quarta-feira, julho 06, 2016
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Por decurso de prazo e fim do prazo de
validade, depois de 30 anos lecionando e pesquisando na Universidade esse humilde blogueiro foi
demitido. Para espiar os demônios internos, nada melhor do que
dar uma olhada em como o cinema representa esse divisor de águas na vida de qualquer um. Representações alquímicas, mensagens motivacionais,
meta-demissões, cruel antropologia corporativa e mergulhos nas águas profundas
da rebelião, com direito a automutilação e chantagens, estão nas sete melhores
sequências de demissão no cinema recente selecionados pelo “Cinegnose”.
Sabemos que o cinema
surgiu como entretenimento na fase mais aguda da regularização das relações de
trabalho na história do capitalismo. Por exemplo, o chamado cinema slapstick (os filmes mudos ou “pastelão”
de Chaplin a Harold Loyd) surge no momento mais tenso das relações trabalhistas
e sindicais nos EUA.
E esses comediantes e
diretores começaram fazendo curtas para serem exibidos nos “Nickelodeons”,
formas primitivas de exibição compostas por pequenas salas de cinema no início
do século XX – com sessões contínuas frequentado por trabalhadores, migrantes e
desempregados que bebiam, fumavam e discutiam enquanto assistiam aos filmes.
Chaplin, Loyd, Alf Colins entre outros representavam personagens desempregados,
semiempregados ou biscateiros, sempre às voltas com a repressão policial e
vivendo no limite da legalidade.
Mais tarde o
personagem do “adorável vagabundo” de Chaplin ou as trapalhadas do Gordo e o Magro e Os Três Patetas continuaram essa tradição de anti-heróis que
desafiavam a Ordem, agora já em salas de cinemas maiores. Isso ser imposto o
Código Hays na indústria do cinema que enquadrou o conteúdo moral e ideológico
dos filmes.
Por isso o cinema
sempre viveu um movimento pendular entre quebra da ordem e retorno a ordem. O
que pode ser percebido nas representações que os filmes fazem sobre os momentos
das demissões: ou são representados como momentos motivacionais e de virada na
vida (“crise é oportunidade” e assim por diante); ou então de forma cínica e
neutra mostrando como a cultura corporativa tenta dourar a pílula; ou de forma
anárquica e explosiva onde o demitido subverte a ordem e põe as regras a seu
favor.
Uma pequena lista do Cinegnose das melhores cenas com
demissões no cinema e audiovisual com exemplos de movimento pendular das
quebras e retornos a ordem.
7 - Série Breaking Bad (2008-2013): demissão e
Alquimia
Ser demitido é um
processo alquímico radical de transformação. Walt transforma seu desespero
silencioso em redenção. Walter White é um professor de química do ensino médio
e depois atendente de lava-rápido que desenvolve câncer terminal na América do
seguro de saúde privado. Reagindo a uma série de injustiças que se acumulam,
Walt decideproduzir e vender
metanfetamina (a utilização mais útil da Química) a ter que aturar um chefe
idiota em seu segundo trabalho.
Uma das melhores cenas
de rebelião raivosa desta famosa série. Ao lado de filmes como Blue Velvet e Beleza Americana, é um dos melhores filmes de aplicação dos
conceitos alquímicos de transformação da matéria na vida pessoal de um
personagem. Como na Alquimia, a primeira fase é a de mergulho no caos (o “caldo
primordial”). E Walt mergulha de cabeça no submundo de dealers e drogados,
depois de dizer “Fuck You Bogdan. I said fuck you and your eyebrows”.Mais sobre alquimia e Breaking Badclique aqui.
6 - Amor Sem Escalas (2009): a meta-demissão
Com esse nome e o
sorriso irresistível de George Clooney se esperava um roteiro de mais uma
comédia romântica. Porém, o que vemos é um filme cínico e irônico, focado nos
dramas existências do mundo corporativo em um mundo ética e economicamente em
crise. Aqui, Hollywood vê a demissão de forma neutra e metalinguística.
O trabalho de Ryan Bingham (George
Clooney) é demitir pessoas. Por
estar acostumado com o desespero e a angústia alheios, ele mesmo se tornou uma
pessoa fria. Além disto, Ryan adora seu trabalho. Ele sempre usa um terno e
carrega uma maleta, viajando para diversos cantos do país. Até que o avanço
tecnológico volta-se contra ele, passando a viver a ameaça de cair numasituação análoga aos seus demitidos: seu
chefe contrata a arrogante Natalie Keener (Anna Kendrick), que desenvolveu um
sistema de videoconferência onde as pessoas poderão ser demitidas sem que seja
necessário deixar o escritório. Este sistema põe em risco o emprego de Ryan.
