Baseado no livro homônimo de J.G. Ballard, o filme “Crash –
Estranhos prazeres” do diretor canadense David Cronenberg vai associar-se a
esse rico patrimônio, porém de uma forma radicalmente diferente ao erotizar os
dois principais fundamentos da modernidade: a tecnologia e o acidente. Se o
pesquisador francês Paul Virilio estiver correto, esses dois fundamentos
estruturam a experiência da modernidade: “toda tecnologia que é inventada, toda
nova energia que é aproveitada, todo novo produto que é fabricado, também
inventa uma nova negatividade, um novo tipo de acidente” (Veja VIRILIO, Paul. “Velocidade
e Informação - Cyberspace Alarm!”)
quarta-feira, fevereiro 29, 2012
Em "Mais Estranho Que a Ficção" Deus é um Mau Escritor
quarta-feira, fevereiro 29, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Mais Estranho que a Ficção (Stranger
Than Fiction, 2006) propõe uma interessante ironia: e se nossas vidas
não passarem de plots de uma narrativa literária? Tramas da obra de um mal
escritor, uma divindade, um "Deus Ex-Machina" (termo para
designar soluções arbitrárias, sem nexo ou plausibilidade na narrativa, para
solucionar becos sem saída encontrados em roteiros mal conduzidos). É o
velho tema da batalha do ser humano contra um Demiurgo que quer impor uma
narrativa fatalista e luta pelo despertar do livre-arbítrio dentro do
reino da fatalidade. Um irônico paralelo entre Teologia e Literatura: Deus é uma má escritora que tenta matar o protagonista da sua obra.
Harold Crick (Will Ferrell) é um auditor da Receita Federal que leva uma
vida solitária e rígida, governada por números (ele sempre conta o número de
vezes que escova os dentes verticalmente e horizontalmente), pelo seu relógio
de pulso e pela rotina. Seu apartamento é impessoal como um quarto de hotel,
sem objetos pessoais, fotografias, memórias ou desordem.
Mas, em uma manhã, Harold começa a ouvir uma voz narrando suas ações:
“um modesto elemento da sua vida considerada normal poderá ser o catalisador para
uma nova vida”, diz a estranha voz vinda aparentemente do céu. Imerso num
cotidiano de números e cálculos, pela primeira vez cria uma nível meta (ou
consciência de transcendência espiritual?) na sua vida: quem é esse narrador
onisciente? De que plano provém? Harold passa a ser perseguido por essa voz em
off, até descobrir seu propósito: narrar a iminente morte de Harold.
sábado, fevereiro 25, 2012
Uma Jornada Espiritual Vira Pesadelo no Filme "Beyond The Black Rainbow"
sábado, fevereiro 25, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Uma das mais estranhas
sci fi dos últimos tempos, o filme canadense “Beyond The Black Rainbow” (2010) do
estreante Panos Cosmatos explora dois paradoxos: primeiro de ser uma ficção
científica que não é ambientada nem no futuro ou passado, mas em uma espécie de
“futuro do passado” envolta em uma atmosfera kubrickiana de “2001” e nos
mistérios metafísicos dos filmes do russo de Tarkovsky; e segundo ao mostrar
como uma jornada espiritual pode se converter em um pesadelo autoritário. Com
isso Cosmatos faz um acerto de contas com a chamada geração “baby boomer” que
teria fracassado em buscar a espiritualidade em “ocultas e sombrias regiões”.
“Ela abriu estranhas
portas que nunca mais se fecharam”
(David Bowie, “Scary
Monsters” - 1980)
Lançado em 2010 “Beyond The Black Rainbow” (passou por
alguns festivais na Europa e no ano passado teve sua premier no Tribeca Film
Festival nos EUA) é um sci fi paradoxal: retro e ao mesmo tempo futurista, uma
espécie de “futuro do passado”. Grande parte da narrativa se passa em um “futurista”
ano de 1983 e em uma estranha e opressiva clínica onde um estranho homem
realiza estranhas experiências com uma garota.
A narrativa procura desvendar os mistérios do Instituto
Arboria onde uma bela jovem chamada Elena (Eva Allan) com poderes psíquicos é
mantida prisioneira por um cientista chamado Barry Nyle (Michael Rogers)
envolvido em uma complexa experiência psicológica. Nyle tem um objetivo
místico-espiritual: a busca da “paz interior” por meio de uma delirante e
alucinógena jornada em estilo LSD controlada por uma sinistra tecnologia à base
de drogas.
O filme é a estreia do diretor e roteirista Panos Cosmatos
(filho de George P. Cosmatos, diretor de filmes na década de 1980 como “Rambo:
First Blood”, “Stallone Cobra” e “Tombstone”), onde cuidadosamente reproduz a atmosfera
futurista de Kubrick em “2001” com salas e corredores sinistramente brancos e
assépticos, o design clean e geométrico de clássicos futuristas como “THX 1138”
e referência aos enigmas metafísicos dos filmes sci fi do russo Tarkovsky
(“Solaris” e “Stalker”). Isso sem falar nas referências do lado terror do
filme: Cronenberg, Argento e John Carpenter.
segunda-feira, fevereiro 20, 2012
As Nuvens Atônitas: Temas Gnósticos no Cinema Popular
segunda-feira, fevereiro 20, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
As sequências em "bullet time" do filme "Matrix" ("The Matrix", 1999) teriam se inspirado em trechos dos Evangelhos Apócrifos Gnósticos do início da Era Cristã? As narrativas do cinema hollywoodiano atual parecem se estruturar em dois mitos: o "monomito" da jornada do herói (Queda,Martírio, Morte e Ressurreição) e o "insight" místico de que a realidade é uma ilusão.
