Numa manhã de domingo de 2001 Karl Rove, Vice-Chefe da Casa Civil do
presidente Bush, reuniu-se em Beverly Hills com os chefões de Hollywood. Era o
início da criação da “Agenda Hollywood” para esse século – mais uma vez, a
indústria do entretenimento norte-americana era convocada a servir de braço político para o jogo
geopolítico mundial. Na época, o terrorismo da Al Qaeda. Hoje, as várias
“primaveras”, árabe e brasileira, e o xadrez político jogado contra os países
que compõem os BRICS. Sincronicamente quando a Agenda Hollywood intensifica a
presença das franquias de super-heróis nas telonas, as diversas “primaveras”
(manifestações e protestos em diversos países) são tomadas por bizarros
adereços do super-heróis do cinema como metáforas de solução para crises
políticas nacionais. Com isso, a Agenda Hollywood avança da simples propaganda
para o “neurocinema”: moldar a percepção de que problemas podem ser resolvidos
através da amoralidade dos super-heróis. A palavra-chave do jogo é indução à
ingovernabilidade em países emergentes, como o Brasil.
Era novembro de 2001. Sob o impacto dos atentados de 11 de setembro
daquele ano nos EUA, Karl Rove, Vice-Chefe da Casa Civil da administração
George Bush, reuniu-se numa manhã de domingo com os chefões da indústria do entretenimento
no Peninsula Hotel, Beverly Hills.
Estavam lá Summer Redstone, dono do império Viacom (MTV e Estúdios
Paramount), Rubert Murdoch (News Corporation, rede Fox, 20th Centrury Fox, rede
de TV Star na Ásia e jornais The Times e The Sun), presidente da Walt Disney
Co. Robert Iger, presidente da MGM Alex Yemenidijian, o chefe da Warner Bros.
Television Tom Rothman. Além de diretores, atores de Hollywood e roteiristas.
Numa reunião de 90 minutos, Rove exibiu para a plateia slides em Power
Point sobre a história e alcance da rede terrorista Al Qaeda de Osama Bin
Laden. Com muitas informações até então restritas à Inteligência da Casa
Branca.
O resultado final foi a criação de uma agenda para Hollywood projetada
para os próximos 20 anos: linhas gerais de criação de conteúdos (narrativas,
temas, personagens etc.) buscando transformar TV e Cinema em uma braço dos
esforços de propaganda de guerra.
Filmes militares, históricos e de super-heróis
Rove pediu conteúdos não só para o público interno, mas principalmente
para as unidades militares da linha de frente e para os povos das zonas de
conflito: “nós temos um monte de filmes, mas todos estão velhos e já assistiram
milhares de vezes”, disse Rove para a plateia. Especificamente Rove pediu mais
filmes “de família” e mencionou especificamente filmes como O Senhor dos Anéis e Harry Potter e a Pedra Filosofal.
Para o público interno filmes que salientassem o heroísmo e a ameaça
externa; para o mundo, os valores familiares e morais pelos quais os EUA supostamente
lutam pelo mundo afora.
Desde então, Hollywood iniciou uma escalada de filmes sobre
protagonistas nas frentes do Afeganistão e Iraque (militares ou jornalistas) ou
filmes “históricos” cujo ápice foi o filme Argo,
premiado com o Oscar em um link ao vivo direto da Casa Branca – Michelle Obama
abrindo o envelope de Melhor Filme de 2013 – sobre o filme como peça de
propaganda clique aqui.
Sem falar a intensificação da exibição de franquias dos super-heróis da
Marvel Comics e DC Comics como Homem Aranha, Batman, Os Vingadores, Homem de
Ferro (no filme de estreia o protagonista Tony Stark é sequestrado por
terroristas no Afeganistão), X-Men, entre outros. O que lembra os esforços de
propaganda durante a Segunda Guerra Mundial quando os super-heróis Capitão
América e Super-Homem era convocados a lutar contra os nazistas nas histórias
em quadrinhos.
Quinze anos depois da criação dessa agenda pelos chefões do entretenimento,
tudo leva a crer que o plano convocado por Karl Rove em 2001 tem hoje novos
desdobramentos geopolíticos com a ascensão dos BRICS (Rússia, China, Brasil, Índia, África do Sul –
projeto orgânico de alcance global que ameaça bloquear os planos expansionistas
dos EUA) no cenário político-econômico global.