Um curioso roteiro com o
argumento da meta-demissão. É a mensagem cínica: na América das oportunidades
ninguém está livre de ter seu pedaço de queijo roubado.
Abaixo a sequência onde o novo sistema de demissão por video-conferência ameaça o emprego de Ryan.
5 - Larry Crowne – O Amor Está de Volta
(2011): demissão é motivação
Ao lado de atrizes como
Meg Ryan e Jennifer Aniston, Tom Hanks é outro queridinho da América. No seu
currículo filmes construtivos, motivacionais, sobre esforço e superação
individual numa América ávida por exemplos de luta e vitória.
Mostra como é possível
se reerguer após demitido. Como se redescobrir, viver novas aventuras e
descobrir como as pessoas ao redor são importantes para alcanças o maior
objetivo: viver feliz com aqueles que amamos.
A mensagem é se encher
de otimismo, apesar da crise econômica. Crowne é a representação máxima do
empregado esforçado e despedido por um detalhe: não tem diploma de nível
superior. Parte então para uma faculdade comunitária para viver uma comédia
romântica do self made man. Nesse
filme, Hollywood retorna à ordem numa América pós-crise da explosão da bolha
imobiliária de 2008.
4 - Queime Depois de Ler (2008): a Antropologia
Corporativa de John Malkovich
Na sequência inicial
vemos o agente da CIA Osborne Cox (John Malkovich) se dirigindo ao escritório
de seu superior onde estão outros dois diretores da agência com rostos
amarrados e olhar inquisidor. Ele recebe a notícia que está sendo “desligado”.
“De que porra você está falando?”, reage Osborne. “Você tem problemas com
bebidas”, acusa o diretor. “Você é mórmon? Perto de você todos têm problemas
com bebida!”, retruca Osborne. Enquanto o seu chefe suplica: “isso não precisa
ser desagradável!”
E no final, a indagação
de Osborne que é uma síntese de páginas e mais páginas de teses e dissertações
sobre Antropologia Corporativa: “Mas que raios é isso? Esqueci de beijar o rabo
de quem?”.
Nesses filmes os Irmãos
Cohen estão mais afiados do que nunca, mostrando o burlesco e o patético em
situações como essas.
3 - Network – Rede de Intrigas (1976): onde
os velhos não têm vez
Esse é um filme de uma
época disruptiva de Hollywood com produções apresentando anti-heróis instáveis,
obsessivos e paranoicos num momento de maturidade onde a arte consegue fazer um
diagnóstico do mal estar da sociedade norte-americana.
Sidney Lumet mostra o
drama “do primeiro homem a morrer pelos baixos índices de audiência”, Howard
Beale, veterano apresentador do telejornal da rede UBS. Há tempos a emissora
está no vermelho. Jovens executivos e uma diretora ambiciosa decidem demiti-lo.
Em pânico, Beale anuncia o seu suicídio, ao vivo, diante das câmeras, na
próxima edição do telejornal. A partir desse ponto tudo vira um freak show: a audiência dispara e os
discursos indignados de Beale viram a melhor atração que promete dar lucros
para a UBS. Beale vira um pastor televisivo.
Outro veterano, o chefe
do Jornalismo e amigo de Beale, Max (William Holden) quer leva-lo a um
psiquiatra antes que aconteça o pior, mas o ambiciosos executivos decidem
mantê-lo apesar do protesto. Dessa vez é Max que é demitido numa sequência onde
ele ameaça espalhar a sujeira para o jornalismo das outras redes. Diante do seu
chefe e da jovem diretora (Faye Dunway), com a qual tinha um caso, dispara:
“Digamos simplesmente... foda-se, meu docinho!”.
Na rede UBS os velhos
não têm vez e os jovens são capazes de autofagicamente destruir a emissora para
arrancar lucros e fazer bonito na reunião de acionistas - mais sobre o filme clique aqui.
2 - Beleza Americana (1999) – A chantagem
compensa
A partir desse ponto
começamos a mergulhar nas águas profundas da anarquia a rebelião. Primeiro com
o diretor Sam Mendes em Beleza Americana.
