segunda-feira, julho 11, 2016

A Simbologia Alquímica em "As Tartarugas Ninjas", por Claudio Siqueira


Dia 16 de junho deste ano estreou nos cinemas o filme "As Tartarugas Ninjas: Fora das Sombras" (Teenage Mutant Ninja Turtles: Out of the Shadows). Após sua primeira edição em maio de 1984 pela editora Mirage Studios, os quatro esdrúxulos personagens tiveram diversas obras midiáticas envolvendo seu universo, de desenhos animados a videogames. Mas, desde o novo filme de 2014, é apresentada uma versão mais diferenciada entre os personagens. E com razão, já que os quatro diferem bastante não apenas em sua personalidade, mas nos elementos alquímicos que representam.

Quando criaram esse quarteto fantástico, Kevin Eastman e Peter Laird não imaginavam as proporções que seu pastiche iria tomar. A ideia inicial era fazer uma sátira do Demolidor "Frankmilleriano" (A fase do personagem escrita por Frank Miller), a começar pelo clã ninja responsável pelas atividades criminosas, o Foot Clan (Clã do Pé), claramente uma paródia com O Tentáculo (The Hand). Mas, a despeito dos elementos cômicos, são os elementos alquímicos que nos chamam a atenção no todo da obra. As Tartarugas Ninjas representam tanto os Quatro Elementos Alquímicos ocidentais, quanto os Cinco Elementos presentes na Alquimia e na Medicina Tradicional Chinesa.


Os Quatro Temperamentos


Quase cinco séculos antes de Cristo, Empédocles (490 a.C. a 430 a.C.) postulou os Quatro Elementos e Hipócrates (460 a.C. a 370 a.C.) desenvolveu a Teoria dos Quatro Temperamentos. Para o segundo, cada temperamento estaria correlacionado a um dos quatro elementos, sendo o Fogo, o temperamento Colérico, a Terra, o Melancólico, o Ar, Sanguíneo e a Água, o Fleumático.

Como a própria nomenclatura indica, o Fogo é facilmente tomado pela cólera (raiva), a Terra é mais melancólica, o Ar é elétrico, hiperativo e a Água mais preguiçosa, divertida e fanfarrona. 

As Tartarugas Ninjas e os Quatro Temperamentos


Para começo de conversa, vamos falar das máscaras-bandanas que vestem.


Leonardo, pela cor de sua máscara-bandana (azul), representaria a Água, mas, sendo o líder e, portanto, pragmático, a base do grupo, é a Terra.



Michelangelo, tanto por seu apetite voraz, que faria dele um “saco sem fundo”, quanto por seu temperamento fleumático, é a Água, enquanto Donatello, devido à sua bandana roxa (a cor mais escura e, portanto, mais densa), representaria a Terra, mas, sendo o pensador do grupo, está mais próximo do elemento Ar.


Raphael dispensa maiores apresentações, mas mesmo assim podemos traçar algumas considerações a seu respeito: sua bandana é vermelha e seu temperamento colérico condiz perfeitamente com sua representação.

A inicial de seu nome, a letra R, deriva do hebraico Resh, que, entre as 22 cartas do Tarô, equivale à carta do Sol. Outra letra do mesmo alfabeto, a vigésima primeira, Shin, possui diversos significados e várias atribuições (entre elas, o Fogo) e tem a forma semelhante a um tridente, o que fica explícito na arma que porta, um par de adagas Sai.

Zhang Fu, os Cinco Elementos Chineses


Diferente dos ocidentais e seus tradicionais Quatro Elementos, os chineses postularam a existência de cinco elementos, acrescentando mais dois – a Madeira e o Metal – e excluindo o Ar. A partir daí, criaram o Zhang Fu, ou Teoria dos Cinco Elementos, onde cada elemento é responsável pela geração e destruição de outros dois elementos enquanto é gerado por um e passível de ser destruído por outro.


