sexta-feira, abril 08, 2016

Grande mídia resgata espécimes do Brasil Profundo


Esqueça os folclóricos tipos urbanos produzidos pela recente onda do neoconservadorismo político e cultural como, por exemplo, os coxinhas, coxinhas 2.0, simples descolados etc. Esses tipos ainda são de um “Brasil Renitente”. Com o baixo astral generalizado posto em prática pela grande mídia, a pesada atmosfera psíquica nacional revela agora novos espécimes, dessa vez de um “Brasil Profundo”: retrofascistas e protofascistas, tipos-ideais mais perigosos e beligerantes: pequenos escroques, acadêmicos e intelectuais obscuros, músicos que fizeram sucesso no passado e que foram esquecidos, ex-anônimos que confundem militância profissional com fundamentalismo religioso e oportunistas de toda sorte. Todos, ao mesmo tempo, parecem ter sido resgatados do ostracismo e infernos pessoais graças à incansável atividade da grande mídia em produzir novos personagens que sustentem suas pautas.  

Depois desses tempos de neoconservadorismo político e cultural nos brindar com uma rica fauna urbana composta por coxinhas, coxinhas 2.0, novos tradicionalistas, simples descolados, “rinocerontes” etc. (sobre esses tipos urbanos clique aqui, aqui e aqui), a pesada atmosfera psíquica que baixou no País, decorrente da polarização política e da intensa atividade do contínuo midiático para gerar baixo astral, produziu o habitat perfeito para novos e exóticos espécimes.

Eles vieram do Brasil Profundo! Vamos listar alguns desses exemplares:

Espécime 1 – Nome: Ju Isen. Modelo anônima, famosa por tirar a roupa em uma das manifestações Anti-Dilma na Avenida Paulista em São Paulo, tentou repetir a dose como destaque no desfile da Unidos do Peruche e foi expulsa do Sambódromo. Outras modelos desconhecidas tentaram seguir o exemplo em outro protesto da mesma avenida de São Paulo, seminuas e segurando cartazes anti-PT ostentando enormes óculos de marca. Uma se excedeu ao ficar totalmente nua e foi levada presa pela Polícia Militar.

Espécime 2 – Nome: Junior de França. Ajuda a organizar o acampamento de manifestantes pró-impeachment em frente ao prédio da Fiesp em São Paulo. Às vezes se passa por jornalista, outras vezes por ator, mas na verdade recruta homens e mulheres para participar de feiras. É acusado de estelionato e de tentar fazer sexo com modelos, segundo matérias na TV Record e no Portal R7 – clique aqui.

Espécime 3 – Nome: Douglas Kirchner. Transformado em personagem nacional atuando em parceria com a revista Época no vazamento de denúncias contra Lula, o procurador do Ministério Público Federal Douglas Kirchner tem uma controversa militância religiosa e uma conturbada vida amorosa. Fiel de uma seita denunciada por explorar crianças e adolescentes, foi acusado de agredir fisicamente a esposa e mantê-la em cárcere privado no interior de uma das igrejas da seita. Ministra o seminário “Casamento Gay e Marxismo Cultural” onde ataca a igualdade de sexos e defende que o feminismo é um “ideal agnóstico das esquerdas” – sobre a história desse espécime clique aqui.

Espécime 4 – Nome: Janaina Paschoal. Assustando até os apoiadores do impeachment da presidenta Dilma, numa performance resultante do cruzamento de Death Metal com o desempenho da atriz Linda Blair no filme O Exorcista, a professora de Direito Janaina Paschoal fez um discurso em ato de apoio ao impeachment na Faculdade de Direito do Largo do São Francisco em São Paulo. Transtornada e transfigurada fez alusões ao poder de uma “cobra” que mantém o país no “cativeiro de almas e mentes”. “Acabou a República da Cobra!”, gritava ensandecida em um discurso que lembrava um bispo evangélico fora do controle.


