quarta-feira, novembro 30, 2016
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Em 2010, no programa “Show Business”, João
Doria Jr e Roberto Justus especulavam a possibilidade de ambos serem candidatos
a algum cargo público. Tudo em tom de brincadeira. Hoje, o primeiro já é
prefeito e o segundo cogita ser candidato à presidência em 2018, na esteira
de Trump, também ex-apresentador do reality Show “O Aprendiz”. Enquanto isso, a
crise política criada pelo demissionário ministro do MinC, Marcelo Calero, repercute na vida real o drama ficcional do filme “Aquarius” – Calero tentou faturar
politicamente na entrevista concedida ao “Fantástico” da Globo. Em política não
há coincidências: há conspiração ou sincronismo. E a junção estratégica
desses dois elementos chama-se Parapolítica. Enquanto a Política faz isso de
maneira empírica e irrefletida, a Mídia e Indústria do Entretenimento conseguem
fazer esse alinhamento de forma consciente. Justus, Trump e Doria Jr. têm a
interpretação naturalista: falam o tempo inteiro que não são políticos. São
“gestores” e “administradores”, assim como um ator faz o chamado “laboratório”
de um personagem para representar de forma naturalista o papel. Tão
naturalista, que passa acreditar na própria interpretação. Ao contrário do
político tradicional, que ainda vive a tensão entre a verdade e a mentira – a
dissimulação. É o limiar de um momento histórico: a guinada
para a midiatização da Política (Parapolítica), sem intermediários ainda
apegados ao jogo cênico teatral das aparências dissimuladas.
No final de um domingo e madrugada de segunda
feira, outubro de 2010, era transmitida mais uma edição do programa Show Business. Enquanto a maioria dos
brasileiros já estava em suas camas, dormindo, para enfrentar mais uma
segunda-feira, a Band mostrava um inacreditável diálogo entre João Dória Jr.,
então apresentador do programa, e Roberto Justus, estrela do programa O Aprendiz, da Record - assista ao vídeo no final dessa postagem.
Doria Jr. e Justus trocavam elogios e
discutiam a possibilidade de ambos serem candidatos a algum cargo público, em
particular a presidência. Doria Jr. especulava sobre a possibilidade de Justus
ser candidato na eleição à presidência em 2014. Justus retribuiu: “sabe com quem combina ser
candidato? Dória Jr! Esse é íntegro e competente...”. E Doria Jr. encerrou: “Para
um Brasil mais justo, Roberto Justus!”. “Já tem até um lema...”, respondia
Justus, entre risos.
Tudo sempre foi levado em tom de galhofa e
ironia. Até Doria Jr, ser eleito prefeito da cidade de São Paulo e Roberto
Justus, após fazer parte da reunião do chamado “Conselhão” (Conselho Nacional
de Desenvolvimento Econômico) neste mês em Brasília, confirmar a possibilidade
de sair finalmente candidato às eleições 2018.
Em política não existem coincidências. Há
conspirações (“maquiavelismos”) ou sincronismos. A junção desses dois elementos
produz a Parapolítica – o alinhamento consciente desses elementos para conferir
força simbólica através da canalização de arquétipos – espécie de storytelling de personagens que povoam o
inconsciente coletivo humano.
Em outras palavras: Parapolítica é um
conceito mais elaborado para um velho provérbio sobre eventos políticos
considerados improváveis: “jabuti não sobe em árvore”.
É impossível não perceber a série de
sincronismos e ironias envolvendo eventos políticos recentes. Todos apontando
para produtos midiáticos como se esses eventos repercutissem narrativas
ficcionais anteriores – filme, reality
show, talk show etc.
Impeachment e sincronicidades
Primeiro, a sincronia das datas do rito do
impeachment da presidenta Dilma Rousseff com eventos do mês de abril: Golpe
Militar de 1964 e a deposição do presidente João Goulart, Massacre de Eldorado
dos Carajás, a morte de Tiradentes, líder da Inconfidência Mineira no Brasil
Colonial, a morte do presidente Tancredo Neves. Além de ser um período que
inspira homicidas e loucos a cometerem atentados pela sincronia com a data de
nascimento de Hitler – 20 de abril. Os ratos jogados numa CPI do Congresso
aproximaram ainda mais com as táticas históricas de militantes nazi - sobre
isso clique aqui.
É claro que qualquer dia do ano é sempre
marcado por acontecimentos passados. Porém, nem todos serão “coincidências
significativas” – ideia que é o princípio do conceito de sincronicidade.
Segundo evento, a recente renúncia do
ministro da pasta da Cultura Marcelo Calero acusando o articulador político do
governo Temer, Geddel Lima, de pressioná-lo para que o Iphan (órgão subordinado
à Cultura) aprovasse projeto imobiliário em área histórica tombada na Bahia.