No ciclo de geração, o Fogo (que queima pra cima), gera a Terra (que sedimenta, equilibra e serve de base). Esta gera o Metal (duro e inflexível), que gera a Água (que molha pra baixo), que por sua vez gera a Madeira (que se entorta e se endireita). O Fogo, entretanto, derrete o Metal, que corta a Madeira, que esgota a Terra, que obstrui a Água, que apaga o Fogo.

As Tartarugas Ninjas e os Cinco Elementos Chineses


Como as Tartarugas são ninjas (que são, originalmente, orientais), vamos aludi-las também aos cinco elementos chineses. Tudo bem, ninjas são japoneses, mas a China (assim como a Índia) é a base da cultura oriental assim como a Grécia é da ocidental. 

Leonardo tipifica o elemento Água, não só por sua bandana azul como pelo seu comportamento fluido, caracterizado pelo modo como luta com as Katanas. Resiliente, adapta-se a todo o tipo de batalha, adversário e situação, numa dramatização bem caracterizada da Arte da Guerra, de Sun Tzu, onde a máxima “(...) quando não puder contar com nenhum recurso, contará com todos.” se aplica perfeitamente ao personagem, o que faz dele o líder. Não fosse Bruce Lee imortalizar a máxima “Torne-se água.”

Raphael é o Fogo, pelos motivos supracitados. Michelangelo é a Madeira, que “se entorta e se endireita”, já que se trata de um galhofeiro de primeira, o mais irresponsável e fanfarrão do grupo. Donatello é o Metal, pois lança mão de tecnologia de ponta.


Mestre Splinter é um caso curioso, pois representa o elemento Terra, aquele que equilibra os outros quatro. Sendo o tutor e mentor do grupo, seu papel é o de equilibrar seus pupilos. Na astrologia chinesa, o Rato é o único signo regido pelo elemento Terra. Do ponto de vista dramatúrgico, no entanto, tanto Splinter como Shredder (Destruidor, no Brasil), zênite do grupo, personificam o mesmo personagem histórico: Hattori Hanzô, o Retalhador.

Hattori Hanzô, (o Retalhador), Shredder e Mestre Splinter


Hattori Hanzô, chefe de um clã da região de Iga, no Japão, foi um samurai conhecido por sua ferocidade em batalhas. Para distingui-lo de um samurai homônimo, foi-lhe dada a alcunha de Oni-Hanzô. Oni é um tipo de demônio importado do budismo chinês e é exatamente essa nomenclatura, posteriormente atribuída ao personagem histórico, que dá a tônica dos dois personagens.

Splinter significa “lasca”, enquanto o termo Shredder seria algo próximo de retalhador, numa tradução livre. Sendo cada um uma faceta do personagem histórico, um representa seu aspecto apolíneo e o outro, seu aspecto dionisíaco, como postulado por Nietzsche em A Origem da Tragédia.

O fato de Splinter significar “lasca” (e sua caracterização ser a de um rato humano, algo próximo a um mendigo), representa mais uma vez a máxima da Arte da Guerra, onde “(...) quando não puder contar com nenhum recurso, contará com todos.”. Também o aparente desleixo é um elemento dionisíaco, contrastando com a aparência viril e a postura egocêntrica e vaidosa de Destruidor, um traço apolíneo, posto que Apolo era o deus do Sol, sendo este, o representante alquímico do Ego nas escrituras antigas.

No entanto, a aparência desleixada de Splinter mascara sua real sabedoria, que o coloca numa potestade apolínea, visto que é um modelo de virtude a ser seguido, enquanto Destruidor possui uma postura autodestrutiva, entrópica mesmo; um traço dionisíaco, revelando o yin-yang apolíneo-dionisíaco dos dois personagens.

Claudio Siqueira é Estudante de Jornalismo, escritor, poeta, pesquisador de Etimologia, Astrologia e Religião Comparada. Considera os personagens de quadrinhos, games e cartoons como os panteões atuais; ou ao menos arquétipos repaginados.

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