Saem
bolivarianos e comunistas e agora entram terroristas islâmicos. Sim! Nós também
temos terroristas. “Células amadoras” onde o batismo é feito através de webcam,
compram armas do Paraguai pela Internet e pretendem fazer “treinos de lutas
marciais” a poucos dias dos jogos olímpicos, suposto alvo dos intolerantes
religiosos. Isso quem disse foi Alexandre de Moraes, ministro da Justiça, em
uma coletiva convocada numa atmosfera de pompa e gravidade. Uma “investigação
sigilosa” que, ao mesmo tempo, pode ser divulgada à Imprensa. E a grande mídia
repercute com seus correspondentes no Exterior para que, definitivamente, esse
País seja levado à sério. Esse é mais um exemplar de uma longa história de
“eventos-encenação” (Umberto Eco) que começa com o casamento de Lady Di e Príncipe
Charles, passando pelos mísseis jogados no Sudão e Afeganistão por Bill Clinton
para desviar a atenção de um escândalo sexual em 1998 até essa desajeitada
estratégia do governo Temer repleta de contradições, timing e oportunismo, com
direito a foto de um “terrorista de paintball”.
No ápice do
escândalo sexual do presidente Bill Clinton envolvendo uma estagiária e
charutos em pleno Salão Oval da Casa Branca em 1998 e a ameaça de sofrer um
impeachment, o Governo respondeu ao ataque terrorista a duas embaixadas
norte-americanas na África com um ataque de mísseis de cruzeiro contra alegadas
posições terroristas no Sudão e Afeganistão. Muitos analistas viram nessa ação
uma estratégia para derrubar a pauta midiática do escândalo. O Departamento de
Estado falou que tudo foi “mera coincidência”.
E naquele mesmo
ano era lançado o filme Mera Coincidência
(Wag The Dog) que acompanha um
presidente também envolvido em escândalos sexuais que precisa reverter a agenda
da mídia a poucas semanas do final da campanha da reeleição. Contrata um
conselheiro de relações públicas e um produtor de Hollywood para produzir uma
guerra fictícia envolvendo supostos terroristas albaneses em guerra
cenográficas em chroma key e muitos
vídeos “vazados” para os telejornais – sobre o filme clique aqui.
Tanto na
realidade como na ficção, esses exemplos tratam de dois elementos fundamentais
na política: o timing e o oportunismo. E quando esses dois
elementos estão presentes simultaneamente em um fato político há 99% de
possibilidade de tudo ter sido manufaturado, seja em uma False Flag, Inside Job, factoide, pseudo-evento ou um
evento-encenação.
Filme "Mera Coincidência" (1998): terrorismo em chroma key |
A poucos dias do
início das Olimpíadas no Rio, o ministro da Justiça Alexandre de Moraes convoca
a imprensa e anuncia que a Polícia Federal prendeu um grupo de dez brasileiros
que conversavam em aplicativos de comunicação, como o WhatsApp, sobre
intolerância racial, ódio e islamismo. E finalmente foram presos quando os
comentários passaram para “atos preparatórios”
como comprar arma pela Internet de uma loja paraguaia e planejar fazer
treinamentos de artes marciais.
Uma célula do
Estado Islâmico no Brasil? Sim, e para o ministro trata-se de uma “célula
amadora”.
A coletiva à
imprensa foi cercada com toda pompa e atmosfera de gravidade necessárias –
o ministro levantou a bola para ao longo do dia a grande mídia chutá-la para
frente através dos seus correspondentes internacionais, ávidos pela
possibilidade do Brasil também estar no circuito do terrorismo internacional e ser um país respeitado.
Sim! Nós também temos terroristas. Embora ainda “amadores”.