“De onde vem essa gente?”

Como perguntou certa vez o Homem-Aranha, cansado depois de enfrentar o Monstro de Areia e o Venon: “de onde vem toda essa gente?”.

Pequenos escroques, acadêmicos e intelectuais obscuros, músicos que fizeram sucesso no passado e que foram esquecidos, ex-anônimos que confundem militância profissional com fundamentalismo religioso e oportunistas de toda sorte.

Todos de repente parecem ter sido resgatados, todos ao mesmo tempo, de seus ostracismos, infernos e limbos pessoais para serem reciclados, ressignificados pela grande mídia e se tornarem a esperança de um futuro melhor – ou uma “ponte para o futuro”, bordão que subliminarmente vem repetindo a todo momento, em alusão ao documento do PMDB divulgado como proposta para um futuro governo pós-impeachment.

Em toda a crise política, talvez a melhor contribuição dada pela grande mídia foi a de trazer à tona esses personagens do Brasil Profundo, pescados nas águas turvas de uma conturbada psicologia de massas.

Uma verdadeira contribuição no campo da Etnografia e da Antropologia Urbana: ressuscitar espécimes que estavam em estado latente, hibernos, apenas esperando a atmosfera ideal para que voltassem a respirar em plenos pulmões. Espécimes redivivos que agora podemos finalmente ter a oportunidade de estuda-los in loco.

Nizan Guanaes: "Preciso de uma Dona Flor"

Brasil Renitente e Brasil Profundo

Por “Brasil Profundo” não estamos nos referindo a uma referência geográfica como um “interior” ou “periferia”. Mas como o ponto mais profundo de um inconsciente coletivo ou “sombra”, no sentido dado pela psicanálise junguiana.

Muito mais profundo do que o imaginário da “Casa Grande e Senzala” de um país ainda marcado pelos signos de distinção de classes (elevador social, uniformes de empregadas domésticas etc.), marcas de uma antiga ordem escravocrata. Onde até mesmo um publicitário como Nizan Guanaes (Publicidade, símbolo de uma suposta modernidade brasileira) é capaz de revelar esses velhos estereótipos em sua coluna na Folha, reclamando sobre o fim das empregadas domésticas: “Preciso de uma Dona Flor, mas que não precisa ter o corpo da Sônia Braga – precisa é cozinhar”, explicou. – Folha, 16/11/2011.

Esse não é ainda o Brasil Profundo, é o Brasil Renitente.

Ego embrutecido

“Quem é duro consigo mesmo, também é com os demais”, dizia o sociólogo Theodor Adorno na sua célebre fórmula do psiquismo do nazi-fascismo. Certamente esta fórmula poderia ser aplicada nesse estudo dos espécimes do Brasil Profundo.

Em comum, todos eles vieram do esquecimento e obscurantismo. São pessoas apegadas aos valores da meritocracia e competição, o que mais torna essa condição de anonimato em profunda frustração de um ideal de ego também atormentado por um profundo ressentimento.

Ju Isen busca a oportunidade que lhe proporcione, pelo menos, a condição de sub-celebridade; Kirchner, o típico concurseiro de editais públicos, espécime que massacra o próprio psiquismo em busca da aprovação – após a vitória, com o ego tão embrutecido e encouraçado, torna-se frio, indiferente em diversos graus, como, por exemplo, no conservadorismo político e de costumes.

Sub-celebridades: perdedoras de si mesmas

Janaina Paschoal, com seu ego igualmente embrutecido em um meio tão competitivo e masculinizado como o campo do Direito; e Júnior de França, oportunista de ocasião no mundo das sub-celebridades que vivem a fama como farsa.

Ressuscitados do seu estado de torpor pela eletricidade das mídias, descobriram que tinham nas mãos uma hiper-tecnologia: redes sociais e dispositivos móveis para poderem amplificar em tempo real seu ódio e ressentimento.

