quinta-feira, junho 23, 2011

A "Paz Interior" do Kung Fu Panda

Fórmula do sucesso das animações atuais, Kung Fu Panda 2 explora simultaneamente temas infantis e adultos: para as crianças os arquétipos da separação e do abandono e, para adultos, o tema místico e religioso da “paz interior”, estranhamente associado ao ideário da autoajuda e da “Arte da Guerra” no melhor estilo do livro de Sun Tzu. Secretamente, a narrativa torna os dois temas complementares.

Fui com meus filhos em um shopping em São Paulo assistir à animação “Kung Fu Panda 2” dos estúdios da DreamWork. Não chega à excelência das animações da Pixar, mas também apresenta a grande virtude das animações atuais:  estórias que divertem e emocionam tanto as crianças quanto os pais. Talvez o principal fator da renovação das animações a partir do final dos anos 80 e, principalmente, a partir das animações digitais como "Toy Story", seja a habilidade dos roteiristas explorarem simultaneamente arquétipos com forte poder de evocação para crianças e muita intertextualidade com referências ou alusões para adultos.

Assim como em “Madagascar” que fazia alusão à sequência final do clássico “Planeta dos Macacos” de 1968 (a sequência em que o leão Alex esmurra a areia da praia com raiva diante de uma estátua da liberdade de palha que virou cinzas), também em “Kung Fu Panda” há várias referências aos clichês dos filmes de Kung Fu dos anos 70. Uma estratégia de intertextualidade que faz a delícia de adultos ao reconhecerem em animações infantis elementos imagéticos da sua geração.

Já para as crianças é voltada uma forte exploração de arquétipos, principalmente aqueles que envolvem o drama da separação e abandono (como os arquétipos do Inocente, do Órfão etc.).

Perguntei para meus filhos e, mais tarde, para outras crianças: qual a parte da estória em que mais se emocionaram? Unânime, a sequência onde o protagonista Po (o Kung Fu Panda) relembra do momento em que sua mãe foi obrigada a abandoná-lo, ainda bebê, em uma caixa de rabanetes para salvá-lo da fúria dos soldados do príncipe pavão Lord Shen (ele queria matar todos os ursos pandas do reino para que não se confirmasse uma profecia de que um guerreiro preto e branco o derrotaria).

Ao contrário, para os adultos a sequência mais emocionante foi a da batalha final onde o herói Po  finalmente domina a técnica da “paz interior” e consegue desviar as balas dos canhões. A partir daí relembra o trauma da separação dos pais e chega à solução sobre a sua própria identidade: “a única coisa que importa é o que você escolheu ser agora”. Po faz um acerto de contas com o passado, alcança o equilíbrio e se torna um verdadeiro “dragão guerreiro”. Dessa forma, a moral da narrativa faz um estranho mix entre uma noção “desinteressada” ou “mística” como a da “paz interior” (na tradição esotérica e religiosa identificada com a iluminação espiritual) e o acerto de contas com o passado como uma noção associada ao ideário da autoajuda.

segunda-feira, junho 20, 2011

A Disneyficação da Realidade no filme "Substitutos"


Através da ironia, o filme "Substitutos" (Surrogates, 2009) representa todo um submundo da cultura pop onde, do suicído à virtualização humana, o paradigma é o mesmo: a neutralização ou simplesmente a eliminação do fator humano por andróides ou mundos virtuais como forma de salvar o próprio planeta. Em outras palavras, despachar o homem para mundos virtuais enquanto a realidade é "disneyficada".

Em uma sequência do filme “MIB-Homens de Preto” (Men in Black, 1997) o agente Kevin (Tommy Lee Jones) introduz o novato agente James (Will Smith) na organização governamental MIB que controla as atividades de extraterrestres no planeta Terra. Kevin para diante de uma banca de jornais e começa a folhear tabloides com bizarras manchetes sensacionalistas. “Vamos ver os últimos relatórios”, diz Kevin.  Percebendo a estranheza de James, Kevin responde: “são as melhores fontes do planeta... às vezes também se encontra algo no New York Times”, reponde para um perplexo James que não entende como uma complexa agência governamental procure pistas em tabloides populares.

Dentro dessa espécie de “zub-zeitgeist” da cultura (representado por toda uma literatura de HQs, magazines, pulp fictions e gêneros fílmicos como sci-fi, horror e fantasia e seitas religiosas e tablóides) encontramos uma bizarra seita religiosa de Boston, EUA, chamada Church of Euthanasia. Seu lema é “Salve o Planeta, mate-se”. Suicídio, aborto, canibalismo e sodomia seriam as únicas formas de salvar o planeta do desastre ecológico ao evitar a procriação da raça humana, considerada o verdadeiro parasita da Terra.

