Festa importada
dos Estados Unidos da América, muitos criticam o Halloween como um
estrangeirismo desnecessário. Nos dias 26 (para os católicos) ou 27 de setembro
(para o Candomblé e a Umbanda), comemora-se o dia de São Cosme e São Damião,
mas, ao contrário do que acusam os críticos do sincretismo, o santo doppelgänger
também é fruto de hibridismos gnósticos e representa um arquétipo astrológico.
Quais as conexões entre o sincretismo católico de Cosme e Damião, Halloween e o
Dia de Finados?
Cosme e Damião teriam sido dois gêmeos árabes nascidos de uma nobre família
cristã por volta de 260 d.C. Tendo
estudado medicina na Síria, foram atuar na Egeia, (atual Ayas, no Golfo de Iskenderun) onde tratavam dos enfermos sem lhes cobrar um tostão, embora não
fosse essa a moeda corrente na época. Tal atitude os rendeu a alcunha de
anárgiros (Ανάργυροι ou anargyroi em nossos caracteres),
sendo an- o prefixo de negação e argiros equivalente a argentum, prata, que funciona como
sinônimo para dinheiro.
Como suas curas eram inacreditáveis,
começaram a ganhar fama de milagreiros. O imperador Diocleciano (clique aqui) decretou sua prisão, sob
acusação de praticarem bruxaria. Condenados à morte em 303 d.C., foram
colocados contra um paredão, crivados de flechas e apedrejados por quatro
soldados sendo, em seguida, decapitados.
Tendo se tornado mártires, entre 526 e
530 d.C., o Papa Félix IV ergueu uma basílica em Roma em nome dos gêmeos e o
imperador Justiniano repetiu o feito, por volta de 530 d.C., quando ergueu uma
igreja-mausoléu em Constantinopla, assim como feito para o suposto Jorge de
Capadócia.
Acta e Passio, a duplicata dos gêmeos
O curioso é que a Igreja Católica
critica o fenômeno do sincretismo, tendo sido ela própria a responsável por ele
(dada a erudição de seus jesuítas que perceberam as óbvias correlações entre os
arquétipos) e fruto do mesmo, já que seus santos e mártires (quando não inventados pela hagiografia criada a
partir do século XVII) substituem deuses pagãos, e, seus respectivos feriados,
as festividades dos mesmos. Originalmente, seus nomes eram Acta e Passio e não se
sabe como vieram a se tornar Cosme e Damião. Ao menos, este que escreve não
conseguiu encontrar o elo perdido entre as nomenclaturas.
Agora, sejamos menos crédulos e mais
analíticos. Acta significa "feitos" ou
"façanhas"
e Passio, "sofrimento" e "capacidade de aguentar". O termo deu origem às palavras "paixão" e "passional" e não é à toa que o martírio
de Jesus é chamado "Paixão de Cristo".
Ambos os nomes sugerem que os gêmeos atuavam e sofreram martírio, como reza a
lenda. Além disso, sua relação sugere uma homeostase, uma espécie de yin-yang
onde um gêmeo é ativo e o outro, passivo.
Ao se tornarem Cosme e
Damião, tais nomes não foram escolhidos ao acaso, tampouco sua data de
comemoração. Cosme vem do grego Kósmos,
"ornamento" ou "enfeitado", daí o termo "cosmos",
pois o céu noturno é enfeitado de estrelas, e Damião vem do grego Damianós, "domador" ou
"aquele que acalma, apazigua" (já que era capaz de aplacar as dores
dos enfermos), e também "popular",
de Demos, "povo". Para a
Igreja Católica, seu dia é comemorado em 26 de setembro e o dia seguinte, 27, é
sagrado para os cultos afro-brasileiros. Nesse período o Sol (com
inicial em maiúsculo por se tratar, não da estrela de 5ª grandeza, mas do
planeta na astrologia) está em Libra, o signo mais
enfeitado e mais popular.
Os Ibejis: a versão afro do mito
No Brasil, Cosme e Damião foram
associados aos Ibejis, filhos de Xangô e Iansã ("sincretizados" como Santa
Bárbara e São Jerônimo) duas
entidades gêmeas do Candomblé que realizavam desejos e resolviam problemas em
troca de doces, mas poderiam reverter o pedido e "bagunçar
o coreto" caso lhes fossem negadas as
guloseimas; algo muito próximo ao Halloween
norte-americano.
Assim, Erê e Curumim aparecem
com mais uma figura entre eles: Doúm.