Em
minhas pesquisas iniciais sobre Cinema e Gnosticismo no Mestrado, o texto “The
Clouds Astonished – Gnostic Themes in Popular Cinema” (As Nuvens Atônitas –
Temas Gnósticos no Cinema Popular) foi um dos primeiros subsídios encontrados
na Internet. O problema é que o texto parece ser apócrifo, apenas assinado por
iniciais ou pseudônimo. Há tempos esse texto circula por fóruns de discussão
sobre cinema, sem se saber exatamente a fonte.
A
despeito da sua natureza não-científica, o texto oferece um interessante
paralelismo entre as visões criadas em trechos dos evangelhos apócrifos
gnósticos e sequências de filmes, como no filme “Matrix”: os efeitos em “bullet
time” e o congelamento de ações e objetos enquanto a câmera gira comparado com
a imagem descrita no Evangelho “Atos de João” que descreve o momento do
nascimento de Cristo onde as “nuvens ficaram atônitas” e os “pássaros pararam”
em pleno voo.
Além
disso, o texto sugere uma estrutura mítica a partir da qual os filmes gnósticos
são construídos: em primeiro lugar esses filmes partilhariam de um “monomito”
comum a todos os filmes, a narrativa do “herói de mil faces” tal como descrita
pelo historiador e mitólogo Joseph Campel (veja CAMPBEL, Joseph. “O Herói de
Mil Faces”, Pensamento, 1995) – o drama da jornada de queda, martírio, morte e
ressurreição do herói. Sobre essa narrativa comum o filme gnóstico construiria
outra narrativa arquetípica: o súbito “insight” do herói de que a realidade
seria uma ilusão.
O
texto ainda lança uma hipótese para o súbito aparecimento de temas míticos
gnósticos no cinema popular contemporâneo: esses filmes expressariam uma nova
sensibilidade a partir do surgimento das interfaces virtuais e os efeitos com
imagens geradas em computador: o crescimento dessas tecnologias no horizonte
cultural que sugere uma noção plástica da realidade, como uma estrutura
ilusória que poderia ser construída e manipulada.
Confira
abaixo esse texto:
quinta-feira, fevereiro 16, 2012
O Sono da Ciência no filme "Ladrão de Sonhos"
quinta-feira, fevereiro 16, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
“Ladrão de Sonhos” (La Cité dês Enfants Perdus, 1995) é um dos poucos filmes a representar o cientista longe dos clichês do “louco” ou do “diabólico”, condenado à punição por tentar se equiparar a Deus. A dupla de diretores Marc Caro e Jean-Pierre Jeunet ("O Fabuloso Destino de Amelie Poulain", 2001) cria uma estranha comédia de humor negro onde o cientista é retratado como um Demiurgo: através de uma Ciência prometéica, cria um cosmos corrompido onde o sono não tem sonhos. Por isso, ele terá que raptar crianças para extrair delas as imagens dos sonhos e trazer algum élan para um mundo sem vida.
Na história do cinema há uma longa tradição em representar “cientistas” (sábios, gênios, magos, alquimistas, mágicos ou o cientista propriamente dito) como personagens enlouquecidos, estranhos, sociopatas, manipuladores ou simplesmente amorais e anti-éticos. De qualquer forma, todos eles são punidos ou por ultrapassarem os limites estabelecidos pela moral da civilização ou por tentarem se equiparar a Deus. Exemplos não faltam através dos mais diversos gêneros: “Frankenstein”(1931), “O Cérebro Que Não Queria Morrer” (The Brain That Wouldn’t Die, 1962), “O Parque dos Dinossauros (Jurassic Park, 1993), “A Ilha do Dr. Moreau” (The Island of Dr. Moreau, 1996) etc.
Mas poucos filmes apresentam estes personagens como “Demiurgo” (para Platão era aquele que modela a matéria caótica e para o Gnosticismo o criador do Mundo Inferior onde o homem está aprisionado ), isto é, não mais como personagens puníveis moralmente por tentarem se equiparar a Deus, mas como artífices que fracassam pela presença do Mal nas suas criações.
Essa elaboração do personagem do cientista no cinema como um Demiurgo tem suas origens em narrativas míticas das escrituras gnósticas: o Demiurgo como uma forma híbrida de consciência emanada dos planos superiores, criadora do cosmos como uma cópia imperfeita de Planos Superiores e essencialmente corrompida. Inebriado pelo Poder, julga ser a única divindade do Universo porque esqueceu as suas origens. Sabendo que o seu cosmos é uma criação física imperfeita, necessita da fagulha de Luz humana para pô-lo em funcionamento. Por isso, mantém a humanidade prisioneira através do sono.
Cristoff, o poderoso diretor de um gigantesco reality show que aprisiona o protagonista no filme “Show de Truman” (The Truman Show, 1998) é um exemplo de filme que apresenta uma experiência televisiva por uma perspectiva simbólica do Demiurgo.
