Mais um
protesto antissistema que parte do interior do próprio mainstream musical. É o
vídeo-clip “Are You Lost In The World Like Me?” do DJ norte-americano Moby. Uma
animação onde Disney parece se encontrar com Aldous Huxley. Um mundo distópico
de tecno-fatalismo no qual todos são escravos dos verdadeiros espelhos negros
narcísicos atuais representados pelas telas dos smartphones. Como todo produto
industrializado que quer ser anti-establishment, forma e conteúdo estão em
conflito – invoca o arquétipo do Estrangeiro (alienação e estranhamento) mas,
ao mesmo tempo, cria um melancólico conformismo com a previsível estética da
animação vintage e o retrô musical dos anos 1980. É a “Adgnose” na Publicidade
atual.
Depois de o
cantor, compositor, DJ e produtor norte-americano Moby defender os direitos dos
animais, dar um “foda-se” em um álbum punk rock ao mainstream que não aceitava a legitimidade da música eletrônica e
publicar o livro Porcelana (sobre
autodescoberta e abuso de drogas no cenário da música eletrônica nos 90s),
agora ele alerta: “todos os sistemas estão caindo!”.
É o vídeo-clip Are You Lost In The World Like Me?,
teaser para o seu último disco com nove canções chamado Moby & The Void Pacific Choir.
O vídeo é uma
animação vintage e satírica sobre a distopia tecnológica moderna, como se
Disney se encontrasse com Aldous Huxley. “Nós precisamos abandonar esses
sistemas. Agimos como nossos ancestrais agiram: lutando por comida, destruindo
a natureza, matando animais, matando uns aos outros, mantendo sistemas que não
mais funcionam há muito tempo”, diz Moby em um manifesto que acompanha seu
disco.
São curiosos esses manifestos antissistema que
partem de dentro do próprio sistema – principalmente do interior da draconiana
indústria musical, capaz de pulverizar quaisquer ameaças como foi há oito anos
o processo judicial conta o Napster (programa de compartilhamento de MP3) com a
ajuda de uma banda aparentemente “antissistema”: Metallica.
Curiosas e
esteticamente interessantes como objetos de estudo, porque essa contradição
acaba se refletindo nas relações forma/conteúdo do próprio produto musical.
No vídeo vemos
um protagonista monocromático aparentemente imune ao fascínio do verdadeiro
espelho negro narcísico contemporâneo: a tela do smartphone. Todos no mundo
estão ignorando o assédio no metrô, cyberbullyngs, incêndios, violência e
suicídios. E as pessoas se dirigem para abismos e buracos sem perceberem,
porque todas estão mais preocupadas em ficarem curvadas, concentradas em seus
dispositivos móveis.
Com uma
atmosfera escura e claustrofóbica que lembra a Londres da distopia de Aldous
Huxley, o alvo são redes sociais como o Instagram,
aplicativos como Pokémon Go! E
plataformas como o YouTube.
Mais do que um
manifesto contra a escravidão tecnológica e assassinato de animais, a animação
de Steve Cutts explora algo mais arquetípico: alienação e estranhamento com um
mundo aparentemente familiar. É o arquétipo contemporâneo do Estrangeiro, a
síntese da condição humana gnóstica de estarmos em um mundo que ontologicamente
não nos pertence e não nos ama.
Em postagem
anterior discutíamos como a Publicidade atual vem sistematicamente explorando
arquétipos como uma moderna engenharia do espírito - as estratégias publicitárias atuais estão
para além do comportamental, subliminar ou da captura das fantasias compulsivas
ou impulsivas. Atualmente busca-se um nível mais profundo: o repertório da simbologia
arquetípica da espécie humana. É o que denominamos de “Adgnose” – “advertising”
+ “gnosis”, iluminaçãoo espiritual – sobre um detalhamento maior desse conceito
clique
aqui.
A fase “Este é o produto, agora compre-o!”
foi deixada no passado para, em seu lugar, consolidar-se a prospecção dos
simbolismos mais profundos da alma humana que procura apresentar o consumo como
uma experiência espiritual de autoconhecimento.
Mas isso cria
uma contradição: diferente da Sombra (aqui no sentido junguiano), o arquétipo
aspira à emancipação e realização, o que entra em confronto com a própria forma
mercadoria que o promove.
Isso criará um
conflito entre forma e conteúdo: a mensagem, com a sua inspiração arquetípica,
tem que ser confinada por uma forma estética que a controle: primeiro deve
inspirar, iluminar, motivar; para depois, conformar, resignar na forma
ritualizada de consumo. Quebra da ordem e retorno à ordem.
Essa é a lógica
desse vídeo-clip “antissistema” de Moby. Apesar dos ícones atuais (smartphones, pokémon,
aplicativos etc.), o clip explora um conteúdo bem arquetípico: a sensação de
alienação e estranhamento em situações cotidianas e familiares. Por assim
dizer, o clip cria comunicação ao explorar um conteúdo sagrado, espiritual e,
portanto, contraditório à aparente normalidade cotidiana.
Mas vem o
momento da resignação e retorno à ordem: o melancólico vintage da estética de
animação do século passado, o retrô do estilo de música eletrônica electro –
volta ao synth-pop dos anos 1980 de New
Order, Depeche Mode ou Pety Shop Boys.
Aliás, bandas
cujas letras também tematizavam a solidão, estranhamento e alienação, temas
caros do pós-punk. Criaram aquilo que chamavam de “melancolia hiperativa”,
tristeza e depressão dançantes. Dançando resignado, sozinho, olhando para a
parede em um canto da pista de dança – o auge da estética “dark” da época.
Are You
Lost In The World Like Me é mais um exemplar da maliciosa estratégia
publicitária da adgnose: invoca um arquétipo profundo como isca de motivação,
para depois nos resignar em uma estética previsível.