Apesar do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, ter abandonado o papel de “Moderado”, as engrenagens da estratégia semiótica “Nem-Nem” (nem Lula, nem Bolsonaro, nem polarização) continuam funcionando na mídia. Como se estivesse à espera de algum fato novo. Enquanto isso, logo após as “sanções cautelares” do STF contra Bolsonaro, principalmente no que se refere às redes sociais, aconteceu o que era esperado: Bolsonaro vai ao Congresso fazer alopragem política: mostrar a tornozeleira eletrônica e vitimizar-se. E viralizar nas redes através de perfis de terceiros. Deixando “Xandão” irritado com a burla das sanções e a grande mídia desenrolando o novelo jurídico interpretativo sobre “liberdade de expressão”. Então, por que Bolsonaro não é preso preventivamente? Porque ninguém quer. Seja qual for o motivo, sempre passa pela questão midiática.
Tudo estava indo bem. A gestão daquilo que chamamos de “semiótica
nem-nem” estava OK.
Em texto anterior analisávamos que a estratégia do Nem-Nem tinha
sido a reação imediata da grande mídia à crise do IOF no Congresso e a onda do
“Nós contra Eles” que o campo progressista criou com os vídeos em inteligência
artificial que inundou as redes sociais – colocar Bolsonaro e Lula como
equivalentes extremistas e polarizados (se a extrema-direita tem o “gabinete do
ódio”, Lula teria as “milícias digitais”) para lançar uma “terceira via”.
Despolarização buscada pela Faria Lima para pôr em movimento, finalmente, o
Capitalismo de Choque - clique aqui.
E Tarcísio de Freitas era o nome ideal, desde que mostrou o que
podia fazer ao privatizar a Sabesp no ano passado. Para a Faria Lima, Tarcísio
comprovou sua fidelidade canina e ainda dobrou a aposta em entrevista para a
Globo News: “ainda há espaço para mais privatizações”.
Mas apareceu o “agente do caos” em cena: Donald Trump e sua guerra
tarifária que escolheu o Brasil como a bola da vez. Sob o álibi de ser uma
resposta política contra Xandão e o STF e uma suposta ditadura que estaria
virando o País, prendendo inimigos políticos e incriminando as Big Techs.
Álibis para ocultar uma mentira: o Brasil NÃO tem uma balança comercial
superavitária com os EUA.
Como sempre, produzir caos, mas com engenharia e timing:
sincronicamente veio logo após a onda do “Nós Contra Eles”, como se quisesse
dar uma força à semiótica Nem-Nem. Como fosse uma resposta de Trump contra a
política de Lula com BRICS e acusações contra o clã Bolsonaro. Para favorecer a
narrativa de quanto o político-ideológico atrapalha a rotina “técnica” da
economia.
Tudo estava funcionando e as engrenagens azeitadas, com a grande
mídia repercutindo como a política polarizada interfere no progresso econômico
do País. Só bastava o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas manter-se no
seu papel de “Moderado” no qual estava atuando, exortando a Nação a superar a
polarização que só atrapalha a Economia.
Mas, não! Acometido pelos incontroláveis sintomas da síndrome de
Doutor Fantástico (sobre essa síndrome clique aqui),
Tarcísio elogiou o tarifaço de 50% nas exportações brasileiras (não obstante o
fato de as principais empresas prejudicadas estarem no Estado que governa) e
culpabilizou Lula e o STF.
Sintomas incontroláveis e, aparentemente, sem cura, já que
Tarcisão continua no modo bolsonarista raiz: defende Bolsonaro frente ao
“arbítrio” da tornozeleira imposta por Xandão ao seu líder e volta a atacar a
legitimidade do processo eleitoral brasileiro para 2026.
Tamanho esforço que o jornalismo corporativo teve que fazer para
maquiar suas origens bolsonaristas e militares não foi recompensado. E perdeu a
paciência!
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Como demonstra o editorial do Estadão “A Imprudência de
Tarcísio”: “Ao sugerir que eleições sem Bolsonaro não serão justas, ecoando a
delinquência bolsonarista, governador lança suspeitas sobre o Judiciário e a
democracia, o que verdadeiros estadistas não fazem”, abre o editorial.