Fundada em Massachusetts, a Igreja se define como “uma organização sem finalidade lucrativa devotada a restaurar o equilíbrio entre humanos e as espécies remanescentes sobre a Terra”. A Igreja ganhou a atenção da opinião pública ao publicar em seu web site instruções de “como matar-se por asfixia e gás helio”. As páginas foram retiradas do ar logo após uma mulher de 52 anos se matar seguindo as instruções, o que resultou em ações legais contra a igreja.

Tudo muito bizarro, mas se começarmos a seguir o método de investigação do agente Kevin descrito acima, veremos que toda essa espécie de submundo da cultura pop contemporânea reflete (de uma forma hiperbólica ou distorcida) algo de mais sério e real: uma agenda tecnocientífica contemporânea ou, para a nomenclatura desse humilde blog, uma “agenda tecnognóstica”.

quarta-feira, junho 15, 2011

Mais um Ciclista Atropelado em São Paulo: Por uma Politização do Tempo

As imagens de ciclistas ativistas prestando luto e homenagem a mais uma vítima de atropelamento fatal no conflito bikes versus carros em São Paulo, tudo em meio a buzinas de motoristas irritados pelo grupo “atrapalhar” o fluxo do tráfego, são simbolicamente chocantes.  Sintomas de algo mais profundo: o culto da velocidade e domínio do tempo como fim em si mesmo, estilo de vida capaz de negar a morte e o luto. Portanto, cabe aos ciclistas  politizar o tempo!

Após o atropelamento fatal do presidente da empresa Lorenzetti, Antonio Bertolucci, quando rumava de bicicleta para o seu local de trabalho, em São Paulo, ficaram duas imagens mostradas nos telejornais. A primeira, o capacete destroçado e a bicicleta retorcida, dando a dimensão da gravidade do atropelamento. E a segunda, a mais chocante pela brutalidade simbólica, a imagem das homenagens e luto de um grupo ciclistas ativistas no local do acidente, em meio as buzinas irritantemente insistentes de motoristas incomodados com a ocupação de parte da pista. Os motoristas nada mais enxergavam do que um grupo de desocupados prejudicando o tráfego que deveria ser mais veloz no local.

Respeito? Luto? Nada se sobrepõem à necessidade de fluxo, escoamento, velocidade. Como já discutimos em postagem anterior (veja links abaixo) sobre o atropelamento serial de ciclistas ativistas em Porto Alegre, esse conflito carro versus bicicletas é sintoma de algo mais profundo, de um paradigma tecnológico que chamamos na oportunidade de “bomba tecnológica”.

Nenhuma legislação ou projeto de ciclovias dará certo enquanto não politizarmos essa ideologia da Tecnologia: a velocidade e a lei do menor esforço como moralmente boas. Em outras palavras, a necessidade de correr contra o tempo (ou, pelo menos, o imaginário da corrida, já que cada vez mais não se consegue chegar de carro a parte alguma) como um valor intrinsecamente bom. Em última instância, devemos politizar o tempo.

terça-feira, junho 14, 2011

O Horror Metafísico na Série "Além da Imaginação"

Um contraponto ao atual filme “Agentes do Destino” (Adjustment Bureau, 2011) pode ser encontrado no episódio “A Matter of Minutes” da cultuada série “O Novo Além da Imaginação” (1985-89) onde o horror metafísico do conto original é mantido e desenvolvido. Ao contrário, em "Agentes do Destino" os elementos metafísicos e esotéricos do conto original de Philip K. Dick são apenas cenários para uma surrada estória de amor impossível.

Leitor desse humilde blog, Fábio Holfnik nos alertou sobre a existência de um conto da série “O Novo Além da Imaginação”  (“The New  Twilight  Zone, 1985-89, continuação da série original que foi de 1959 a 1964 apresentada por Rod Sterling na TV CBS nos EUA) chamado “A Matter of Minutes” que seria baseado no mesmo conto de Philip K. Dick (“Adjustment Team” de 1954) no qual se baseou também o atual filme “Agentes do Destino” (Adjustment Bureau, 2011) analisado em postagem anterior.