O filme “Ladrão de Sonhos” (La Cité dês Enfants Perdus, 1995) da dupla Marc Caro e Jean-Pierre Jeunet (“O Fabuloso Destino de Amelie Poulain”, 2001) é um outro exemplo. Como veremos, o filme praticamente segue a descrição que fizemos acima sobre o personagem gnóstico do Demiurgo.
domingo, fevereiro 12, 2012
O Anti-nostálgico "A Vida em Preto e Branco"
domingo, fevereiro 12, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
As décadas de 70 e 80 foram marcadas pela nostalgia em filmes como "Star Wars" ou "De Volta Para o Futuro". Ao contrário, "A Vida em Preto e Branco" (Pleasantville, 1998) desmistifica a nostalgia em uma década onde ela não era mais necessária por motivos ideológicos para Hollywood. Em um intrigante roteiro metalinguístico (repleto de analogias religiosas e bíblicas), um seriado em preto e branco da década de 1950 vai se tornando colorido na medida em que os personagens descobrem a sexualidade e o acaso.
Todo filme é um documento histórico sobre o imaginário,
sensibilidade ou ideologia de uma determinada época, uma expressão cultural de
tendências e acontecimentos econômicos ou políticos que acabam criando uma
agenda de temas considerados como pertinentes para a opinião pública. E sabemos
que a indústria hollywoodiana é a principal produtora desses documentos, verdadeiros sintomas do espírito de cada
época.
Dessa maneira, na década de 1980 do governo Ronald Reagan
quando as políticas neoliberais estavam sendo implantadas a fórceps, era
necessária uma produção cultural que elevasse o orgulho e autoestima
nacionalistas feridos pelas derrotas militares no Vietnã e crise do petróleo da
década de 1970.
Vemos nesse momento um conjunto de filmes nostálgicos (“De
Volta Para o Futuro” ou “Peg Sue: Seu Passado a Espera” são exemplos) onde os
valores e cultura da década de 1950 são resgatados como as verdadeiras raízes
que foram dolorosamente perdidas; ou ainda os filmes de retro-fantasia (“Star
Wars” ou a trilogia “Indiana Jones”) que resgatavam aventuras esquemáticas dos
quadrinhos e seriados das décadas de 1940-50.
Na década de 1990 vimos o triunfo das políticas neoliberais
e a Globalização sob o impulso da financeirização e microinformática comandados
pelos EUA do presidente democrata Bill Clinton. “A Vida em Preto e Branco”
(Pleasantville, 1998), dirigido e escrito por Gary Ross, é talvez o filme
representativo dessa década. Embora a narrativa retrate os anos 90 como tempos marcados pela ameaça de catástrofes climáticas, AIDS, fome e crise de valores
éticos e morais, o filme é anti-nostálgico. Não havia naquele momento qualquer
necessidade por nostalgia já que a Globalização e a revolução digital eram
discursos messiânicos que prometiam o melhor dos futuros.
quarta-feira, fevereiro 08, 2012
Uma Mercadoria Chamada Cometa Halley
quarta-feira, fevereiro 08, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Vinte e seis anos depois do último grande fenômeno astronômico (a passagem do cometa Halley pela imediações da Terra cercado mensagens "new age" de paz, boas novas e otimismo), agora as notícias sobre a suposta visita de um misterioso corpo celeste com diversos nomes para as mais variadas crenças (Nibiru, Planeta X, Hercólobus, Marduk, planeta “Chupão” etc.) vem acompanhado de previsões apocalípticas. Por que essa mudança de sensibillidade e simbolismos em relação a fenômenos celestes? Talvez a resposta esteja na mercantilização dos fenômenos celestes pela indústria do entretenimento.
Após o último post sobre o filme “Another Earth” (veja links abaixo), lembrei-me de um artigo de minha autoria de priscas eras, do tempo em que era repórter de Economia no
Jornal “A Tribuna de Santos”, lá pelos idos de 1986.
Apesar de trabalhar na época em uma
editoria de assuntos tão áridos, meu verdadeiro interesse era mesmo pela área
cultural. Numa dessas puladas de cerca dos limites da editoria, consegui
emplacar um artigo no suplemento de cultura do jornal, um texto que refletia
sobre a histeria mercadológica que envolvia um fenômeno astronômico de
importância naquele ano: a passagem do cometa Halley que de tão próximo da
Terra seria visível a olho nu.
O que chamou a atenção naquele ano foi a onda de produtos e
mensagens das mais diversas áreas (desde Astrologia e Espiritualismo até Moda,
Turismo e HQs) que, em linhas gerais, associavam ao fenômeno astronômico prenúncios de
boas novas, otimismo, renovação e saúde para a espécie humana. O que tornou o
cometa Halley um fenômeno de “New Age” (movimento espiritual buscando
a fusão Oriente/Ocidente ao mesclar autoajuda, psicologia motivacional,
parapsicologia, esoterismo e física quântica).
Curioso, pois se em toda a História a passagem de corpos
celestes era interpretado como prenúncio de guerras, pestes e cataclismos (e na
última passagem do Halley em 1910 não foi diferente – chegou-se a falar que o
gás da calda do cometa envenenaria a atmosfera da Terra, criando um onda de
pânico), em 1986 o cometa se transfigurou em arauto de novas e promissoras
eras.
Mas por que 26 anos depois as notícias sobre a passagem de
um misterioso corpo celeste com diversas nomeações (Nibiru, Planeta X,
Hercólobus, Marduk, planeta “Chupão” etc.) é marcada por profecias apocalípticas?