Vivemos atualmente a instabilidade política em dois países dos BRICS:
Brasil e Rússia. No Brasil, o coquetel jurídico-midiático da
“ingovernabilidade” e contra a Rússia a demonização da “agressão russa” na
crise da Ucrânia e Síria e o ataque contra o rublo.
Hoje à propaganda comum do american
way of life e demonização dos muçulmanos é acrescentada uma nova tática: o
neurocinema. Mais uma vez a mitologia dos super-heróis é convocada para que a
percepção da opinião pública dos países emergentes seja moldada não por valores
explícitos de propaganda americana – mas pela amoralidade subliminar dos
super-heróis (acima do Bem e do Mal, somente a Justiça) aplicada à suposta
solução da corrupção e ingovernabilidade.
Guerra Total
Os EUA tiveram que esperar até a Segunda Guerra Mundial para
compreenderem a noção de “guerra total” do nazi-fascismo – a guerra não é
apenas travada no campo de batalha mas principalmente no campo do imaginário da
propaganda midiática e na esteticização da política.
Desde os primórdios do cinema a elite política e cultural dos EUA via a
proliferação dos nickelodeons (diversão barata para proletários, desocupados e migrantes)
como uma ameaça a ordem pública com o riso descontrolado das massas que viam
seus heróis nos filmes burlando autoridades e policiais.
Com a ascensão de Hollywood como indústria a partir de 1920, as imagens
e a fúria do primeiro cinema foram domesticados pelo Código Hays de restrição
temática e moral e por Edgar Hoover, do Bureau of Investigation, que passou a
mapear filmes supostamente imorais e “anti-americanos” numa época onde
conflitos trabalhistas e repressão policial cresciam.
Mas do outro lado do Atlântico o nazi-fascismo via o Cinema de outro
modo. Hitler era obcecado com o poder de propaganda dos filmes. Segundo Ben
Urwand no livro The Collaboration:
Hollywood’s Pact With Hitler, os nazistas promoveram ativamente filmes
americanos como Capitains Courageous
(1937) que, acreditavam, promovia valores arianos. O livro revela o temor de Hollywood
um perder o seu segundo maior mercado de distribuição, passando a cortar nomes
de judeus nos créditos de filmes e evitar roteiros que sugerissem qualquer
crítica a Hitler ou Nazismo – Hollywood não faria um filme anti-nazista até
1940.
Rolos de filmes alemães ou norte-americanos que passavam pelo crivo nazi
eram levados aos países ocupados pelas blitzkrieg
para serem exibidos nas linha de frente como um plano que ia além da propaganda
militar – disseminar os valores arianos aos povos derrotados.
Mussolini no filme "Eternal City" (1922) |
Hollywood e o fascismo
Já na Itália, os fascistas contavam ainda com artistas Futuristas que
viam na guerra uma obra de arte em si mesma: a destruição do passado clássico
dos museus e estátuas que instituiria a nova arte baseada na modernidade
radical: máquina, foguetes e velocidade.
Ao lado de Hitler, Mussolini também soube compreender como o cinema poderia
ser ferramenta de propaganda. Rodado no mesmo ano da Grande Marcha Sobre Roma
que iniciou sua ascensão ao poder, Mussolini atuou interpretando ele mesmo no
filme The Eternal City (1922) onde o
fascismo era mostrado como o grande salvador do mundo. O filme permitiu ao
regime fascista aproveitar-se de uma produção americana para levar sua mensagem
para além da Itália, coisa que um filme italiano jamais teria conseguido.
Ou seja, se a elite norte-americana temia que o cinema e o
entretenimento pudessem provocar desordem pública e anomia social, ao
contrário, os nazi-fascistas viam no cinema uma ferramenta preciosa para criar
novas ordens.
Tudo mudou com o ataque japonês a Pearl Harbor, forçando a entrada dos
EUA na Segunda Guerra Mundial. O presidente Roosevelt anuncia uma novidade: a
Agência de Informação de Guerra com escritório em Hollywood para incentivar
produtores e roteiristas a realizar produções patrióticas e anti-nazistas e
anti-japoneses.
O que se viu a seguir foi uma série
de filmes antigermânicos e antinipônicos com conotação racista. Alemães e
japoneses eram chamados de “hunos”, “bestas”, “ratos de olho puxados”, “macacos
amarelos”. E os temas recorrentes sobre histórias de sobrevivência e fuga, a
vida em campos de concentração, espionagem e companheirismo nas tropas etc.
