Que ligações existem entre as
ex-jornalistas Fátima Bernardes, Ana Paula Padrão, Friboi, os intervalos comerciais dos telejornais da
grande mídia, a holding J&F e o ministro da fazenda Henrique Meirelles?
Certamente ligações perigosas que constituem aquela área cinza do chamado
“conflito de interesse” no jornalismo. Desde o caso do milionário comercial da
Samarco veiculado no horário nobre dos telejornais, em plena crise humana e ambiental de
Mariana, as ligações perigosas entre anunciantes e conteúdo jornalístico têm se
ampliado. Agora, acompanhamos a massiva campanha publicitária da JBS Friboi,
com milionários cachês para artistas da Globo, e comerciais do Banco Original em
telejornais da grande mídia. Banco pertencente ao mesmo grupo (J&F) cujo
presidente do Conselho Administrativo desde 2012 até recentemente foi o atual ministro
da fazenda. A mídia estaria sendo silenciada com grossas verbas publicitárias?
Certa vez, nos meus tempo de faculdade de
jornalismo, Carlos Eduardo Lins da Silva (jornalista e pesquisador,
ex-correspondente internacional da Folha),
na época professor da disciplina Comunicação Comparada, disse para a minha
classe: ao fazer a análise de conteúdo de um telejornal, preste atenção nos
seus anunciantes.
Isso porque é comum associar manipulação da
informação com Governos e regimes totalitários. Mas em uma democracia,
normalmente não são governos que financiam as mídias mas anunciantes como
corporações, holdings e grupos empresariais. Muitas vezes os interesses dos
anunciantes não se limitam apenas a publicizar seus produtos e serviços em um
programa com altos índices de audiência – buscam também comprar o silêncio de
telejornais, desestimulando reportagens ou matérias investigativas que possam
atingi-los.
Principalmente quando o anunciante mantém relações
promíscuas com o próprio governo. Isso pode estar por trás do atual “case” do
Banco Original, onipresente nos
intervalos publicitários em diversos telejornais de várias emissoras,
principalmente da TV Globo – nessa emissora seus comerciais se repetem tanto em
telejornais locais (SPTV) quanto nacionais como Hoje e Jornal Nacional.
Começamos a coçar a
pulga que fica atrás da orelha quando sabemos que o atual Ministro da Fazenda
do governo interino de Michel Temer foi, até recentemente, presidente do
Conselho de Administração da J&F,
holding dona do Banco Original, JBS Friboi, Swift, Massa Leve, Vigor, Doriana,
Havaianas entre outras.
O Original foi criado
anos atrás para dar empréstimos aos fornecedores de gado do JBS. Depois de
chegar ao J&F, em 2012, Meirelles se envolveu no projeto de mudar o perfil
do banco para atrair clientes de alta renda para se tornar com um perfil
parecido com BankBoston, do qual foi presidente global nos anos 1990.
No primeiro mandato do
Governo Lula, Meirelles foi considerado a principal voz da equipe econômica. Coincidentemente,
na gestão petista o BNDES foi bastante generoso com o JBS Friboi com empréstimos de R$ 2,5 bilhões.
Hoje a credibilidade
do grupo está associada diretamente à atuação de Meirelles, primeiro como
presidente do Banco Central da Era Lula, agora como Ministro da Fazenda de
Temer.
“... mas a carne é Friboi?”
Desde então, o grupo
JBS Friboi empreendeu uma massiva campanha publicitária inserindo anúncios caríssimos no horário
nobre da TV pagando cachês milionários a artistas globais como Tony Ramos,
Fátima Bernardes e até para o vegetariano Roberto Carlos. Com direito a
viralizar o slogan “a carne é Friboi?” criando memes e o temor dos mais
paranoicos de abrir a geladeira e dar de cara com o ator global lhe fazendo
essa pergunta.
Essa espalhafatosa
campanha publicitária evidentemente tem o poder de amansar a grande mídia,
desestimulando qualquer ímpeto jornalístico investigativo que possa revelar as
perigosas ligações desse sucesso empresarial turbinado com financiamento
público.