Lendo aquele artigo de 1986 pode-se arriscar uma tese:
naquela época em que o movimento ecumênico da New Age crescia, o cometa Halley
foi investido de um simbolismo que ajudou a expandir a consciência da “Nova
Era” que seria um dos pilares ideológicos da Globalização pós-queda do Muro de
Berlin em 1989.
sábado, fevereiro 04, 2012
O Encontro Através de um Espelho Cósmico em "Another Earth"
sábado, fevereiro 04, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Nibiru, Planeta X, Calendário Maia, Hercólobus, Marduk, planeta “Chupão” etc. Em uma época de filmes que vão na esteira dessa onda dos mais variados cenários apocalípticos para esse ano, o premiado filme independente "Another Earth" (2011) é um contraponto e ao mesmo tempo um sopro de renovação dentro do gênero sci fi: a proximidade de um estranho corpo celeste na órbita da Terra não promete catástrofes que representem punições morais e nem universos paralelos onde encontraremos mundos alternativos. O mergulho no cosmos não significa encontrar novos mundos ou civilizações, mas um problemático encontro com nós mesmos através de um espelho.
Nibiru, Planeta X, Calendário Maia, Hercólobus, Marduk,
planeta “Chupão” etc. Toda essa série de profecias do fim do mundo tem muito
mais a dizer sobre o sintoma da sensibilidade coletiva atual do que sobre um
fato astronômico concreto. O filme independente “Another Earth” (conquistou
dois prêmios no festival de Sundance), ao lado do “Melancolia” de Lars Von
Trier, é o que mais expressa esse significado por trás dessa onda de apocalipses
previstos para esse ano.
Há uma característica comum na série de filmes-catástrofe
sobre o fim do mundo que nos vem preparando para o apocalipse final (“2012”, “Armagedon”,
“O Dia Depois de Amanhã”, “Impacto Profundo”, “Presságio” etc.): todos eles
recorrem ao recurso metonímico de deslocar o foco das catástrofes para um drama
pessoal familiar ou afetivo para arrancar identificação do espectador. Mostrar
cataclismas em escala global não tem graça se deixar de mostrar também
protagonistas que tentam juntar os cacos emocionais e afetivos enquanto se
esforçam para salvar o planeta.
Mas o filme “Another Earth” não vai por esse roteiro clichê.
A proximidade de outro planeta da Terra não produz catástrofes, ameaças ou
desespero, mas mistérios, questionamentos científicos, metafísicos e íntimos.
quarta-feira, fevereiro 01, 2012
Chaplin: "Os Ricos Compram o Barulho"
quarta-feira, fevereiro 01, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Ao contar a história da transição do cinema mudo para o falado, ironicamente por meio da estética em preto e brancob e sem som, o filme "The Artist" (indicado ao Oscar de melhor filme) faz diversas referências ao mais famoso resistente à sonorização: Charlie Chaplin. Ele acreditava que tal inovação destruiria a "abstração cômica" forma que, segundo ele, universalizaria o cinema. Mas havia uma dimensão política por trás dessa resistência: atacado pelas elites culturais na década de 1920 pelo "baixo nível" dos seus filmes voltados para trabalhadores, imigrantes e desempregados via na sonorização o enquadramento político e moral decisivo dos cinema pelos grandes estúdios: "os ricos compram o barulho", denunciava.
Ao assistir ao filme "The Artist" (que concorrerá ao Oscar de Melhor Filme, Ator, Roteiro, entre outras indicações) não há como não deixar de lembrar de Charlie Chaplin pelas diversas referências que a narrativa faz, principalmente as sequências do protagonista empobrecido vagando pelas ruas com o fiel terrier Uggie o acompanhando. As referências a Chaplin são propositais já que, assim como ele, o protagonista George Valentim resiste o quanto pode à tecnologia da sonorização dos filmes. Mas se em "The Artist" a resistência de Valentim é por narcisismo e orgulho (quintessência do galã dos filmes mudos), na História real a resistência de Chaplin foi principalmente por motivos estéticos e políticos.
Isso ficou claro nas informações expostas ao público em uma mostra chamada "Chaplin e sua Imagem" no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, no ano passado. Com 200 fotografias, cartazes, documentos inéditos a Mostra apresentava a trajetória dos 54 anos de carreira do cineasta inglês Charlie Chaplin, desde os primeiros filmes pela Keystone de Nova York em 1914. Caminhando pelas quatro salas cedidas pelo Instituto para a Mostra, logo de cara fomos surpreendidos com a gênese do personagem Carlitos nos estúdios da Keystone: mais rude, agressivo e amargo, bem diferente da imagem do “adorável vagabundo”, idealista, romântico e nobre dos filmes da fase da United Artists (1919 a 1939).
No meio do trajeto, encontramos todo um painel dedicado ao filme “Luzes da Cidade”, um filme ainda mudo realizado quatro anos após o primeiro filme sonorizado da história (“The Jazz Singer”, 1927). Chaplin era um grande resistente à introdução do som no cinema e “Luzes da Cidade” foi uma resposta com uma produção de interessantes aperfeiçoamentos técnicos, tornando-o um dos dez melhores filmes na história do cinema para diretores como Orson Welles e Stanley Kubrick.
domingo, janeiro 29, 2012
Filme "The Man From Earth" Desconstrói a Religião e a Ciência
domingo, janeiro 29, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Um filme indispensável tanto para ateus, religiosos, gnósticos, agnósticos ou cientistas. O filme "The Man From Earth" é composto por uma narrativa de 90 minutos de puro ceticismo e desconstrução tanto da Religião quanto da Ciência. Um homem revela ter 14 mil anos de idade, mas tudo o que um grupo de cientistas e professores descobre é um ser com a mesma consciência de um homem comum que luta pela sobrevivência, sem qualquer lição metafísica ou teológica a oferecer.
quinta-feira, janeiro 26, 2012
Pink Floyd: A "Bad Trip" da Cultura Psicodélica
quinta-feira, janeiro 26, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Comparando os dois momentos da banda Pink Floyd representados pelo filme "Pink Floyd The Wall" de Alan Parker e o documentário “The Pink Floyd and Syd Barrett Story” é flagrante o contraste entre o imaginário pulsante, enérgico e desafiador das origens da banda na era psicodélica e a narrativa amarga e pessimista da trilogia final ("Animals", "The Wall" e "Final Cut"). A perda da dimensão épica do rock psicodélico, cujas armas eram o surrealismo e o “non sense”, derrotada pelo princípio de realidade: o indivíduo que, impotente, só lhe resta a vitimização, auto-indulgência e pena de si mesmo.