Como abandonar um
trabalho que você odeia? Com chantagem e um sorriso. Lester (Kevin Spacey)
consegue uma demissão com um ano de salario mais benefícios chantageando o
chefe “que comprava sexo com dinheiro da empresa, o que tecnicamente constitui
fraude que os cliente da empresa vão saber...”. “E sem falar a mulher do
Craig”, completa com um sorriso cínico.
“Sou apenas um cara
comum que não tem nada a perder”, completa Lester com a filosofia de Tyler
Durden em Clube da Luta vai
explicitar em um nível existencial: quando perdemos tudo é quando nos sentimos
mais livres” - mais sobre o filme clique aqui.
1 - Clube da Luta (1999) – a dor é libertação
Sem dúvida, o filme de
David Fincher apresenta uma das melhores cenas de demissão da história do
cinema onde o Narrador (Edward Norton) chantageia seu chefe agredindo a si mesmo.
Perplexos, testemunhamos um tour-de-force
de automutilação que caminha para a tênue fronteira entre o cômico e o
aterrorizante ao vermos ele perfurando o próprio rosto e se jogando em mesas
com tampas de vidro e prateleiras cheias de objetos cortantes.
“Está demitido!”, diz
o chefe após sofrer a chantagem do Narrador de contar ao Governo como a
companhia de seguro lesa os clientes. E como Lester em Beleza Americana, exige
salário e benefícios sem trabalhar. Para em seguida dar início a uma das cenas
mais perturbadoras da história do cinema. E no final os seguranças entrarem e
verem o Narrador ensanguentado ao pés do chefe com as mãos também ensanguentadas.
Vingança e chantagem!
É a síntese da filosofia do Clube da Luta: silenciar o corpo através da dor para que a mente se liberte desse “mísero composto universal”
do qual fazemos parte - mais sobre o filme clique aqui.
Cinegnose participa do programa Poros da Comunicação na FAPCOM
Este humilde blogueiro participou da edição de número seis do programa “Poros da Comunicação” no canal do YouTube TV FAPCOM, cujo tema foi “Tecnologia e o Sagrado: um novo obscurantismo?
Esse humilde blogueiro participou da 9a. Fatecnologia na Faculdade de Tecnologia de São Caetano do Sul (SP) em 11/05 onde discutiu os seguintes temas: cinema gnóstico; Gnosticismo nas ciências e nos jogos digitais; As mito-narrativas gnósticas e as transformações da Jornada do Herói nas HQs e no Cinema; As semióticas das narrativas como ferramentas de produção de roteiros.
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Coleção Curtas da Semana
Lista semanalmente atualizada com curtas que celebram o Gnóstico, o Estranho e o Surreal
Após cinco temporadas, a premiada série televisiva de dramas, crimes e thriller “Breaking Bad” (2008-2013) ingressou na lista de filmes d...
Segunda - Feira, 7 de Abril
Bem Vindo
"Cinema Secreto: Cinegnose" é um Blog dedicado à divulgação e discussões sobre pesquisas e insights em torno das relações entre Gnosticismo, Sincromisticismo, Semiótica e Psicanálise com Cinema e cultura pop.
A lista atualizada dos filmes gnósticos do Blog
No Oitavo Aniversário o Cinegnose atualiza lista com 101 filmes: CosmoGnósticos, PsicoGnósticos, TecnoGnósticos, AstroGnósticos e CronoGnósticos.
Esse humilde blogueiro participou do Hangout Gnóstico da Sociedade Gnóstica Internacional de Curitiba (PR) em 03/03 desse ano onde pude descrever a trajetória do blog "Cinema Secreto: Cinegnose" e a sua contribuição no campo da pesquisa das conexões entre Cinema e Gnosticismo.
Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, organizado pelo Prof. Dr. Ciro Marcondes Filho e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
Neste trabalho analiso a produção cinematográfica norte-americana (1995 a 2005) onde é marcante a recorrência de elementos temáticos inspirados nas narrativas míticas do Gnosticismo.>>> Leia mais>>>
"O Caos Semiótico"
Composto por seis capítulos, o livro é estruturado em duas partes distintas: a primeira parte a “Psicanálise da Comunicação” e, a segunda, “Da Semiótica ao Pós-Moderno >>>>> Leia mais>>>