O que lembra o recente
episódio do milionário comercial da Samarco (de triste memória associada à
catástrofe ambiental e humana em Mariana/MG) inserido no horário nobre e no
programa Fantástico da Globo criando um evidente “conflito de interesse”:
Samarco patrocinando telejornais que supostamente deveriam ser imparciais nas
reportagens investigativas sobre a responsabilidade da empresa na tragédia
mineira.
Agora a vez é do Banco
Original, depois de investir R$ 600 milhões em sua plataforma digital para
oferecer crédito e investimento em operações totalmente fechadas pela Internet.
Essa ação coincidiu com o momento em que o nome de Meirelles passou
ostensivamente a circular no meio político como forte candidato a integrar o
governo Temer.
Meirelles estava tão
envolvido com o projeto que quase se tornou o garoto-propaganda da campanha
publicitária. Ideia abortada depois que se viu confirmado no cargo de ministro
da fazenda.
Primeira Ironia: “infotenimento”
As ligações perigosas
entre BNDES, JBS Friboi, J&F, Meirelles e grande mídia revelam curiosas
ironias.
Primeiro, a
promiscuidade entre telejornalismo e interesses empresariais, que parece
ampliar o apagamento das fronteiras midiáticas entre ficção e realidade. Essa
massiva investida da J&F nos meios de comunicação coincide com a onda
migratória de jornalistas para o mundo dos programas de entretenimento. Fátima
Bernardes e Ana Paula Padrão são os exemplos atuais onde jornalistas migram
para programas matutinos ou para o reality gastronômico MasterChef da Band.
A credibilidade angariada
no jornalismo é levada para o entretenimento para criar uma linguagem
paradoxal que procura tornar a ficção
mais “realista” ou “crível” - sobre essa tendência do jornalismo atual chamada
“infotenimento” clique aqui.
Fátima Bernardes
fazendo testemunhais dos produtos Seara e Ana Paula Padrão fazendo uma
entusiástica apresentação do aplicativo do Banco Original. Nos intervalos de
telejornais. O que acabou criando uma outra situação irônica: a ex-âncora do
Jornal da Globo aparecendo no comercial do próprio patrocinador do telejornal.
Segunda ironia: “cara dura”
E a segunda ironia é
que essas ligações perigosas que criam um evidente campo de conflito de
interesse é agora explícita, ou, para ser mais ostensivo, na “cara dura”. Se no
passado teses e dissertações em Teoria do Jornalismo discutiam essas questões
no âmbito da pesquisas e investigações que necessitavam de ferramentas
conceituais e de esforço físico do investigador em correr atrás dos dados, hoje
está tudo explícito e jogado diariamente na cara de todos os telespectadores.
O que parece ser uma
característica da atual Era Temer: um presidente foi deposto sob um pretexto
(“pedaladas fiscais”) que é tão insustentável que até o ministro do STF Gilmar
Mendes teve que confessar para jornalistas na Suécia que não houve nenhum crime
e que o impeachment foi uma iniciativa puramente “política” – eufemismo para
“golpe”, “coup” – sobre isso clique aqui.
E agora, mais um
exemplo para esse “espírito do tempo” atual com ligações promíscuas “na cara
dura” entre o ministro Meirelles e a grande mídia.
É irônico que em plena
era das informações em tempo real onde tudo está disponível 24 horas como um
gigantesco banco de dados, vivemos paradoxalmente a época de menor
transparência. Mesmo estando tudo visível e jogado diariamente na nossa cara. O
que lembra uma das teses do pensador francês Jean Baudrillard: “a mais alta
pressão da informação corresponde a mais baixa pressão do acontecimento e do
real”.
Esse é o espantoso
fenômeno da compra do silêncio midiático. Principalmente sabendo-se que, como
revelou o repórter Leandro Prazeres no site UOL, a J&F e JBS Friboi têm um
grande comprometimento com doações a campanhas políticas: em 2014 foi o maior
doador em patrocínio eleitoral com R$ 366,8 milhões, superando a construtora
Odebrecht (R$ 111 milhões) e o Bradesco – cerca de R$ 100 milhões.
Postagens Relacionadas |