Porém, o que chama a atenção no editorial é como, apesar da
frustração midiática e da sensação de traição, a mecânica semiótica do Nem-Nem
continua a funcionar, mesmo sem o seu “campeão branco” da despolarização.
Tarcísio afirmou: “Não haverá paz social sem paz política, sem
visão de longo prazo, sem eleições livres, justas e competitivas (...) Não há
notícia de que o sr. Tarcísio tenha considerado injusta a eleição que ele mesmo
venceu em 2022. Ou que tenha considerado injusta a eleição de seu padrinho,
Jair Bolsonaro, em 2018, a despeito da exclusão de Lula da Silva do páreo,
pontua o editorial.
Ou seja, o editorial continua fazendo a igualdade semiótica entre
Lula e Bolsonaro: ambos consideraram as eleições injustas. O primeiro, porque
foi preso; e o segundo, por conta das urnas eletrônicas.
Mas não apenas no editorial do diário paulista. Apesar da traição
de Tarcísio, toda a grande mídia continua com a operação semiótica Nem-Nem como
se nada estivesse acontecendo.
Por exemplo, na capa da Folha desse último domingo, a Folha
estampa a chamada: “Fator político leva agronegócio a impasse em meio a tarifa
de 50%”. Reforça uma suposta contradição entre a irracionalidade ideológica da
Política e a racionalidade técnica da Economia.
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E Trump agora quer que façam investigações sobre os prejuízos
comerciais dos EUA com a Rua 25 de Março, Centro de São Paulo, famosa pelo
comércio popular. Oportunidade para o jornalismo corporativo fazer matérias
sensacionalistas sobre como o povo empreendedor sofrerá os efeitos de uma
disputa política da qual são alheios.
E o jornal local Bom Dia SP, da Globo, continuar com as matérias
especiais pauta positiva, às sextas, com a apresentadora Sabina Simonato. Em cada
edição, o telejornal apresentado de uma capital do interior de SP. Para fazer
matérias sobre a “força do homem do campo” e os números superlativos da pujança
econômica da chamada “Califórnia brasileira” governada por Tarcísio, outrora
“Moderado”.
Apesar do protagonista da conclusão do silogismo semiótico ter
abandonado o script (Tarcísio, outrora “Moderado”), o mecanismo Nem-Nem
continua em pleno funcionamento como se nenhum contratempo tivesse ocorrido.
Talvez esse automatismo se deva a uma das três opções:
a) Está sendo dado um tempo para que, segundo outro editorial do
Estadão, Tarcísio “esconjure Bolsonaro porque a Direita pode fazer melhor que
isso” e definitivamente esqueça da “desonestidade intelectual do padrinho” – o
“colonista” Valdo Cruz, da Globo News, por exemplo, terminou a semana passada
conjecturando otimista que “Tarcísio ainda tem tempo até as eleições de 2026”.
“Veja o caso de Lula”, observou o “colonista”;
b) Estadão publica um desesperado editorial exortando os
governadores bolsonaristas (Caiado e Zema) a abandonarem o padrinho, apelando
aos seus brios para se tornarem “estadistas”. Parece estar atrás de outro
governador da extrema-direita que assuma o script;
c) Grande mídia ensaia criar uma suposta tensão entre Alckmin e
Lula: enquanto o primeiro é sensato e técnico, o mandatário de esquerda é
político e ideológico. Quem sabe, o nome de Alckmin como o campeão da
despolarização Nem-Nem... Assim terminou a semana passada. A conferir se
Alckmin seja sondado a se tornar um novo player na semiótica Nem-Nem. Exigida
pela Faria Lima: o seu projeto de despolarização para implantar um Capitalismo
de Choque ao estilo Milei na Argentina.
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Ninguém quer Bolsonaro preso
Entre as inúmeras besteiras cometidas pelo outrora candidato a
gênio político, Tarcísio de Freitas, foi a sua bizarra visita ao STF para pedir
ao ministro Alexandre de Moraes para que liberassem o passaporte de Bolsonaro
para que, na condição de ex-presidente, pudesse negociar pessoalmente com
Trump.
