domingo, novembro 13, 2016

Curta da Semana: "Are You Lost In The World Like Me?" - o espelho negro do smartphone


Mais um protesto antissistema que parte do interior do próprio mainstream musical. É o vídeo-clip “Are You Lost In The World Like Me?” do DJ norte-americano Moby. Uma animação onde Disney parece se encontrar com Aldous Huxley. Um mundo distópico de tecno-fatalismo no qual todos são escravos dos verdadeiros espelhos negros narcísicos atuais representados pelas telas dos smartphones. Como todo produto industrializado que quer ser anti-establishment, forma e conteúdo estão em conflito – invoca o arquétipo do Estrangeiro (alienação e estranhamento) mas, ao mesmo tempo, cria um melancólico conformismo com a previsível estética da animação vintage e o retrô musical dos anos 1980. É a “Adgnose” na Publicidade atual.

Depois de o cantor, compositor, DJ e produtor norte-americano Moby defender os direitos dos animais, dar um “foda-se” em um álbum punk rock ao mainstream que não aceitava a legitimidade da música eletrônica e publicar o livro Porcelana (sobre autodescoberta e abuso de drogas no cenário da música eletrônica nos 90s), agora ele alerta: “todos os sistemas estão caindo!”.

É o vídeo-clip Are You Lost In The World Like Me?, teaser para o seu último disco com nove canções chamado Moby & The Void Pacific Choir.

O vídeo é uma animação vintage e satírica sobre a distopia tecnológica moderna, como se Disney se encontrasse com Aldous Huxley. “Nós precisamos abandonar esses sistemas. Agimos como nossos ancestrais agiram: lutando por comida, destruindo a natureza, matando animais, matando uns aos outros, mantendo sistemas que não mais funcionam há muito tempo”, diz Moby em um manifesto que acompanha seu disco.


 São curiosos esses manifestos antissistema que partem de dentro do próprio sistema – principalmente do interior da draconiana indústria musical, capaz de pulverizar quaisquer ameaças como foi há oito anos o processo judicial conta o Napster (programa de compartilhamento de MP3) com a ajuda de uma banda aparentemente “antissistema”: Metallica.

Curiosas e esteticamente interessantes como objetos de estudo, porque essa contradição acaba se refletindo nas relações forma/conteúdo do próprio produto musical.

No vídeo vemos um protagonista monocromático aparentemente imune ao fascínio do verdadeiro espelho negro narcísico contemporâneo: a tela do smartphone. Todos no mundo estão ignorando o assédio no metrô, cyberbullyngs, incêndios, violência e suicídios. E as pessoas se dirigem para abismos e buracos sem perceberem, porque todas estão mais preocupadas em ficarem curvadas, concentradas em seus dispositivos móveis.

Com uma atmosfera escura e claustrofóbica que lembra a Londres da distopia de Aldous Huxley, o alvo são redes sociais como o Instagram, aplicativos como Pokémon Go! E plataformas como o YouTube.

Mais do que um manifesto contra a escravidão tecnológica e assassinato de animais, a animação de Steve Cutts explora algo mais arquetípico: alienação e estranhamento com um mundo aparentemente familiar. É o arquétipo contemporâneo do Estrangeiro, a síntese da condição humana gnóstica de estarmos em um mundo que ontologicamente não nos pertence e não nos ama.

Em postagem anterior discutíamos como a Publicidade atual vem sistematicamente explorando arquétipos como uma moderna engenharia do espírito - as estratégias publicitárias atuais estão para além do comportamental, subliminar ou da captura das fantasias compulsivas ou impulsivas. Atualmente busca-se um nível mais profundo: o repertório da simbologia arquetípica da espécie humana. É o que denominamos de “Adgnose” – “advertising” + “gnosis”, iluminaçãoo espiritual – sobre um detalhamento maior desse conceito clique aqui.


A fase “Este é o produto, agora compre-o!” foi deixada no passado para, em seu lugar, consolidar-se a prospecção dos simbolismos mais profundos da alma humana que procura apresentar o consumo como uma experiência espiritual de autoconhecimento.

Mas isso cria uma contradição: diferente da Sombra (aqui no sentido junguiano), o arquétipo aspira à emancipação e realização, o que entra em confronto com a própria forma mercadoria que o promove.

Isso criará um conflito entre forma e conteúdo: a mensagem, com a sua inspiração arquetípica, tem que ser confinada por uma forma estética que a controle: primeiro deve inspirar, iluminar, motivar; para depois, conformar, resignar na forma ritualizada de consumo. Quebra da ordem e retorno à ordem.

Essa é a lógica desse vídeo-clip “antissistema” de Moby.  Apesar dos ícones atuais (smartphones, pokémon, aplicativos etc.), o clip explora um conteúdo bem arquetípico: a sensação de alienação e estranhamento em situações cotidianas e familiares. Por assim dizer, o clip cria comunicação ao explorar um conteúdo sagrado, espiritual e, portanto, contraditório à aparente normalidade cotidiana.

Mas vem o momento da resignação e retorno à ordem: o melancólico vintage da estética de animação do século passado, o retrô do estilo de música eletrônica electro – volta ao synth-pop dos anos 1980 de New Order, Depeche Mode ou Pety Shop Boys.

Aliás, bandas cujas letras também tematizavam a solidão, estranhamento e alienação, temas caros do pós-punk. Criaram aquilo que chamavam de “melancolia hiperativa”, tristeza e depressão dançantes. Dançando resignado, sozinho, olhando para a parede em um canto da pista de dança – o auge da estética “dark” da época.

 Are You Lost In The World Like Me é mais um exemplar da maliciosa estratégia publicitária da adgnose: invoca um arquétipo profundo como isca de motivação, para depois nos resignar em uma estética previsível.

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