O filme “Pink Floyd The Wall” de Alan Parker está fazendo 30 anos. Embora o baixista e líder do Pink Floyd Roger Waters tenha ficado insatisfeito com essa adaptação cinematográfica do álbum duplo “The Wall” de 1979, o filme tornou-se um Cult, consenso de crítica entre os fãs da banda e críticos. A música “Another Brick in the Wall” virou um hino libertário e o solo de guitarra de Guilmour na lindamente triste “Confortably Numb” é até hoje arrepiante.
Mas depois de três décadas é necessário um olhar em
perspectiva tanto para o filme como para o álbum. Principalmente depois de se
assistir ao documentário inglês “The Pink Floyd and Syd Barrett Story” (2003),
onde é contada a história de Syd Barrett, membro fundador da banda e
protagonista indiscutível da cultura psicodélica. É interessante compreender as
origens do Pink Floyd dentro do experimentalismo underground da cultura
psicodélica na década de 1960 e como se tornou como banda de frente do rock
progressivo e rotulado como “dinossauro” pela emergente cultura punk/new wave
à época do lançamento tanto do álbum quanto do filme de Allan Parker.
sexta-feira, janeiro 20, 2012
Deus Está Morto no Filme "Zardoz"
sexta-feira, janeiro 20, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
“Esquisito”, “pretensioso”, incompreensível”, “kitsch”.
Mesmo após 38 anos muitos que assistem ao clássico de ficção científica “Zardoz” (1974) ainda têm algumas dessas
opiniões. Mais ainda, muitos não conseguem compreender o tom da narrativa: será
uma sátira, um drama, uma tragicomédia? Um filme estranho por apontar para um
novo modelo de ficção científica para a época, não mais utópico ou distópico, mas “hipo-utópico”:
chegamos ao futuro e ele não mais existe. Uma elite encontra a imortalidade e descobre
que Deus é um artifício: uma cabeça de pedra voadora que comanda o extermínio
de humanos para extirpar o mal da face da Terra.
O filme dirigido por John Boorman ("O Exorcista II-O Herege" e "Excalibur") é marcado por duas imagens
bizarras: uma gigantesca cabeça de pedra voadora que diz ser o deus Zardoz e Sean Connery (à época com 43 anos) fazendo um personagem brutal, trajando uma
espécie de tanga vermelha, um par de botas até os joelhos, com uma arma na mão
e uma longa cabeleira com trança, ou seja, o oposto da imagem sofisticada e
sexy que o imortalizou como James Bond nos anos 60.
Após ver o fracasso do projeto de uma adaptação cinematográfica
do livro de J.R.R. Tolkien “O Senhor dos Anéis”, John Boorman escreveu o
roteiro de “Zardoz” carregado de simbologia mística e esotérica e com uma ácida
crítica ao papel da religião como forma de dominação. Com um orçamento
baixíssimo e roteiro repleto de sequências e ideias surreais, o resultado foi
uma direção de arte que chega ao mal-gosto e até roupas de extras tingidas para
reaproveitar os figurinos.
Para compreendermos o porquê da estranheza que "Zardoz" provoca até hoje, temos que inserir o filme dentro de um especial tipo de
subgênero sci fi pós-moderno: o que
poderíamos chamar de “hipo-utopia”, para distinguir de termos como distopia e da
própria utopia.
segunda-feira, janeiro 16, 2012
Uma Semiótica do Poder das Imagens
segunda-feira, janeiro 16, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Uma imagem vale mais que mil palavras. Essa frase atribuída
a Confúcio resume a natureza do mais potente aparato de transmissão: a imagem.
Se Confúcio referia-se ao poder dos ideogramas , forma de comunicação simbólica onde duas ou mais imagens são fundidas
em um conceito, no Ocidente a imagem viveu uma verdadeira saga a partir das
origens rituais até ser convertida em feitiço ou fetiche - da religião à moderna Publicidade e Propaganda.
A genesis das imagens está nos rituais de morte e
fertilidade, vida e renascimento. A imagem como manifestação do invisível, a
representação de quem morreu para imortalizá-lo. Uma constelação de palavras
gravita em torno do conceito de imagem, todas elas derivadas dessas origens:
simulacrum (o espectro, fantasma), Imago (a máscara de cera, reprodução do
rosto do defunto), eidolon (ídolo, a alma do defunto que sai do cadáver, de
natureza tênue e, por isso, ainda corpórea, espectro). Todas essas ideias vão
se aglutinar depois no conceito de retrato, imagem.
Sendo ela simultaneamente uma vitória sobre a morte e
perpetuação pública de um ser ativo e radiante, a imagem abre as portas para a
divinização: para o homem do Ocidente é a sua melhor parte, seu eu imunizado e
posto em lugar seguro. A glória do herói grego, a apoteose do imperador romano
e a santidade do papa cristão representados por imagens (estátuas, moedas e
vitrais) ao longo da História atestam esse poder de transmissão não só da
divindade ou imortalidade, mas, também, da crença e do Poder.
