sexta-feira, julho 01, 2016
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Onde foi parar o caderno de anotações
do físico sérvio Nikola Tesla, com segredos capazes de mudar o mundo? Está nas
mãos de agências do Governo? Corporações já aplicam seus segredos? Ou esses
segredos já são conhecidos por sociedades secretas como o Bohemian Grove? Ao
investigar um caso corriqueiro de infidelidade conjugal, um detetive barato
tropeça por acaso numa das maiores conspirações do século XX. Esse é o filme
“The American Side” (2016) onde nos revela como o personagem do Detetive sofreu
profundas alterações desde Sherlock Holmes de Conan Doyle: enquanto Holmes
contava com a lógica dedutiva, o detetive atual tem unicamente ao seu lado a
intuição, a experiência e paranoia que comprovam que a realidade em muito
supera a ficção. Por isso esse traços pós-moderno vão aproximar o Detetive da
mitologia gnóstica. Mais um filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.
Era uma vez o detetive, o herói da modernidade, com
sua mente privilegiada e infalibilidade. Esse personagem surgiu na literatura
no século XIX onde imperava a ciência e a crença da racionalidade do mundo. Com
seu raciocínio dedutivo implacável ultrapassava o véu das aparências e revelava
a verdade por trás dos enigmas, crimes e sombras. Sherlock Holmes de Conan
Doylefoi o representante dessa era.
Hoje, as ilusões e a desconfiança continuam, mas a
fé na dedução e na racionalidade se perderam. O detetive de Doyle foi
substituído pela figura do detetive particular barato, desiludido e alcoólatra
que a tradição do film noir criou.
Sem método, esse detetive tenta resolver enigmas e mistérios com a intuição e
experiência.
Mas esses mistérios
tornaram-se ainda mais espessos. Na verdade, tornaram-se verdadeiras
conspirações onde o detetive descobre que por trás de pequenos escroques,
assassinos e chantagistas escondem-se sociedades secretas, corporações e
confrarias sem rostos. Diante desses demiurgos o raciocínio dedutivo não mais
funciona: a própria razão faz parte da ilusão. O que torna todos nós detetives,
porque a existência inteira é uma conspiração de alguém que não nos ama.
O filme The American Side revisita esse
verdadeiro arquétipo contemporâneo do detetive cruzando com uma das maiores
teorias conspiratórias do século XX: o destino dos cadernos de anotações
perdidos do subestimado inventor e físico sérvio Nikola Tesla.
Assim como o detetive noir, Tesla acreditava muito mais na
intuição do que na ciência ortodoxa e pagou um preço caro por isso: foi
destruído pelos seus financiadores norte-americanos Westinghouse e JP Morgan,
quando estes se sentiram enganados ao descobrirem que Tesla usava o dinheiro
para pesquisar a energia livre e sem fios através da atmosfera – um
contrassenso aos interesses econômicos monopolistas.
Tesla morreu em 1943
solitário em um quarto de hotel em Nova York, financeiramente quebrado e na
companhia de um bando de pássaros. Seu precioso caderno de anotações com
apontamentos e diagramas teria sido confiscado pela inteligência militar
americana. Subprodutos das suas descobertas, em torno de 700 patentes, estariam
espalhados por todos os lados, do rádio e TV, passando pela Corrente Alternada
que conduz energia elétrica a distâncias, até chegar a componentes de
computadores. Tesla inventou o século XX – mais sobre ele clique aqui.
Mas a principal
invenção estaria cercada de mistérios: o chamado “raio da morte”, imortalizado
pela literatura pulp fiction scy fi
ao longo de décadas. Tesla acreditava que se ambos os lados tivessem a arma
seria criado um impasse estratégico e, por fim, a paz mundial. Porém, DARPA
(Defense Advanced Research Projects Agency), CIA e o complexo militar
norte-americano conspiram para tornar a arma unicamente propriedade do lado
americano.
Essa é a ambiguidade
do título do filme: refere-se ao lado americano das cataratas do Niágara onde
um dos personagens se matou; mas também é o esforço de uma conspiração
governamental para que a grande invenção de Tesla fique do lado dos EUA. E o
detetive anti-herói de The American Side,
sem querer, mergulha nessa trama sinistra onde só pode contar com sua intuição.
O Filme
Escrito pelo ator
principal Greg Sthur e dirigido por Jenna Ricker é uma aventura com diversas
referências que vão do film noir ao
suspense de Hitchcock, cheio de personagens obscuros e que fazem a delícia dos
cinéfilos. A narrativa gira em torno do caderno de anotações perdidos de Tesla,
procurado por luminares da ciência, FBI, CIA, DARPA e até por agentes da terra
natal do inventor, a Sérvia.
O detetive particular
Charlie Paczynski (Sthur) nunca sequer ouviu falar de Tesla e nem tem qualquer
interesse em aprender. É um detetive barato que fuma um cigarro atrás do outro
enquanto investiga casos de traição conjugal reunindo provas por meio de fotos.
Mas em um dos casos a
coisa foi mais longe do que imaginava. Ao tirar as fotos de um dos
investigados, Tom Soberin, em um encontro amoroso em um carro sob o neón de uma
roda gigante de um parque de diversões, tudo acaba terminando abruptamente com
um tiro matando a companheira. O que Charlie não sabia é que Soberin não era
apenas um velho mulherengo. Era um engenheiro mecânico que trabalhava para a
empresa Chase and Whitmore em um projeto secreto.
Ao investigar o
assassinato da amante de Soberin, Charlie cai em uma teia de espionagem
internacional. Todos estão à procura de uma página perdida do caderno de Tesla,
com projetos e diagramas de uma invenção capaz de mudar a geopolítica mundial –
o “raio da morte”.