Geddel possuía apartamento no empreendimento.
Ironicamente, esse episódio real ecoa a
narrativa ficcional do filme brasileiro Aquarius,
símbolo de resistência do mundo artístico ao golpe político. Assim como no
filme a protagonista resiste a investida de uma construtora para a compra do
prédio onde mora para a construção de um moderno empreendimento imobiliário, da
mesma forma o pivô da crise do governo Temer é um empreendimento moderno em
área histórica em Salvador/BA.
Cena do filme brasileiro "Aquarius"
Os sincronismo ainda se aprofunda sabendo que
o próprio Aquarius foi motivo de
vaias contra o ministro Calero em festivais de cinema por ter sido um filme
preterido a indicação da disputa ao Oscar. Suspeita-se que a recusa ao filme
seria uma retaliação do Governo aos protestos dos atores, contra o impeachment
de Rousseff, no Red Carpet do Festival de Cannes.
Somada a vitória eleitoral à presidência dos
EUA do empresário Donald Trump (apresentador do reality show The Apprentice), fica clara a
recorrência de narrativas ficcionais ou eventos históricos e simbólicos por
trás de todos esses eventos políticos.
O processo final de impeachment e o
simbolismo nacional e internacional do mês de abril, reality show e talk show
que projetaram Doria Jr., Justus e Trump para a opinião pública, além de uma
trama palaciana de Brasília replicando a ficção do filme Aquarius.
A dramaturgia de Marcelo Calero
A saída de um suposto ministro neófito do
MinC, denunciando pressões em favor de benefícios pessoais de Geddel Lima tem
um evidente elemento conspiratório clássico. Um ex-político do PSDB (candidato
a deputado federal pelo RJ em 2010), diplomata de carreira e ex-secretário
municipal da cultura do Rio de Janeiro, converte-se no pivô da maior crise do
atual governo.
De vidraça apedrejada pela indignação
transformou-se em homem-bomba que pareceu cirurgicamente colocado em um
ministério aparentemente periférico (era para ser transformado em secretaria),
mas que, como sempre, conta com a gula de algum PC Farias de plantão – alguma
eminência parda sempre em busca de benefícios cada vez maiores e que morda
facilmente uma isca jogada.
Assim como o desinterino Temer mordeu (talvez
inebriado pela crença de que conta com o apoio incondicional da grande mídia),
levando a crise ingenuamente para o próprio gabinete presidencial.
A conspiração (ou maquiavelismo) do
homem-bomba contou involuntariamente com a oportuna sincronia do filme Aquarius, motivo dos desgastes nos
festivais de cinema por onde Calero passou.
Marcelo Calero no "Fantástico"
A narrativa ficcional da resistência de uma
protagonista que lutava contra a ganância da especulação imobiliária que
despreza o tempo e a memória acabou alimentado o novo papel dramatúrgico que
agora Marcelo Calero quer assumir após a entrevista no Fantástico da TV Globo: o cidadão de classe média, servidor
público, diplomata de carreira e assalariado – o campeão da meritocracia que,
assim como o telespectador, quer “passar o País a limpo”.
Esse sincronismo, somado à câmera
dramaticamente fechada no rosto de Calero durante a entrevista na Globo
(performance canastrona, overacting,
com excesso de sobrancelhas levantadas e linguagem corporal expansiva demais,
quase caindo sobre a entrevistadora Lo Prete) , tentou jogar para o
esquecimento o político Marcelo Calero - candidato a deputado federal do PSDB,
criador do Movimento Rio reivindicando a separação da Guanabara do Estado do
Rio de Janeiro e a sua posterior aproximação do PMDB de Temer. Magicamente,
Calero é beatificado: deixa de ser político e transforma-se em diplomata de
carreira e servidor público.
Parapolítica: da cena teatral à mídia
Com poucas exceções na história da Política
(o misticismo Nazi foi uma tentativa), a estratégia parapolítica (conspiração +
sincromisticismo) é ainda empírica e sujeita ao jogo do acerto e erro. A
Política, e principalmente seus analistas e eleitores, vivem ainda no ordinário
consenso da realidade, onde tudo parece acontecer por acidentes ou
causalidades.
Que a Política sempre foi um jogo tributário
do Teatro, não é uma novidade para qualquer cientista político. Porém, a
indústria do entretenimento, associada à sociedade do espetáculo do cinema e da
televisão, abandonou o jogo cênico do palco (a chamada “cena italiana”) para
criar elaboradas formas de canais para formas-pensamento a partir do vasto
material psíquico da humanidade, irradiadas por dispositivos de projeção e
pelas ondas concêntricas eletromagnéticas.