A coletiva: pompa e atmosfera de gravidade |
Eventos-encenação, telegenia e canastrice
Umberto Eco em
seu texto clássico Televisão: a
Transparência Perdida (texto do livro Viagens
na Irrealidade Cotidiana, Nova Fronteira, 1983) descrevia como a
irrealidade cotidiana estava sendo progressivamente transmitida por uma nova
forma de TV: a “neotevê” - aquela televisão onde a realidade deixou de ser
menos os fatos imprevisíveis e espontâneos do que aqueles habilmente produzidos
para se encaixar confortavelmente no script pré-estabelecido da grande mídia –
sobre esse conceito clique aqui.
Para Eco, o
casamento da família real inglesa (o “Royal Wedding”) em 1981 teria sido o
acontecimento inaugural: produzido e
roteirizado para ser telegênico e encaixado na grade de programação da BBC.
São os
“eventos-encenação” onde relações públicas, marqueteiros e jornalistas
transformam-se em consultores para a produção de eventos que consigam juntar em
um único lance timing e oportunismo.
Contando com a
rápida repercussão pela Neotevê. Afinal, os eventos-encenação têm appeal, telegenia e canastrice com
design cuidadosamente planejado para a mídia – reparem no personagem canastrão
criado pelo ministro Alexandre de Moraes:
um misto de Kojak com um estudado olhar grave que frequentemente entra
em conflito com sua fala gaguejante e engasgos constantes. Mas diferente do
ministro, o velho Kojak da série dos anos 1970 era um policial que não se
levava a sério...
Ministro da Defesa: pronto para a ação em seu colete de campanha... |
Eventos-encenação são contraditórios
De início, um
evento-encenação apresenta muitas contradições pela sua natureza esquizofrênica:
embora encenada, tem que aparentar espontaneidade e a fatalidade do destino.
(a) A expressão
“célula amadora” ‘e uma contradição de termos: “célula”, um conceito tático de
um movimento político organizado, com característica “amadora”. O ministro teve
que criar um conceito inusitado para a mídia engolir a história de jovens se
comunicando no WhatsApp e comprando armas pela Internet;
(b) O ministro
declarou que nomes dos brasileiros seriam mantidos em sigilo para, segundo ele,
assegurar o êxito das novas fazes de investigação. Como é possível sigilo em
uma ação já amplamente repercutida na mídia pelo próprio ministro. Na Europa e
em países acostumados a lidar com atos terroristas, as investigações são sempre
mantidas em sigilo para que não sejam atrapalhadas e nem crie pânico
desnecessário.
(c) A necessidade
da prisão do grupo suspeito veio a partir do momento em que passaram para “atos
preparatórios”. A poucos dias das Olimpíadas a “célula” decide (ou foi
“acionada”) partir para ação, comprando armas pela Internet e decidindo treinar
“artes marciais”. Tudo em cima da hora, numa ação que, mesmo para aqueles que
assistem a filmes de ação (provavelmente a formação da “célula amadora”), sabem
que uma ação terrorista num evento dessa magnitude levaria meses para ser
planejada.
(d) As prisões
foram feitas com base em uma única evidência: conversas em aplicativos como
WhatsApp. Mas não estamos no país onde juízes tiram o serviço do aplicativo do
ar como sanção pelo serviço não fornecer à Justiça os registros de conversas
entre usuários? Essa contradição foi apresentada ao ministro na coletiva.
Alexandre de Moraes gaguejou mais do que o normal.
Agora vamos ao
núcleo político de um evento-encenação: timing e oportunismo. Evento que de tão
conveniente, passamos a nos perguntar: quem sai ganhando?
Evidências de encenação
Manchetes de
jornais e imagens telejornalísticas morderam a isca oferecida pelos ministros da
Defesa e Justiça e desenvolveram a habitual narrativa clichê: brasileiros
barbudos, convertidos ao islamismo e, ainda, um deles respondia dúvidas sobre
aulas de árabe em um grupo no WhatsApp.