Durante todo o resto
do filme acompanhamos uma trama complexa, e algumas vezes confusa: um professor
que supostamente se matou nas cataratas do Niágara se jogando dentro de um
barril (no “lado americano” das cataratas); uma engenheira sexy e brilhante
chamada Nikki, uma agente do FBI que pode não ser quem diz ser; um rico vilão
psicótico interpretado por Matthew Broderick que parece querer dominar o mundo
com as invenções de Tesla e sua irmã Emily que faz o jogo da donzela em perigo,
mas com alguma espécie de plano de revelar o projeto da energia livre e ilimitada
do inventor Tesla. E uma galeria de outros personagens suspeitos que apenas
servem de pistas falsas tanto para o detetive quanto para o espectador.
Charlie é paranoico,
somente se comunica através de telefones públicos e tem uma atração pelo lado
underground ou “perdedor” da sociedade. Quando no filme o comparam a Philip
Marlowe, famoso personagem dos filmes noir
interpretado por Humphrey Bogart, Charlie é seco – “prefiro Mike Hammer”, menos
conhecido detetive de histórias em quadrinhos dos anos 1950.
O Detetive
pós-moderno
Ao contrário do
detetive clássico que fundou a modernidade, o detetive pós-moderno vive no
submundo. Seus informantes são dançarinas e cantoras de boates, investigadores
da polícia que vivem na fronteira com a ilegalidade. As cenas pontuais do filme
são perseguições em estruturas industriais abandonadas ou à beira de abismos
que despencam nas cataratas do Niágara.
É a vida por um fio em
um mundo em ruínas. Em ruínas porque as aparências e as ilusões são destruídas
pelo detetive, mas não através de um método dedutivo. Mas sempre por meio de
coincidências, golpes. O detetive conta com o aleatório, o acaso.
O detetive pós-moderno,
mais paranoico e menos racional, funda-se nas experiências marcantes do
pós-guerra: as experiências das bombas atômicas em Nevada, o incidente da queda
de um suposto disco voador em Roswell, EUA, no auge dos avistamentos de OVNIS
na cultura pop nos anos 1950. Aliens? Área 51? Experiências secretas do
Governo? O Governo é dominado por aliens ou sociedades secretas? Ou é tudo a
mesma coisa?
Do
pós-moderno ao gnóstico
As linhas de diálogo
de The American Side chegam a citar o
famigerado Bohemian Grove, clube exclusivo da elite mundial localizado na Califórnia
onde, entre outras coisas, teria sido decidido o ataque nuclear ao Japão no
final da Segunda Guerra Mundial. Tudo em meio a estranhos rituais de culto aos
pés de uma gigantesca estátua de pedra na forma de coruja que remontaria à
adoração a uma entidade luciferiana babilônica chamada Moloch – sobre isso clique aqui.
Embora muito carregado
e caricato, o detetive Charlie aproxima-se do personagem gnóstico do Detetive,
aquele cuja desconfiança radical diante da consistência (ou racionalidade) da
realidade conduz ao estado alterado de consciência da paranoia: nessa
verdadeira falha da razão, o personagem se abre para a descoberta de conexões
impossíveis de serem descobertas por um método lógico.
Quando descobrimos os
verdadeiros demiurgos por trás da aparente banalidade e realismo do dia-a-dia
(os gigantescos interesses de corporações, governos e confrarias) tememos ter o
mesmo destino do físico e inventor Nikola Tesla. E nesse instante tomamos
consciência de que as “coincidências” e “acasos” fazem a realidade superar a
ficção.
Ficha
Técnica
Título: The
American Side
Diretor: Jenna Ricker
Roteiro:Greg Stuhr, Jenna Ricker
Elenco: Greg Sthur, Alicja Bachleda,
Camila Belle, Matthew Broderick, Robert Foster
Cinegnose participa do programa Poros da Comunicação na FAPCOM
Este humilde blogueiro participou da edição de número seis do programa “Poros da Comunicação” no canal do YouTube TV FAPCOM, cujo tema foi “Tecnologia e o Sagrado: um novo obscurantismo?
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Domingo, 6 de Abril
Bem Vindo
"Cinema Secreto: Cinegnose" é um Blog dedicado à divulgação e discussões sobre pesquisas e insights em torno das relações entre Gnosticismo, Sincromisticismo, Semiótica e Psicanálise com Cinema e cultura pop.
A lista atualizada dos filmes gnósticos do Blog
No Oitavo Aniversário o Cinegnose atualiza lista com 101 filmes: CosmoGnósticos, PsicoGnósticos, TecnoGnósticos, AstroGnósticos e CronoGnósticos.
Esse humilde blogueiro participou do Hangout Gnóstico da Sociedade Gnóstica Internacional de Curitiba (PR) em 03/03 desse ano onde pude descrever a trajetória do blog "Cinema Secreto: Cinegnose" e a sua contribuição no campo da pesquisa das conexões entre Cinema e Gnosticismo.
Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, organizado pelo Prof. Dr. Ciro Marcondes Filho e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
Neste trabalho analiso a produção cinematográfica norte-americana (1995 a 2005) onde é marcante a recorrência de elementos temáticos inspirados nas narrativas míticas do Gnosticismo.>>> Leia mais>>>
"O Caos Semiótico"
Composto por seis capítulos, o livro é estruturado em duas partes distintas: a primeira parte a “Psicanálise da Comunicação” e, a segunda, “Da Semiótica ao Pós-Moderno >>>>> Leia mais>>>