Se pretendemos fazer uma semiótica não da imagem em si (já
farta na bibliografia da área), mas do seu poder na transmissão de crenças,
temos que analisá-la em um duplo aspecto: o religioso e o semiótico, isto é,
entender como a exploração religiosa vai fazer o ícone regredir para as formas
mais míticas e mágicas da imagem ao explorá-la como propaganda. Indo além,
entender como as modernas formas de Propaganda como a Publicidade são novas
versões do princípio religioso da exploração das imagens.
sexta-feira, janeiro 13, 2012
Em "Dead Set" o Reality Show Ri de Si Mesmo
sexta-feira, janeiro 13, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O gênero “reality show” já consegue rir de si mesmo? É o que parece quando descobrimos que a produtora holandesa Endemol, cujo maior produto é o “reality show”, produziu a série da TV inglesa chamada “Dead Set” (2008) onde uma epidemia transforma o mundo em zumbis... menos os participantes e a produção de um Big Brother que nada sabem o que está acontecendo fora dos muros da emissora. Combinando extrema violência, ironia e humor negro, a série faz referências às principais críticas e indignações contra o gênero. Se a Endemol consegue rir de si mesma é porque por trás há duas estratégias bem definidas: “Agenda Setting” e “tolerância repressiva”.
quarta-feira, janeiro 11, 2012
O Mito do Vampiro Chega à Maturidade no filme "Deixe Ela Entrar"
quarta-feira, janeiro 11, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Esqueça filmes como “Crepúsculo” onde vampiros com “sex appeal” seduzem adolescentes. Aclamadíssimo em Festivais de cinema Fantástico, o filme sueco “Deixe Ela Entrar” (Let The Right One In, 2008) igualmente narra uma estória de amor impossível entre adolescentes, mas rompe com os principais cânones do gênero ao apresentar o vampiro não mais como encarnação, mas como representação do Mal: o vampiro abandona a adolescência dos “shopping centers” para ingressar na rotina da adolescência repleta de ambiguidades, indecisões e desejos de vingança.
segunda-feira, janeiro 09, 2012
Gnosticismo é o "Jazz" das Religiões
segunda-feira, janeiro 09, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Certa vez Louis Armstrong disse a um jornalista: "Cara, se você for perguntar o que é o Jazz, então nunca saberá". Algo semelhante ocorre com termos como "Gnosticismo" ou "Gnose" na história das religiões: devem ser mais experimentados do que compreendidos. Pelas suas próprias origens sincréticas (uma fusão de platonismo, neo-platonismo, estoicismo, budismo, antigas religiões semíticas e cristianismo), o Gnosticismo poderia ser facilmente comparado ao Jazz que, pelas suas origens, também foi resultante de intensas misturas e adaptações.
O que é Gnosticismo?
Seja pelo ponto de vista histórico (conjunto de seitas sincréticas de religiões
iniciatórias e escolas de conhecimento nos primeiros séculos da era cristã) ou
pelo ponto de vista dos renascimentos na era moderna (grupos e, por analogia, a
todos os movimentos que se baseiam no conhecimento secreto da “gnose”) são definições
que podem levar à generalização e confusão.
Mesmo com a
descoberta, em 1945, de textos gnósticos do século IV em Nag Hammadi (Egito),
muitos concordam que o tema ainda continua com muitos pontos dúbios.
Hoeller e Conner
preferem abordar o Gnosticismo como uma “atitude da mente” ou uma “predisposição
ideológica” que surge em ambientes de grande agitação artística e cultural. “Se
você é um artista sério, já é meio gnóstico”, afirma Conner. Nessas condições,
o Gnosticismo está fadado a um novo renascimento.
Mas há um consenso: o Gnosticismo e seus derivados
esotéricos nunca fizeram parte da cultura sancionada pelas instituições. Desde
o triunfo do cristianismo ortodoxo após Constantino, a tradição gnóstica entrou
para o subterrâneo dos movimentos sociais. Bem sucedido em seus canais subterrâneos,
eventualmente ofereceu a pensadores revolucionários e artistas subsídios
importantes para críticas aos sistemas opressivos políticos, sociais ou
culturais.
É por esse caminho que Miguel Conner (escritor
norte-americano de sci fi e editor/apresentador do programa radiofônico "Aeon
Bytes Gnostic Radio" - programa de debates e
entrevistas semanais sobre temas do Gnosticismo, literatura e cultura pop)
vai focar o Gnosticismo ao compará-lo ao Jazz no campo musical. Impossível de
ser definido, o Jazz escapa a qualquer descrição ou análise mecanicista. Para
Conner, o Gnosticismo se enquadraria nessa mesma natureza. Pelas suas próprias origens sincréticas (uma fusão de platonismo, neo-platonismo, estoicismo, budismo, antigas religiões semíticas e cristianismo), o Gnosticismo poderia ser facilmente comparado ao Jazz que, pelas suas origens, também foi resultante de intensas misturas e adaptações.
sábado, janeiro 07, 2012
Filme "Margin Call" despolitiza Crise Financeira
sábado, janeiro 07, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
“Margin Call – O Dia
Antes do Fim” (Margin Call, 2011) é um filme de reação ideológica às graves
denúncias sobre as origens da crise financeira global de 2008 (cujos
desdobramentos ainda continuam) feitas por documentários como “Trabalho Interno” de
Charles Ferguson ou “Capitalismo: Uma História de Amor” de Michael Moore. “Margin
Call” despolitiza os fundamentos da crise ao se levar a sério como um “thriller”
matemático-financeiro. Embarca no hermetismo dos números para subliminarmente
provar ao espectador leigo que, no final, toda a turbulência econômica surgiu por
“erros de estimativa de volatilidade”
colocando entre parêntesis os fatores demasiadamente humanos: relações
promíscuas das elites financeiras com o Estado e a Política.