Retrofascismo

Como alertava o sociólogo canadense Arthur Kroker no final do século passado, o futuro seria do “retrofascismo”: uma situação ambivalente de hiper-tecnologia e primitivismo. Kroker dizia que “o fascismo é a revolta dos derrotados”. A vida dirigida pelo ódio de si mesmo (o ressentimento pelo ostracismo e obscurantismo) vingando-se através da destruição do outro - leia KROKER, Arthur. Data Trash, New York: Saint Martin's Press, 1994.

Como nos informa o prefixo “retro”, esses espécimes protofascistas são nostálgicos de um passado de pureza onde supostamente haveria lei e ordem. Nos nazifascistas do trágico passado, a pureza da raça em um Idade do Ouro; nos retrofascistas, a ordem militar que nos mantinha seguros de feministas, gays e comunistas - sobre o conceito de retrofascismo clique aqui.


Brasil Profundo e Neodesenvolvimentismo

Ao contrário do Brasil Renitente, o Brasil Profundo foi parido nessa última década. A inclusão de milhões de brasileiros à sociedade através do consumo (que o economicismo e neodesenvolvimentismo faziam o PT acreditar que por si só geraria consciência política e de cidadania) na verdade produziu um perverso efeito inverso: despolitização por meio da percepção de que qualquer direito seria um oportunista substituto do mérito e do trabalho.

Estado policial e militarismo é a atmosfera ideal para esses espécimes protofascistas – a oportunidade de destruir o outro mandando à favas todas as formas de direitos e garantias sociais. Destruir todos esses preguiçosos corruptos que vivem à sombra do Estado com bolsas famílias e créditos educativos.

A ironia é que esses espécimes são perdedores na corrida meritocrática: concurseiros que se mataram em concursos públicos para conseguirem estabilidade dentro de um Estado tão odiado, pequenos escroques, oportunistas intelectuais e acadêmicos condenados à própria mediocridade, além de roqueiros esquecidos pelo mercado.

Ressuscitados por uma grande mídia ávida por novos personagens que deem sustentação às suas pautas, sentem na nova atmosfera a chance de vingar no outro a dureza com que tratam a si mesmos.

Fora de suas tocas onde se mantiveram hibernos, hoje esperam uma tradução política para, mais uma vez na História, ocuparem o Estado.

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Vamos falar de um game saído do forno há poucos dias. Oriunda da República Checa, a equipe Amanita Design brindou o mundo com seus Point-and-Click Games no estilo Adventure, divulgando produtos e serviços através de um processo conhecido como “Gameficação”, utilizando-se da ferramenta para fins de publicidade. Como não poderia deixar de ser, o game é repleto de influências gnósticas embora os próprios criadores talvez não se deem conta disso. Prova de que o Inconsciente Coletivo reverbera em toda a esfera terrestre.

terça-feira, abril 05, 2016

Na exposição "Mondrian e o Movimento De Stijl" o irônico final das vanguardas modernas


De repente, pessoas pareciam esquecer de Mondrian e passavam a fotografar os detalhes “art noveau” do histórico prédio do Centro Cultural Banco do Brasil, Centro de São Paulo. Esse foi um comportamento recorrente observado por esse humilde blogueiro na exposição Mondrian e o Movimento De Stijl. Para além da ironia de uma exposição sobre uma radical escola de vanguarda moderna acontecer no interior de um prédio cujo estilo seria a síntese de tudo que o Manifesto De Stijl mais odiava, o comportamento de muitos visitantes pode ser o sintoma do também irônico destino da arte de Mondrian: inspirado na arte iniciática e esotérica da Teosofia, suas linhas retas e cores chapadas procuravam a paz espiritual. Mas tornou-se conservador e artisticamente estéril ao se tornar a base de toda estética da cultura de massas e publicidade. Da arte e design revolucionários que prometiam que um dia viveríamos todos no interior de um quadro de Mondrian, hoje vemos crianças em quartos cenográficos com alusões à animação “Carros” da Disney/Pixar.