Acabou selando a determinação da colocação de tornozeleira em
Bolsonaro, levantando a lebre sobre uma possível fuga dele que estaria sendo
tramada. Entre as sanções a proibição de qualquer contato com embaixadas
estrangeira. Mas, principalmente, a proibição de transmissões,
retransmissões ou veiculação de áudios, vídeos ou transcrições de
entrevistas em qualquer plataforma de redes sociais de terceiros.
Dito e feito. Até as pedras do cais do porto de Santos sabiam que
Bolsonaro criaria um fato provocativo: foi ‘a Câmara dos Deputados nesta
segunda-feira (21) e mostrou a tornozeleira eletrônica que passou a usar por
determinação do Supremo Tribunal Federal (STF). Em discurso aos apoiadores,
Bolsonaro classificou a medida como uma "humilhação".
"Não roubei os cofres públicos, não desviei recurso público,
não matei ninguém, não trafiquei ninguém. Isso aqui é um símbolo da máxima
humilhação em nosso país. Uma pessoa inocente. Covardia o que estão fazendo com
um ex-presidente da República. Nós vamos enfrentar a tudo e a todos. O que vale
para mim é a lei de Deus", declarou.
Claro que o vídeo repercutiu nos perfis das redes sociais da
grande mídia. E Moraes pediu explicações, ressaltando que o uso desses
artifícios para divulgar informações em redes sociais seria “burlar a medida,
sob pena de imediata revogação e decretação da prisão”.
A questão é que, de um ponto de vista semiótico-midiático, em
todos os lados não há interesse em submeter Bolsonaro a uma prisão preventiva:
a) Para o jornalismo corporativo, as alopragens políticas de
Bolsonaro são um gerador de crises, notícias, pautas, conteúdos e debates.
Como, por exemplo, a espiral interpretativa dos especialistas convidados pelos
canais de notícia para definir “liberdade de opinião” e as interpretações
jurídicas da extensão das medidas como “não dar entrevistas”, “falar” ou suas
informações serem “divulgados por terceiros”. O novelo interpretativo da
casuística jurídica torna-se interminável. Bolsonaro solto é geração de
conteúdo garantida.
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b) Para a mídia progressista pouco importa, terá sempre pauta
garantida. Afinal, Bozo é o “malvado favorito” – solto, será o estímulo para
discussões intermináveis sobre o porquê de Bolsonaro ainda estar livre. Claro,
sem colocar a judicialização da política e o STF em xeque. Tidos pelo campo progressista
a pièce de résistance contra o fascismo.
c) E para o Judiciário e seus juristas, o momento de se tornarem a
informação de pauta garantida para os desesperados produtores dos telejornais,
correndo atrás de “especialistas” disponíveis para agendar entrevistas ao vivo
para os “colonistas” dos canais fechados de notícias.
Por que, apesar de praticamente Bolsonaro pedir para ser preso
(ele foi o presidente que mais produziu provas contra ele mesmo), ele nunca o
é?
Às vezes as racionalizações do jornalismo corporativo entram em
curto-circuito. Como o ocorrido em uma edição do programa “Em Pauta”, da Globo
News nessa segunda-feira (21/07). Um dos debatedores, Demétrio Magnoli, entrou
em defesa da liberdade de expressão de Bolsonaro e contra uma prisão
preventiva.
Segundo ele, deixá-lo livre e falando seria até útil para o STF.
Pois, deixando-o falar, seria uma oportunidade de criar “provas contra ele
mesmo”... como ele acabou de fazer no Congresso... mas não é preso...
Um inacreditável raciocínio tautológico que apenas quer
racionalizar a necessidade real para a mídia: Bolsonaro é um insuperável
gerador de acontecimentos e notícias. É bom que ele fique solto, pelo menos até
as eleições. Mesmo inelegível.
Porque Bolsonaro é um ótimo termômetro político e gerador de
conteúdo para o jornalismo corporativo.
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