Super-heróis vão à guerra
No esforço de propaganda associam-se
a Hollywood os comics do Superman
(herói criado na Grande Depressão para defender “a verdade, a justiça e os
valores americanos) e do Capitão América. Passada a Guerra, a mitologia dos
super-heróis até viveu uma breve fase progressista ajudando a desmoralizar
grupos racistas como, por exemplo, quando em um episódio o Superman enfrenta a
Ku Kux Klan. Mas esse esforço em criar uma consciência social nos jovens foi
imediatamente reprimida quando criou-se a Comics Code Authority, instrumento de
autocensura da indústria do entretenimento para eliminar “conteúdos mais
violentos”.
Mas na verdade os murros e sopapos
dos super-heróis foram redirecionados para finalidades menos sociais e muito
mais patrióticas no contexto da Guerra Fria e a ameaça comunista – uniram-se à
TV e Cinema na forma de séries, animações e filmes. Tal como hoje onde as
franquias de super-heróis voltam a dominar as telas em uma geopolítica mundial
ameaçada pelos terrorismo e os BRICS.
A palavra-chave é ingovernabilidade, a arma atual de propaganda dos EUA
para desestabilizar países do Oriente Médio e dos BRICS, em particular o seu
elo mais fraco: o Brasil. A intensificação das franquias Marvel ou DC Comics na
telona é mais um capítulo da atual Agenda Hollywood.
A mitologia dos super-heróis não é explorada como propaganda explícita
de valores norte-americanos, mas atualmente como estratégia de agenda setting ou " neurocinema" –
a criação de um novo modelo cognitivo de percepção da opinião pública sobre
impasses e mazelas políticas e econômicas internas de cada país alvo do xadrez
geopolítico dos EUA.
As versões nacionais de super-heróis nas diversas "primaveras": acima, Egito e Brasil; abaixo, Paquistão (Batman, Superman e Lanterna Verde) |
O super-herói amoral
A presença de novas versões de super-heróis nas chamadas “novas
primaveras”, sejam árabes ou brasileiras (manifestações e protestos internos contra
governos democraticamente eleitos, porém incômodos aos jogo global) é
sintomática e recorrente. Brasil, Síria, Afeganistão e Paquistão apresentam
bizarras novas versões dos super-heróis hollywoodianos em manifestações e
veículos midiáticos.
A aplicação do modelo cognitivo do super-herói como expressão de
problemas e soluções possui evidentes implicações ideológicas: a amoralidade
política. Assim como os super-heróis são capazes de enfrentar seus inimigos
destruindo cidades inteiras (desprezando baixas civis inocentes como “efeitos
colaterais” na busca da Justiça), da mesma forma a busca de super-heróis
nacionais implica em colocar abaixo o Estado de Direito e a Constituição como fosse também um inevitável “efeito colateral” da luta contra governos corruptos –
sobre a amoralidade dos super-heróis clique aqui.
Só existiria uma coisa além do Bem e do Mal para o super-herói: a
Justiça. Em nome dela, Os Vingadores
ou a Liga da Justiça podem fazer de
tudo inclusive suspender direitos e garantias democráticas. Tudo que a
geopolítica norte-americana precisa para tornar a política e economia interna
de países-chave ingovernáveis e economicamente instáveis, quebrando a
resistência de potencias regionais emergentes.
Além disso, é sincrônico não só as representações de um juiz de primeira
instância como Sérgio Moro como super-herói nas manifestações. Mas
principalmente, em pleno momento de radical polarização política e os primeiros
conflitos nas ruas, surgem nos cinemas um novo tema na saga dos super-heróis:
lutas entre eles mesmos, divisões e guerra civil – Batman Vs Superman – A Origem da Justiça e Capitão América: Guerra Civil onde vemos países com opinião pública
dividida levando ao conflito entre super-heróis.
Justamente quando lentamente, aqui e ali, em editorias de jornais,
comentários em blogs e artigos em diversos veículos fala-se sobre um temor de
“guerra civil” precipitado pelo atual ódio político.
Levando em consideração o histórico das ligações promíscuas entre
Hollywood e as necessidades geopolíticas mundiais e como os EUA aprenderam tão bem
as lições nazifascistas sobre propaganda e estetização da política, chega a ser
preocupante esse timing e sincronismo entre os lançamentos do cinema e a
realidade política das ruas.
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