segunda-feira, abril 04, 2016

Agora para a Globo é matar ou morrer


Depois de servir como um substituto midiático a uma incompetente oposição parlamentar, agora a Globo parte para o desespero: matar ou morrer, isto é, ou o sucesso do impeachment que lhe garanta sobrevivência num mundo de hegemonia dos dispositivos de convergência tecnológica ou ser engolida pelo Google. Desde que a presidenta Dilma apareceu nas mídias dentro de uma carro automático do Google controlado por GPS no ano passado, a Globo radicalizou contra um governo que promete favorecer seus adversários tecnológicos e comerciais - Facebook e Google. Nem que seja ao custo de perder anunciantes, cada vez mais preocupados com a crescente rejeição ao Grupo Globo estampado em redes sociais e manifestações de rua. Mas a Globo vive um cenário complexo: está entre a “guerra híbrida” produzida pela estratégia geopolítica dos EUA para esfacelar os BRICS e a inevitabilidade do fim do tradicional perfil de publicidade com a entrada do Google com tudo no País.

sábado, abril 02, 2016

Em "O Predestinado" somos todos prisioneiros dos paradoxos do Tempo


A noção de Tempo não passa de uma convenção lógica criada pelo homem para organizar os eventos da sua existência. Por isso, guarda uma série de paradoxos, assim como os sistemas lógicos matemáticos, mostrando seus limites e insuficiências. O filme australiano “O Predestinado” (Predestination, 2014) trata de um desses paradoxos: o paradoxo da predestinação – passado, presente e futuro não se sucedem mas coexistem e se interagem, condenando-nos à condição de prisioneiros em espécies de armadilhas temporais. Ciclos viciosos cuja única fuga é através da condição existencial de estranhamento, alienação e investigação paranoica. A condição de sermos como Detetives e Estrangeiros para escaparmos dessas armadilhas. Assim como certa vez o matemático Alfred Tarski resolveu o célebre Paradoxo do Mentiroso de Epiménides. Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.

segunda-feira, março 28, 2016

Em "O Cérebro Que Não Queria Morrer" o pesadelo da ciência tecnognóstica


Um filme que assombrou a infância desse humilde blogueiro. Assistido décadas depois, o filme de terror sci fi “O Cérebro Que Não Queria Morrer” (The Brain That Wouldn’t Die, 1962) comprova ser uma verdadeira cápsula do tempo: mostra uma Hollywood onde a herança cultural europeia ainda estava presente na crítica à ética do progresso científico – a consciência ou “alma” não se localiza exclusivamente no cérebro (ecos da psicologia Gestalt e da Fenomenologia), o que torna a experiência do protagonista (o transplante da cabeça de sua noiva) moralmente abominável. Bem diferente da atualidade, onde a agenda tecnognóstica na Ciência crê numa consciência descorporificada que poderia ser traduzida em bytes e aspirar à eternidade.

domingo, março 27, 2016

Curta da Semana: "This House Has People In It" - o terror em transmídia


Esse curta tornou-se viral e muitos internautas tentam desvendar o mistério que envolve o destino daquela família. “This House Has People In It” é um curta assustador que aponta para o futuro do gênero terror: as narrativas transmídias onde os espectadores participam de forma imersiva em um ARG – Alternate Reality Game. Um site de uma suposta empresa que comercializa vídeos de vigilância e um misterioso vídeo de um escultor em argila disponível no YouTube são as pistas para que cada usuário monte sua narrativa e crie hipóteses para o que aconteceu naquela casa onde todos pareciam estar preparando uma inocente festa de aniversário.  O gênero “found footage” encontra-se com o tema “drama familiar”, argumento que vem fascinando os cineastas nos últimos anos.

