terça-feira, abril 05, 2016

Na exposição "Mondrian e o Movimento De Stijl" o irônico final das vanguardas modernas


De repente, pessoas pareciam esquecer de Mondrian e passavam a fotografar os detalhes “art noveau” do histórico prédio do Centro Cultural Banco do Brasil, Centro de São Paulo. Esse foi um comportamento recorrente observado por esse humilde blogueiro na exposição Mondrian e o Movimento De Stijl. Para além da ironia de uma exposição sobre uma radical escola de vanguarda moderna acontecer no interior de um prédio cujo estilo seria a síntese de tudo que o Manifesto De Stijl mais odiava, o comportamento de muitos visitantes pode ser o sintoma do também irônico destino da arte de Mondrian: inspirado na arte iniciática e esotérica da Teosofia, suas linhas retas e cores chapadas procuravam a paz espiritual. Mas tornou-se conservador e artisticamente estéril ao se tornar a base de toda estética da cultura de massas e publicidade. Da arte e design revolucionários que prometiam que um dia viveríamos todos no interior de um quadro de Mondrian, hoje vemos crianças em quartos cenográficos com alusões à animação “Carros” da Disney/Pixar.


Nesse último sábado este blogueiro que regularmente escreve essas mal traçadas acompanhou o filho em missão escolar requerida pela disciplina de Artes: visitar a exposição Mondrian e o Movimento De Stijl que realiza-se de 25/01 a 04/04 no Centro Cultural Banco do Brasil, no Centro de São Paulo.

Munidos de um bloco de notas e o celular para tirar algumas fotos começamos a caminhada que se inicia no subsolo e sobe os andares do Centro Cultural onde acompanhamos a evolução de Piet Mondrian desde a sua fase figurativa passando à abstração e o encontro com seu compatriota holandês Theo Van Doesburg, fundando a revista De Stijl (O Estilo) em 1918 e o movimento neoplasticista. Até mudar-se para Nova York em 1940 e tornar-se um dos artistas de maior repercussão no século XX – sua marca está presente até hoje na arquitetura, design, artes gráficas e publicidade.

Andando pelos corredores labirínticos do edifício do Banco do Brasil, a primeira coisa que chamou a atenção foi o comportamento de muitos visitantes: simplesmente pareciam dar um tempo à exposição e passavam a fotografar vitrais, tetos e detalhes em art noveau que compõem o prédio histórico do Banco do Brasil.

Era curioso ver uma exposição sobre vanguarda modernista (e uma das vanguardas das mais radicais cujos manifestos falavam sempre em “morte, “aniquilação” e “guerra” a tudo que era antigo) acontecendo no interior de uma edificação que certamente era a síntese de tudo que o Manifesto da Revista De Stijl mais odiava.


Típica situação pós-moderna, pensei, onde as contradições convivem confortavelmente e nada parece produzir conflitos e rupturas – que era a própria essência da velha vanguarda modernista.

Mondrian, Cinema e o “espírito de época”


A segunda coisa foi perceber o “espírito de época” de Mondrian e o De Stijl: a busca pelo universalismo na linguagem. Arte e Cinema estavam juntas nesse espírito: a arte procurava negar o figurativismo e o naturalismo (“excrescências do individualismo” segundo o Manifesto), enquanto no cinema Cinema Chaplin, surrealistas (Buñuel) e impressionistas (Abel Gance) procuravam fugir do realismo das imagens em movimento – Chaplin negava filme falado pois via na pantomima e gags uma linguagem universal, enquanto Gance e Buñuel acreditavam que a vocação do cinema era o simbolismo universal da montagem.

A arte teosófica de Mondrian


O mais surpreendente foi descobrir as motivações para aspiração universalista de Mondrian, que levou a uma arte abstrata e racional de linhas retas e cores chapadas, principalmente inspirada no esoterismo da Teosofia de Madame Blavatsky – doutrina que condensa elementos religiosos, filosóficos e científicos, surgida inicialmente na antiga Índia, ressurgindo em plena era do neoplatonismo gnóstico do século III através de Plotino e Amonio Saccas para ressurgir no século XIX com a explosão do espiritualismo e ocultismo, de Kardec a Blavastsky.


Mondrian estudou as teorias teosóficas a partir de 1892 chegando a se tornar membro da Sociedade Holandesa de Teosofia em 1909.

É no mínimo irônica essa aventura de um movimento artístico que se inspirou no esoterismo que busca a ultrapassagem do mundo físico e emotivo para encontrar a paz espiritual do mundo mental para mais tarde se transformar em uma ferramenta para a arte industrial, design, publicidade e estética da comunicação de massas.