Mas chega a forçar a barra no limite da irresponsabilidade ao transformar um “terrorista de paintball” em ameaça real aos jogos olímpicos. Em rede social um internauta mostrou a foto utilizada
por veículos de comunicação e autoridades na qual um dos suspeitos parece
empunhar uma arma de grosso calibre. Essa foto é comparada com a original, sem
o corte de enquadramento. Percebemos que a arma é nada mais do que um
equipamento usado em paintball para disparar pequenas bolas de tinta nos
adversários do jogo - sobre isso clique aqui.
Nada como uma
arma escura e um rosto barbado e “étnico” para criar uma ameaça pública...
Timing
A convocação
emergencial de coletiva a imprensa veio em momento perfeito - com direito a
imagens na TV com o ministro da Defesa Raul Jungmann vestindo uma espécie de
colete de campanha e dando novas declarações esquizofrênicas (falava em “calma”
e “segurança” após a fala grave e gaguejante de Alexandre de Moraes)
acompanhado de militares com roupas de camuflagem como “papagaios de pirata”.
Tudo acontece
após o massacre em Nice e a poucos dias dos jogos olímpicos. E também em meio a
um ataque em um shopping em Munique, Alemanha. Isso após um outro ataque a
machado em um trem em Würzburg, também Alemanha – e, como sempre, o
“terroristas” ou se matam ou são mortos no final pela polícia – sobre como
identificar o script de um False Flag clique aqui.
Como sabemos, um
Estado autoritário deve sempre contar com um inimigo externo para criar
legitimidade pelo medo e terror. O atual governo interino de Michel Temer sabe
que a sua missão é amarga e ingrata: enfiar goela abaixo do populacho todas as
medidas neoliberais antipopulares, antissociais e anti-trabalhistas – Estado
mínimo e financismo máximo.
Bolivarianos e
comunistas perderam a força de apelo que levou milhares de camisas amarelas às
ruas. Agora é o momento de criar um novo inimigo: o poder do Estado Islâmico
arregimentar brasileiros através da Internet. Terroristas e homens-bombas
estariam entre nós. Muito embora eles já estejam há anos aqui com o crime
organizado (PCC) que explode caixas eletrônicos e corrompe a Polícia Militar.
Oportunismo – quem ganha?
O impeachment da
presidenta Dilma deve ir a julgamento final em agosto, em meio aos jogos
olímpicos do Rio. Elevar o alerta de terrorismo é a clássica estratégia de
desvio da atenção no momento em que jornalistas e o mundo inteiro estarão olhando para o Brasil.
O fato de Dilma
não ter renunciado e ter se convertido em uma “denúncia viva” do golpismo
brasileiro ao viajar pelo País e dar entrevistas a correspondentes
estrangeiros, transformou-se num problemas de relações públicas para o governo
interino.
Um alerta de
terrorismo é conveniente para derrubar a pauta midiática atual concentrada em impeachment + crise econômica
+ Lava Jato.
Além disso, ganha
também a grande mídia, principalmente a TV Globo. Nos últimos anos de queda de
audiência vertical pela concorrência da Internet e tecnologias de convergência,
é facilmente perceptível no seu telejornalismo a demonização da Internet: terra
de ninguém onde ocorrem golpes financeiros, pedofilia, pornografia, pirataria
vício, dependência, Deep Web etc.
E agora, além de
torcidas organizadas de futebol que marcam encontros violentos pelas redes
sociais, temos o Estado Islâmico cooptando brasileiros com “batismos virtuais”
diante de um estandarte negro
transmitido por webcam.
Para uma emissora
como a Globo que sempre sentou em cima de mercados de novas tecnologias para
evitar concorrência com a TV aberta (vide o caso da TV por assinatura nos anos
1990-2000), o governo Temer poderá trazer as condições ideais: crise econômica
e recessão para forçar todos, com dinheiro curto, ficarem em casa e ter a TV
como única fonte de entretenimento; e demonização das ameaçadoras novas
tecnologias.
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