sábado, março 26, 2016

Em "Closer To God" o mito de Frankenstein enfrenta a Ciência, Mídia e Religião


Como o clássico terror gótico “Frankenstein” seria contado no século XXI? Certamente o cientista teria a sua disposição a clonagem e contra ele o sensacionalismo midiático alimentando uma turba enfurecida de fundamentalistas religiosos pregando o fim da Ciência e uma nova Idade Média. Esse é o terror independente “Closer To God” (2014) de Billy Senese, onde vemos o drama de um geneticista criador do primeiro clone humano e que terá que enfrentar uma extensa cobertura midiática que o transforma em alvo de diversos grupos religiosos radicais e violentos. Um filme que evita os clichês hollywoodianos do “cientista louco” e do maniqueísmo “Ciência versus Religião”. Todos os lados (Ciência, Mídia e Religião) têm suas mazelas e culpas. E o único ser próximo de Deus é a pequena Elizabeth, o bebê clone inocente de toda a tragédia ao redor. Filme sugerido pelo nosso leitor Antonio Oliveira.

terça-feira, março 22, 2016

Agenda Hollywood e os super-heróis: ingovernabilidade para o mundo


Numa manhã de domingo de 2001 Karl Rove, Vice-Chefe da Casa Civil do presidente Bush, reuniu-se em Beverly Hills com os chefões de Hollywood. Era o início da criação da “Agenda Hollywood” para esse século – mais uma vez, a indústria do entretenimento norte-americana era convocada  a servir de braço político para o jogo geopolítico mundial. Na época, o terrorismo da Al Qaeda. Hoje, as várias “primaveras”, árabe e brasileira, e o xadrez político jogado contra os países que compõem os BRICS. Sincronicamente quando a Agenda Hollywood intensifica a presença das franquias de super-heróis nas telonas, as diversas “primaveras” (manifestações e protestos em diversos países) são tomadas por bizarros adereços do super-heróis do cinema como metáforas de solução para crises políticas nacionais. Com isso, a Agenda Hollywood avança da simples propaganda para o “neurocinema”: moldar a percepção de que problemas podem ser resolvidos através da amoralidade dos super-heróis. A palavra-chave do jogo é indução à ingovernabilidade em países emergentes, como o Brasil.

domingo, março 20, 2016

Em "Boneca Inflável" somos tão vazios quanto uma boneca de sex shop


Uma fábula moderna inspirada em um mangá, onde é feita uma releitura de Pinóquio com um toque erótico: uma boneca inflável de sex shop inexplicavelmente ganha vida, ganha as ruas e procura entender o que nos define como humanos. Mas tudo que descobre é que nós somos tão vazios espiritualmente como uma boneca é vazia fisicamente. O filme “Boneca Inflável” (“Kûki Ningyô”, 2009) de Hirokazu Koreeda baseia-se em um específico problema sócio-cultural japonês (o “kodokushi”, morte solitária), mas sua reflexão sobre a solidão urbana, inércia, sonhos derrotados e a perda da inocência de uma boneca erótica aspira a um tema bem universal: o fetichismo dos produtos e serviços.

Ao longo do século XX a sociedade japonesa conseguiu combinar muitos hábitos e instituições feudais com o moderno dinamismo cultural e econômico do Capitalismo Tardio. Mas com um preço alto: fragilização dos laços familiares e uma conduta de boa parte da sociedade japonesa de evitar qualquer tipo de situação que possa incomodar outra pessoa. Chamam essa atitude de “meiwaku”.

sábado, março 19, 2016

Curta da Semana: "Bright Future My Love" - o amor em uma distopia gnóstica


Da Sérvia vem esse enigmático curta distopico sobre uma mulher que tenta despertar através do amor um homem vazio de espírito e consciência num mundo que lembra "1984" de George Orwell. Mas o Big Brother não é mais um Estado opressor, mas telas de TV que exibem mensagens de publicidade e propaganda que mantém todos isolados e sós numa rotina de trabalho sem sentido. Os mitos gnósticos da Queda e de Sophia encontram-se em um mundo sombrio filmado em preto e branco. É o curta “Bright Future My Love” (2014) de Marko Zunic, um profissional de engenharia da informação de Belgrado que parece ter transformado o hobby de fazer curtas-metragens em uma expressão fílmica da distopia do mundo corporativo. 