A dialética das vanguardas


Isso faz lembrar aquilo que certa vez o filósofo espanhol Eduardo Subirats denominou como “a dialética das vanguardas” – como a crítica, a utopia social e cultural das vanguardas tornou-se um movimento ambíguo com sua estética cartesiana e maquínica, para depois tornar-se conservador e artisticamente estéril ao integrar-se às estratégias comerciais da indústria, mídia e publicidade – leia o livro do filósofo chamado Da Vanguarda ao Pós-Moderno, Nobel, 1984.

É marcante na exposição ver as visões de utopia de Mondrian e o Movimento De Stijl. Expressar-se unicamente com linhas retas para expressar “o espiritual e o puro”, representar a “forma externa mais simples” da realidade para expressar o seu interior da forma “menos oculta possível”.

Mas, a principal marca dessa utopia é o fim da separação o entre o público e privado, individual e universal:  através da quebra das fronteiras entre arte, arquitetura, pintura e publicidade, tudo expressaria o “moderno” – o pintor se tornaria um arquiteto e finalmente as fronteiras entre realidade e ilusão desapareceriam. Poderíamos viver dentro de um quadro, a arte dominaria a vida e a estetização e design estaria por todos os lados, diluídos no dia-a-dia.

 Vemos nesse manifesto do De Stijl ecos do neoplatonismo teosófico: o mundo foi criado por Deus a partir de formas geométricas puras. Para a Teosofia, essa seria a função iniciática da arte: revelar aquilo que está oculto por trás do caos das formas impuras – a assinatura de Deus nas formas geométricas, sólidas, puras, racionais e limpas. O resultado seria o encontro do absoluto e a paz espiritual, do artista e do mundo.

Tudo é ironia nessa utopia da vanguarda. Poderíamos morar em um quadro de Mondrian ou sentar em uma cadeira ou fazer refeições em uma mesa com as linhas retas e cores do artista, como mostra a exposição do CCBB.

Arte teosófica de Mondrian: encontrar o espiritual na racionalidade e abstração

Tudo é ironia na Exposição


Ironicamente toda essa utopia de fato rompeu as fronteiras entre público e privado com a esteticização generalizada da vida com a indústria do entretenimento, design e publicidade. Tudo vira cenografia. A arquitetura cede lugar aos efeitos especiais. Do quarto infantil onde a criança parece morar num quadro de Mondrian ao quarto de uma criança atual onde móveis e decoração são alusivos à animação Carros da Diney/Pixar, o princípio é o mesmo – o neoplatonismo onde a forma “perfeita”, a imagem e o simulacro antecedem o real.

O filósofo Jean Baudrillard também falava dessa motivação neoplatônica que geraria a inversão perceptiva pós-moderna: não conseguimos mais tomar o real por ele mesmo, mas a partir de imagens feitas anteriormente sobre o real – o simulacro.

 Quase um século depois da utopia de Mondrian e De Stijl, parece que as formas puras divinas que o artista procurava no mundo foram substituídas pelos simulacros midiáticos: Campos do Jordão vira uma Suíça dos filmes publicitários, uma criança vive num quarto do filme Carros estilizado, uma mulher se mata em dietas insanas para ter um corpo parecido com os simulacros das revistas femininas e assim por diante.

Viver num quadro de Mondrian e morar no filme "Carros" da Disney/Pixar: arte e imagem confundem-se com a vida

Neoplanotismo e indústria do entretenimento


Ironicamente o neoplatonismo das vanguardas preparou o terreno para a indústria do entretenimento atual realizar o projeto utópico vanguardista para as massas. De fato a ilusão misturou-se com a realidade, a arte com a vida, ao ponto de sentirmos o mesmo mal estar pelo qual passou o protagonista feito por Jim Carrey no filme Show de Truman. Embora a cidade de Seaheaven no filme fosse a cópia perfeita da vida dos comerciais dos produtos matinais, uma inexplicável sensação de estranhamento e alienação crescia em Truman.

Talvez essa seja a dialética da vanguarda da qual falava Eduardo Subirats. A utopia de Mondrian e da revista De Stijl finalmente realizou-se, porém no plano da ironia e da farsa.

Também talvez esse mal estar explique o porquê de no meio da exposição as pessoas esquecerem de Mondrian e passarem a fotografar o art noveau do prédio do CCBB: o próprio prédio é a nostalgia de uma época onde as vanguardas ainda não tinham ainda fornecido a munição para a futura indústria do entretenimento que, por fim, nos aprisionaria no atual mundo das imagens e simulacros.

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