segunda-feira, julho 11, 2016

Curta da Semana: "Home Suite Home" - hotéis, turistas e o exílio humano


Trinta anos vivendo a rotina de a cada noite se hospedar em um hotel fazendo críticas para guias de turismo. Vivendo numa torre de marfim de quartos de luxo, minibar e toalhas sempre limpas, Ludwig tem uma vida monótona que acabou se confundindo com o próprio trabalho. Mas algo se perdeu: a experiência de ser apenas um turista e saber que um dia voltará para sua casa. Mas onde está o lar de Ludwig? Ele tornou-se uma espécie de exilado de si mesmo. Esse é o curta “Home Suite Home” (2015) do holandês Jeroen Houben que dá mais uma contribuição à mitologia que o cinema construiu em torno de hotéis, do Overlook de “O Iluminado” de Kubrick ao “Grande Hotel Budapeste” de Wes Anderson. Dessa vez, o hotel como um microcosmo da gnóstica condição humana de exílio.

“Massas de homens levam uma vida inteira em desespero silencioso”, disse certa vez o filósofo e poeta norte-americano Henry Thoreau. Foi inspirado nessa frase que o diretor holandês Jeroen Houben produziu o curta Home Suite Home (2015), uma tragicomédia sobre a existência de um inspetor/crítico de hotéis.

O protagonista Ludwig há 30 anos viaja pelo mundo, todas as noites hospedado em um hotel diferente. Em um gravador ele registra suas impressões, críticas e acertos de cada hotel. O que para todo mundo são apenas resorts de luxo, para Ludwig é a sua realidade cotidiana: o minibar, os pequenos sabonetes, as toalhas sempre limpas, a chamada telefônica da portaria para acordá-lo etc. Em sua espécie de vida em uma torre de marfim, Ludwig atravessou anos de uma monótona rotina, sempre fazendo críticas ácidas sobre cardápios, vinhos e serviços de quarto.

O curta começa com uma interessante digressão sobre a função dos quadros nas paredes, como “janelas abertas para o mundo”, pequenos momentos congelados no tempo por onde podemos dar uma breve escapada da nossa rotina. Percebemos que Ludwig vive um desespero silencioso que parece mitigar fazendo críticas irônicas e tornando-se cada vez mais exigente em cada hotel onde se hospeda.


Mas tudo começa a mudar em um hotel em Paris: ele conhece uma jovem colega de profissão 20 anos mais jovem, Stella. Jovem e espirituosa, trará à tona um Ludwig romântico do passado, quando ainda se sentia como um turista longe de casa.

Hotéis no cinema


Do isolado hotel Overlook do filme O Iluminado de Kubrick à grandiosidade decadente do Grande Hotel Budapeste de Wes Anderson, o cinema tem uma longa tradição de narrativas centradas nessas residências transitórias para turistas. No cinema, deixam de ser meros hotéis, para se tornarem um microcosmo da condição humana.

Por isso Home Suite Home é um título com irônico trocadilho: Ludwig sente-se como um estrangeiro em ambientes aparentemente familiares. Seu “lar doce lar” não está em nenhum hotel mas ao mesmo tempo são as suítes onde pernoita. Mas o seu verdadeiro lar ficou em algum lugar que foi perdido nos 30 anos de trabalho sobre crítica de hotéis.

O curta tem um evidente tema gnóstico: a jovem Stella (Sophia?) que o despertará da sua condição de um silencioso desesperado que esqueceu onde está o seu verdadeiro lar. Ludwig quer voltar a sentir a condição de turista, aquele que é viajante mas sabe que, um dia, retornará para o seu verdadeiro lar.

Hotéis são bem elaboradas cenografias que tentam reconstituir o charme e requinte de épocas que se passaram. Mesmo os resorts contemporâneos pretendem trazer para o mundo real as imagens paradisíacas de filmes e cartões postais. Por isso, a vida de Ludwig se assemelha a de Truman no filme O Show de Truman, onde Jim Carrey vivia um prisioneiro alheio a uma gigantesca cenografia que o cercava.


O Estrangeiro


Talvez a condição de Ludwig seja ainda pior: sua profissão é avaliar os efeitos e serviços cenográficos dos hotéis. Como Truman, ele não trabalha, mas vive 24 horas uma vida que se confunde com o próprio trabalho. Mas ao contrário de Truman, Ludwig tem consciência disso e acaba se acomodando à gaiola dourada. Seu breve escapismo está nos quadros das paredes ou na ironia das críticas ácidas a cartas de vinhos e cardápios dos restaurantes.

Ludwig é o típico personagem gnóstico do Estrangeiro: aquele que vive em ambientes familiares, mas que, por algum motivo, sente o mal estar do estranhamento e da alienação.

De crítico ele anseia retornar à condição de turista. É claro que essa condição na atual indústria do turismo não possui nenhum valor crítico. O próprio turista se torna prisioneiro do pacote adquirido na agência de turismo e  também do impulso de querer ir para lugares que apenas confirmem as fotos do guia que já carrega. Reforçado, na atualidade, pela necessidade da sensação de imersão nos “lugares turísticos” com as indefectíveis selfies.

Ludwig anseia pela condição de se tornar, por assim dizer, um turista gnóstico: aquele que viaja por esse mundo, mas sabe que não pertence a ele. Seu lar doce lar não é uma suíte, está em outro lugar.

Talvez seja por isso que, mesmo depois de viajarmos para lugares sensacionais e exóticos, nos sentimos felizes ao retornar para o nosso lar. Como apresenta uma linha do diálogo do curta “você nunca saberá o que procura”.


Talvez Dorothy no filme O Mágico de Oz tenha razão quando diz: “não há lugar melhor do que o nosso lar”. Essa sensação após uma viagem sempre trás essa reminiscência nostálgica gnóstica – o fato de sempre estarmos com saudades de algo. E é essa sensação que a bela Stella/Sophia ajudará a despertar no protagonista Ludwig.


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