sexta-feira, março 18, 2016

De anti-Collor a anti-Dilma: 24 anos depois midiatização e neomoralismo


Depois de pouco mais de duas décadas o País está às voltas com manifestações de apoio ao impeachment de um presidente da República. As manifestações do último domingo na Avenida Paulista, em São Paulo, foram consideradas “sem precedentes”, tanto em número de participantes quanto à infraestrutura formada por trios elétricos, canhões de luzes, áreas VIP e todo um aparato voltado para o “ethos” de um perfil sócio-econômico acostumado a serviços e hábitos de consumo de alto nível. Pesquisas como a do Datafolha confirmaram isso. É importante comparar por dentro, nas ruas, as manifestações anti-Collor de 1992 e a atual anti-Dilma em aspectos como atmosfera, comportamento, marcas geracionais, signos de consumo etc. Essa comparação pode revelar as profundas mudanças na opinião pública brasileira – midiatização, neomoralismo e a ascensão do  “cinismo esclarecido”.

Vinte quatro anos depois surgem nas ruas do País manifestações de apoio a um impeachment de um presidente da República. Esse humilde blogueiro tem idade suficiente para ter vivido essas duas épocas: das manifestações marcadas pelo protagonismo dos jovens chamados “caras-pintadas” em 1992 aos protestos atuais cercado de toda uma parafernália de adereços e fantasias como patos amarelos gigantes, bonecos infláveis “pixulecos” e Dilma presidiária chagando a grupos vestidos de Batman e toda a sorte de super-heróis.

domingo, março 13, 2016

Comercial de lavadora reforça estereótipos da empregada doméstica da classe média


Toda obra audiovisual é um sintoma de cada época. E algumas vezes esse sintoma é um ato falho, como na atual série de comerciais para a TV da Lavadora Black Panasonic onde o pensamento ecologicamente correto e tecnologia sustentável convivem confortavelmente com uma remanescência das relações entre Casa Grande e Senzala da época da escravidão brasileira: a figura da empregada doméstica uniformizada. A modelo/apresentadora Fernanda Lima aparece andando na área de serviço contracenando com uma alegre empregada que dança imitando os movimentos da máquina, em diversas situações que sugerem o estereótipo de segregação do imaginário das classes médias. Os sofisticados eletrodomésticos do século XXI tornam o cotidiano mais prático, o que dispensaria a necessidade de uma “assistente do lar”. Mas ela permanece, uniformizada, como signo da permanência da distinção de classes.

sábado, março 12, 2016

A vida é uma gigantesca piada cósmica no filme "Entertainment"


Uma produção que está na lista dos dez filmes mais estranhos de 2015. Em "Entertainment" (2015) um comediante de “stand up comedy” chamado Neil Hamburger (o alterego do humorista Gregg Turkington) vive uma espécie de autoexílio em uma turnê de shows improváveis por hotéis, bares de beira de estrada e toda sorte de espeluncas em lugares perdidos em desertos na fronteira EUA-México. Um comediante sisudo, desajeitado e amargo que conta piadas enquanto toma copos de drinks no canudinho. A incauta plateia espera piadas que a faça rir das desgraças alheias para se sentirem melhor nas suas vidas tão cinzentas quanto o deserto. Mas tudo que Neil Hamburger lhes apresenta são piadas carregadas de raiva. E também a suspeita de que todos nós estamos metidos em alguma gigantesca piada cósmica.

terça-feira, março 08, 2016

Somos todos perdedores no filme "Um Pombo Pousou Num Galho Refletindo Sobre A Existência"