É bastante conhecido o papel ideológico que Hollywood sempre
desempenhou, desde os esforços patrióticos durante a Segunda Guerra Mundial até
a chamada “Política de Boa Vizinhança” durante o governo do presidente
Roosevelt quando foi incentivada a promoção de artistas latino-americanos ao
estrelato cinematográfico como tática de cooptação política.
O que impressiona atualmente é o “timing” da
contra-propaganda ideológica dos filmes hollywoodianos.
Depois da explosão da bolha imobiliária e dos empréstimos
hipotecários que arrastaram os mercados globais para a crise em 2008, assistimos
às denúncias expostas por documentários como Trabalho Interno (Inside Job,
2010). Premiado com o Oscar de melhor documentário, o diretor Charles Ferguson deu
os nomes de diretores, executivos e empresas (de seguros, bancos de
investimentos etc.) e descreveu a engenharia financeira irresponsável que
torrou dinheiro público e fez poucos ficarem milionários com a explosão da
“bolha” financeira. E, o que é mais grave, demonstrou que os artífices dessa
engenharia estiveram conscientes o tempo todo, ao jogar em dois lados: ao mesmo
tempo em que apostavam deliberadamente na inadimplência das hipotecas,
asseguravam aos seus clientes a “saúde” financeira dos papéis podres que
comercializavam.
Em seguida
Hollywood contra-ataca com duas produções ficcionais: uma que glamouriza a
produção de fortunas nos mercados finananceiros; e a outra que traduz as
origens da crise financeira global em um “erro de cálculo”.
A primeira reação
foi o filme “Sem Limites” (Limitless, 2011) onde toda a suspeita da engenharia financeira de Wall Street é
“naturalizada” ou “matematicizada” através da estória da descoberta do
algoritmo de sucesso que garante a fortuna e o sucesso. Se o documentário
“Trabalho Interno” denunciava que todas as fortunas do mercado financeiro
provinham de “bolhas” criadas por falcatruas possibilitadas pela
desregulamentação e relações promíscuas entre Estado e especuladores, em “Sem
Limites”, ao contrário, o sucesso provém de fórmulas matemáticas e a utilização
total do cérebro através de “smart drugs”.
A segunda reação é o recente filme “Margin Call – O Dia
Antes do Fim”. Se no filme “Sem Limites” temos a história do algoritmo de
sucesso inventado por uma mente esperta, em “Margin Call” temos a estória de
algoritmos que produzem “números que não se somam” reduzindo a explicação da
crise financeira global a um “erro de estimativa dos índices de volatilidade”.
quarta-feira, janeiro 04, 2012
Há Semelhanças entre Jesus Cristo e Harry Potter?
quarta-feira, janeiro 04, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O que há em comum entre a figura bíblica de Jesus Cristo e o blockbuster literário e cinematográfico Harry Potter? Segundo Derek Murphy no livro “Jesus Potter, Harry Christ”, mais coisas do que imaginamos. Para ele são “modelos literários” ou “composições de mitológicos e filosóficos símbolos de salvação". Se Henry Potter é a recorrência da narrativa mítica da agonia-morte-ressurreição do herói, Jesus Cristo estaria conectado com toda uma tradição antiquíssima de deuses encarnados destinados à morte e ressurreição.
segunda-feira, janeiro 02, 2012
O Diabo tem um plano em "Querida, Voy a Comprar Cigarrillos y Vuelvo"
segunda-feira, janeiro 02, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Ter uma segunda chance para voltar no tempo e redimir-se das decisões
erradas na vida. Uma velha estória sempre contada pelos filmes hollywoodianos
sob um viés moralista. Mas no filme argentino “Querida, Voy a Comprar Cigarrillos y Vuelvo”
(2011) o tema vai mais além ao acrescentar o elemento do Fantástico: um homem
medíocre e fracassado faz um pacto faustiano com o demônio na tentativa de,
através do conhecimento do futuro, manipular o Tempo, o Destino e enganar o
próprio demônio. Através de uma narrativa irônica e de humor cáustico, cria-se
um clima ambíguo onde é impossível julgar o anti-herói. Indicado pelo nosso leitor Fabio Hofnik, o blog conferiu o filme.
Certa vez ouvi de alguém:
“Passamos metade da vida tentando corrigir os erros que cometemos na outra
metade.” É possível termos uma segunda chance depois de tomarmos consciência
das decisões erradas do passado? E se tivermos essa chance, teremos a sabedoria
e o livre-arbítrio para não cair nos mesmos erros?
Uma estória contada
seguidas vezes pelo mainstream
hollywoodiano, sempre pelo otimista viés moralista e religioso que nunca coloca
em questão um aspecto: o homem realmente quer mudar? Ou será que a mediocridade
e o obscurantismo a qual a vida nos reserva pode impedir essa mudança?