Essa tríade recebe como oferenda o Caruru
de Santo, servido a sete crianças de no máximo sete anos, para que comam
com as mãos.
De acordo com o mito, um dos gêmeos
morreu quando brincava na cachoeira. O irmão sobrevivente pediu para se
encontrar com o outro no céu, e Orunmilá
deixou a imagem de barro que representava a união eterna entre ambos. Tal mito
é bastante semelhante ao mito grego de Castor
e Pólux, dois gêmeos resultantes do
quase ménage a trois de Leda (rainha de Esparta), Tíndaro (rei de Esparta) e Zeus.
Acontece que Leda fora fecundada por
seu marido, mas pulara a cerca para praticar zoolagnia com Zeus, transformado
em cisne. Após dar à luz um ovo, deste nasceram os gêmeos, sendo Castor, filho
do rei, (domador de cavalos, o significado de Damianós) e Pólux, filho de Zeus (um guerreiro, filho do deus dos
céus, o cosmo). Em uma batalha contra dois outros irmãos, Castor é morto por um
destes e seu irmão, imortal, pede a seu pai, Zeus, que ressuscite seu irmão.
Como não podia contrariar a vontade de Hades, seu irmão e soberano do mundo dos
mortos, foi forjada uma barganha, onde ambos poderiam dividir sua imortalidade,
desde que cada um passasse metade do ano no Reino Inferior. Tal feito deu
origem à constelação de Gêmeos e ao arquétipo do signo.
O Samhain: o encontro entre os homens e os
changelings
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Assim como os Ibejis realizavam milagres ou distribuíam sortilégios à medida que
recebiam ou não suas oferendas em doces, o Halloween
surgira no mundo anglófono sob outro epíteto: a celebração celta irlandesa
conhecida como Samhain, entre o período de 800 a.C. e 600 a.C., que significa "fim do verão" e
durava três dias, a começar do dia 31 de outubro, para celebrar a abundância
após o período de colheitas.
Durante tal período, a película que separa o nosso
mundo do mundo espiritual era rompida ou, ao menos, tornava-se mais fraca,
diáfana, deixando que os habitantes do mundo espiritual abandonassem
temporariamente o Sídhe, o aglomerado de colinas onde habitavam as fadas e elfos;
uma espécie de Arcádia.
Em 13 de maio de 609, o Papa Bonifácio IV converteu o
tradicional templo conhecido como Panteão
em uma igreja, dedicada à Virgem Maria e a Todos os Santos. Em 835 d.C., O papa Gregório IV transferiu a
celebração para o dia 1º de novembro, tendo sido decretada em 1475 por Xisto IV, hoje, Dia de Todos os
Santos, do original, Festum Omnium
Sanctorum.
Halloween e sincronicidade
Em 1745, surge o primeiro
relato do termo Halloween, sendo
derivado da expressão All Hallows´ Eve, sendo Hallow, "santo"
e Eve, "véspera", ou seja, a Véspera de Todos os Santos. Sendo
originalmente uma festividade irlandesa, foi levada aos Estados Unidos após a
Grande Fome, que assolou a Irlanda em 1845, forçando uma forte migração de um
país para o outro.
Desnecessário dizer que a
Grande Fome trouxe consigo mais um dos Quatro cavaleiros, a Morte. E, tanto o
Dia de Todos os Santos (todos
mártires) quanto o Dia de Finados (2 de novembro) ocorrem quando o Sol está em
Escorpião. Sendo o signo correspondente à décima terceira carta do Tarô, a
Morte, não é por acaso que ambas as comemorações – se é que se pode chamar
assim – ocorrem em tal data. Sendo o décimo primeiro mês do ano, somando-se ao
algarismo do dia, temos 13, o número da carta. O dia original de Todos os
Santos instituído por Bonifácio IV também era 13. Coincidência?
Ou seja, o mito de Cosme e Damião é,
assim como o de São Jorge e tantos outros, mais um plágio descarado da Igreja
Católica Romana. O mesmo não ocorre com relação aos Ibejis e Castor e Pólux,
sendo tal sincronicidade mais uma prova cabal do Inconsciente Coletivo. O Dia
de Finados nada mais é do que uma adequação às efemérides astrológicas como um
marco da supressão dos deuses pagãos. Feliz Dia dos Mortos.
Claudio Siqueira é Estudante de Jornalismo, escritor, poeta, pesquisador de Etimologia, Astrologia e Religião Comparada. Considera os personagens de quadrinhos, games e cartoons como os panteões atuais; ou ao menos arquétipos repaginados.
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