Imagine se o leitor fosse um ser extraterrestre que chegasse na Terra e visse pela primeira vez aspectos do cotidiano da vida dos terrestres em bares, casas, escritórios e ruas. Certamente veria tudo com um misto de estranheza e espanto pelo artificialismo, tensões, angústias e humor involuntário de muitas situações cotidianas. Pois essa é a proposta do diretor sueco Roy Andersson no filme “Um Pombo Pousou Num Galho Refletindo Sobre A Existência” (2014) que fecha a sua Trilogia iniciada há 15 anos  sobre “como ser um ser humano”. São 39 esquetes de pequenos flagrantes da rotina diária, mostrando principalmente os “perdedores” num olhar radicalmente diferente dos losers hollywoodianos. Se nos filmes de Hollywood os “losers” são orgulhosos e viram um estilo de vida, em Andersson os perdedores são a própria essência gnóstica da condição humana: estrangeiros em seu próprio planeta, sociedade, família e amigos.

domingo, março 06, 2016

Lula prisioneiro em narrativa transmídia da série "House of Cards"


Cinco horas da manhã de sexta-feira: o Netflix libera no Brasil a quarta temporada da série “House of Cards”. Uma hora depois a TV Globo começa a transmitir ao vivo a 24a etapa da Operação Lava Jato onde 200 agentes da Polícia Federal rumam a São Bernando/SP para o ex-presidente Lula ser alvo de condução coercitiva para “prestar depoimentos”. Coincidência? Sincronicidade? Para os fãs a série do Netflix apresenta semelhanças com a atual crise política brasileira. E o cálculo midiático da vara judicial de Curitiba parece saber disso. Se isso for verdade, a Operação Lava Jato demonstra ser uma grande operação semiótica: da narrativa tradicional em três atos de um reality show, agora está evoluindo para um tipo especial de narrativa transmídia conhecida como “Alternate Reality Game” (ARG) – Jogo de Realidade Alternativa. Objetivo: criar uma "zona incerta"entre ficção e realidade que faça alusões ao universo de filmes e séries  para dar legitimidade ficcional a ações que carecem de base jurídica.

Que a Operação Lava Jato é antes de tudo um show midiático sob o pretexto de combater a corrupção, não restam dúvidas a cada vazamento seletivo de informações para a grande mídia cujos âncoras dos telejornais chamam cinicamente de “investigações sigilosas”.

sábado, março 05, 2016

No filme "Spotlight - Segredos Revelados" um réquiem para o Jornalismo


As representações do Jornalismo feitas por Hollywood sempre foram ambíguas, com uma tendência ao negativo. Isso deve ser levado em consideração ao analisarmos o Oscar de Melhor Filme para “Spotlight – Segredos Revelados”. O filme muda o foco sobre o escândalo do acobertamento de padres pedófilos pela Igreja Católica para mostrar o porquê de repórteres e editores do jornal Boston Globe terem ignorado essa pauta tão explosiva no passado. O filme é sobre a culpa de uma comunidade e do seu jornalismo por terem involuntariamente colaborado com o acobertamento de um escândalo e como “estrangeiros” (um editor judeu e um advogado armênio) sem laços com a comunidade terem conseguido perceber isso. “Spotlight” é um réquiem ao velho jornalismo local e comunitário, agora substituído pela Internet.  

Ao lado da forte história sobre abusos de crianças acobertados pela Igreja por décadas (se não séculos), para quem é jornalista assistir ao filme Spotlight – Segredos Revelados provoca sentimentos nostálgicos: clippings de notícias pré-web, repórteres pesquisando em arquivos empoeirados e gastando a sola dos sapatos correndo pelas ruas atrás das fontes, jornalistas pendurados ao telefone, rotativas e caminhões levando pilhas de jornais recém-impressos cuja edição mostra na primeira página matéria resultante de longas investigações.

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