A dupla de diretores argentinos
Mariano Cohn e Gastón Duprat vai mais além ao tratar um tema tão recorrente acrescentando
o elemento do Fantástico: a presença do Mal através da figura de uma espécie de
demônio e a vitimização humana diante de uma realidade que o condena à
mediocridade. De um lado um antigo mercador (Eusebio Poncela) que, no século
III no Marrocos, é atingido duas vezes seguida por um raio tornando-se um ser
imortal que vaga pelo mundo propondo tratos e fazendo trapaças temporais. Do
outro, Ernesto (Emilio Disi), um sessentão que passa os dias queixando-se das
oportunidades que teve e fracassou, casado com uma mulher que a todo momento
joga na cara o seu fracasso.
sábado, dezembro 31, 2011
Você Sabe que é Gnóstico quando...
sábado, dezembro 31, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Miguel Conner, escritor norte-americano de sci fi e editor/apresentador do programa radiofônico "Aeon Bytes Gnostic Radio" (programa de debates e entrevistas semanais sobre temas do Gnosticismo, literatura e cultura pop), elaborou uma lista de itens que caracterizam se você é gnóstico. Apesar do tom irônico e, às vezes, engraçado, dá para perceber a seriedade das teses do gnosticismo em cada item. Mais do que isso, demonstram que o Gnosticismo não é uma religião, doutrina ou filosofia plenamente sistematizada como afirma Stephen Holler: "O Gnosticismo é uma certa atitude da mente, uma ambiência psicológica (...) um certo tipo de alma é, por sua própria natureza, gnóstica". Se pelo menos o leitor se enquadrar em um desses itens abaixo, pode se considerar com uma séria inclinação à visão de mundo gnóstica.
sexta-feira, dezembro 30, 2011
Os Fantasmas do Tempo no Filme "Christmas Carol"
sexta-feira, dezembro 30, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O livro “Christmas
Carol” (Um Cântico de Natal, 1843) de Charles Dickens é atemporal por
apresentar dois grandes arquétipos que marcarão a vida moderna: Fantasmas e o Tempo.
Ao fazerem uma adaptação usando animação digital (através da tecnologia de “captura
de performance”), a Walt Disney Pictures e o diretor Robert Zemeckis ("De Volta para o Futuro" e "Forrest Gump") produzem
um efeito paradoxal: esvaziam o olhar crítico de Dickens sobre o início da
modernidade ao reduzir a narrativa à estética videogame por meio de uma
tecnologia moderna. O Ocultismo e a problematização do Tempo, marcas da
literatura do século XIX como formas de questionar a modernidade, são temas
oportunos para uma reflexão nesses momentos que antecedem a celebração de Ano
Novo onde todos querem reter um momento do tempo, que então será passado.
O livro clássico de Charles Dickens “Christmas Carol” já recebeu centenas de adaptações. É um dos livros mais lidos,
lembrados e citados de todos os tempos. A narrativa conta a estória de Ebenezer
Scrooge, velho ranzinza e sovina que passou a vida inteira juntando uma
fortuna, desprezando qualquer contato com as pessoas. Ele odeia o Natal por
achar que é uma época onde as pessoas gastam mais do que têm e ironiza como
gente tão pobre pode ser feliz. Na noite de Natal recebe a visita de três
fantasmas (que mostram para ele as visões do passado, do presente e do futuro)
levando-o a uma transformação íntima e reavaliando o significado da vida.
Só para ficar no cinema (as adaptações do livro de Dickens
abrangem teatro, televisão, ópera, história em quadrinhos etc.) existem
adaptações desde 1901. Desde então praticamente toda década há alguma
adaptação, referência ou revisitação da obra, passando pelos mais diversos
gêneros.
De Walt Disney temos o personagem do Tio Patinhas (Uncle
Scrooge) inspirado no protagonista avarento do livro de Dickens, um curta de
1983 “Mickey’s Christmas Carol” e o recente “Os Fantasmas de Scrooge” (Christmas
Carol, 2009) dirigido por Robert Zemeckis (“De Volta para o Futuro”, “Forrest
Gump” e “Contato”).
Essa produção repete a velha fórmula dos estúdios Disney: a
capacidade de lidar com temas trágicos, pesados e adultos de uma forma
divertida para crianças e jovens ao diluir simbolismos arquetípicos. No caso da
adaptação de Zemeckis, a utilização da tecnologia chamada “captura de
performance” onde a animação digital é feita a partir do escaneamento das
expressões dos atores. O diretor já havia utilizado essa tecnologia em “A lenda
de Bewulf” e “Expresso Polar”, mas em “Os Fantasmas de Scrooge” há um estranho
efeito: se a maior qualidade do conto de Dickens é a sua atemporalidade, na
produção Disney a tecnologia converte a narrativa, em muitos momentos, em um
videogame com cenas de ação desnecessárias. Os grandes temas arquetípicos da
obra de Dickens (que induzem à reflexão existencial e moral das ações humanas) são
esvaziados pelo ritmo frenético e uma estética cujas opções que o protagonista
sovina tem que tomar parecem alternativas de um game em computador.
quarta-feira, dezembro 28, 2011
O Filme "El Método" e a "Gameficação" da Realidade
quarta-feira, dezembro 28, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Games de simulações de atividades militares, administrativas etc. poderiam representar que a própria realidade pretensamente simulada já é, igualmente, um game? A “gameficação”,isto é, a exploração do elemento “lúdico” como ferramenta de administração treinamento, gestão etc, seria o sintoma da "gameficação" da própria realidade? O filme "O Que Você Faria? (El Método, 2005) remete a essas questões ao denunciar que as organizações atuais estão se convertendo em games perversos e autistas.
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