"O Método", técnica naturalista de interpretação da moderna Hollywood, agora à serviço da Parapolítica
Tudo começou com os atores nos filmes,
minisséries e telenovelas submetidos ao “Método” (a interpretação naturalista
fundindo o psiquismo do ator com o arquétipo coletivo) para substituir a mise en scène do palco pelo timing dos enquadramentos de câmeras.
A indústria do entretenimento (Hollywood e
cadeias de TV) metodicamente passou todo o século XX alinhando o elemento da
conspiração com a prática sincrônica (ou “teatro de bruxaria maçônica”, como
falam jocosamente os sincromísticos): a criação do panteão dos mitos do cinema,
a propaganda patriótica dos EUA na Segunda Guerra Mundial, o alinhamento do
cinema com a política antiterror até chegar ao efeito colateral da vitória de
Trump, arquétipo televisivo grosseiro sem o glamour hollywoodiano.
Hoje, a sociedade do espetáculo e a grande
mídia estão chegando a um ponto de viragem que poderá ser decisivo na História:
a guinada definitiva para a Política midiática, sem intermediários ainda apegados
ao jogo cênico teatral das aparências dissimuladas.
É chegada a hora de Trump, Doria Jr. e
Roberto Justus. Sem mais a canastrice de políticos teatrais tentando adaptar-se
ao timing das câmeras.
Como foi, por exemplo, a exagerada
performance de Marcelo Calero no Fantástico
– nele os elementos da conspiração e sincronismo estão ainda desalinhados: sua
atuação overacting ainda não consegue
canalizar a forma-pensamento do herói “meritocrático” (o novo nome do “elixir”
da Jornada do Herói).
Justus, Trump e Doria Jr. têm a interpretação
naturalista desejada pelo “Método”: falam o tempo inteiro que não são políticos.
São “gestores” e “administradores”, assim como um ator de telenovela faz antes
o chamado “laboratório” de um personagem para representar de forma naturalista um papel. Tão naturalista, que passa a acreditar no próprio papel. Ao contrário
do político tradicional, que ainda vive a tensão entre a verdade e a mentira –
a dissimulação.
E esse laboratório dos futuros políticos são
os atuais reality shows e talk shows. “Chega! Sem intermediários!”,
deve pensar a grande mídia impaciente. Ela sempre conspirou. Agora falta apenas
manipular de forma consciente o elemento sincromístico na Política: colocar os
atores que se tornem novos médiuns para canalizar as formas-pensamento de
maneira tão perfeita que, eles, próprios, passem a acreditar mesmo naquilo que
dizem ser.
Cinegnose participa do programa Poros da Comunicação na FAPCOM
Este humilde blogueiro participou da edição de número seis do programa “Poros da Comunicação” no canal do YouTube TV FAPCOM, cujo tema foi “Tecnologia e o Sagrado: um novo obscurantismo?
Esse humilde blogueiro participou da 9a. Fatecnologia na Faculdade de Tecnologia de São Caetano do Sul (SP) em 11/05 onde discutiu os seguintes temas: cinema gnóstico; Gnosticismo nas ciências e nos jogos digitais; As mito-narrativas gnósticas e as transformações da Jornada do Herói nas HQs e no Cinema; As semióticas das narrativas como ferramentas de produção de roteiros.
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Coleção Curtas da Semana
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Após cinco temporadas, a premiada série televisiva de dramas, crimes e thriller “Breaking Bad” (2008-2013) ingressou na lista de filmes d...
Terça - Feira, 8 de Abril
Bem Vindo
"Cinema Secreto: Cinegnose" é um Blog dedicado à divulgação e discussões sobre pesquisas e insights em torno das relações entre Gnosticismo, Sincromisticismo, Semiótica e Psicanálise com Cinema e cultura pop.
A lista atualizada dos filmes gnósticos do Blog
No Oitavo Aniversário o Cinegnose atualiza lista com 101 filmes: CosmoGnósticos, PsicoGnósticos, TecnoGnósticos, AstroGnósticos e CronoGnósticos.
Esse humilde blogueiro participou do Hangout Gnóstico da Sociedade Gnóstica Internacional de Curitiba (PR) em 03/03 desse ano onde pude descrever a trajetória do blog "Cinema Secreto: Cinegnose" e a sua contribuição no campo da pesquisa das conexões entre Cinema e Gnosticismo.
Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, organizado pelo Prof. Dr. Ciro Marcondes Filho e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
Neste trabalho analiso a produção cinematográfica norte-americana (1995 a 2005) onde é marcante a recorrência de elementos temáticos inspirados nas narrativas míticas do Gnosticismo.>>> Leia mais>>>
"O Caos Semiótico"
Composto por seis capítulos, o livro é estruturado em duas partes distintas: a primeira parte a “Psicanálise da Comunicação” e, a segunda, “Da Semiótica ao Pós-Moderno >>>>> Leia mais>>>