Na verdade esse conto da série televisiva baseou-se em conto de outro escritor de ficção científica norte-americano, Theodore Sturgeon, no conto “Yesterday Was Monday” de 1941. De qualquer forma há uma incrível similaridade temática com o conto de K. Dick e o filme “Agentes do Destino”. Essa adaptação televisiva de 1985 do conto de Sturgeon apresenta um interessante contraponto com a conservadora abordagem do filme “Agentes do Destino”.

Ao contrário do filme atual em cartaz em relação ao conto de K. Dick, o conto televisivo da série “Além da Imaginação” mantém o horror metafísico original do conto de Sturgeon.

Como vimos na postagem anterior (veja links abaixo), embora o filme “Agentes do Destino” mantenha a atmosfera paranoica e o misterioso trabalho dos agentes/arcontes, elimina o horror metafísico, isto é, o misto de horror e fascínio, repulsa e atração por uma situação (a abertura do tecido da realidade e do tempo) que desafia a toda racionalidade e religiosidade. Na narrativa parece que esse fato potencialmente arrasador se transforma em mero cenário para a estória da luta dos protagonistas pelo amor impossível.

Ao contrário, na adaptação televisiva do conto de Sturgeon para a série “Além da Imaginação” esse horror dos protagonistas é brilhantemente mantido.

sábado, junho 11, 2011

Filme "Os Agentes do Destino" Revela o Atual Conservadorismo Religioso de Hollywood

Embora inspirado em um conto do gnóstico escritor Philip K. Dick, o filme “Os Agentes do Destino” (The Adjustment Bureau, 2011) ignora o principal elemento da narrativa original: o horror metafísico do protagonista ao descobrir que o tecido da realidade se abriu e que, por trás, há um jogo cósmico onde somos meros fantoches.O resultado é o conservadorismo que elimina o que há de mais importante na religião: a experiência "numinosa". 

Desde a década de 80, Hollywood passou a ter um súbito interesse na obra do escritor de ficção-científica norte-americano Philip K. Dick. A partir do filme Blade Runner – O Caçador de Andróides (Blade Runner, 1982) baseado no livro “Do Androids Dream of Eletric Sheep?”, seguiram-se uma série de filmes inspirados em contos e livros do autor como o filme “O Pagamento” (“Paycheck”, 2003 – baseado no conto “Paycheck”), “Minority Report” (2002, baseado no conto “The Minority Report”) e “O Homem Duplo”(A Scanner Darkly, 2006 – baseado em livro homônimo).

O interesse pela obra de K. Dick (tão marcada pela paranoia e pela exploração gnóstica de realidades alucinógenas, a luta do indivíduo contra autoridades cósmicas superiores e o questionamento da moralidade convencional) demonstrou o interesse hollywoodiano em promover nas telas comerciais um gnosticismo pop, cujo auge foi a trilogia “Matrix”.

Todos os exemplos citados acima de adaptações da obra de K. Dick, foram bem sucedidas em manter o cerne gnóstico das suas especulações (o autor se autodenominava como “gnóstico”): a  natureza artificial daquilo que entendemos como realidade e a luta do homem contra autoridades ou divindades cósmicas que não nos amam e tentam nos aprisionar numa gigantesca conspiração. Não é o caso desse filme “Os Agentes do Destino” que, embora mantenha a atmosfera paranoica e os personagens “agentes do destino” (referência aos chamados “arcontes” na mitologia gnóstica), elimina o que há de estruturante na obra de K. Dick: o horror metafísico diante da descoberta de uma conspiração cósmica que há por trás do tecido da realidade.

quarta-feira, junho 08, 2011

Mister Maker: Um Sabor Gnóstico para as Crianças


Hit do canal infantil Discovery Kids, Mister Maker apresenta por trás das inovações narrativas um supreendente sabor gnóstico: simbolismos que remetem a uma nova sensibilidade infantil metalinguística. Na atualidade, as narrativas infantis adquirem cada vez mais conteúdos irônicos, conscientemente paródicos e reflexivos. As mitologias gnósticas parecem cair muito bem nesse universo.

Do nada surge Mister Maker (Phil Gallagher) em um fundo infinito branco. Ele se detém, pensa encolhendo os ombros e ... eureka!!! Uma idéia! Começa, então, a produzir diversos objetos em miniatura: sofás, prateleiras, mesas, janela, cortina, até construir uma pequena cenografia. Do alto observa, orgulhoso, a sua própria criação, com seus braços abertos envolvendo-a. De repente surge um efeito especial como uma poeira de estrelas e brilhos que envolve Mister Maker, trazendo-o para dentro da sua própria obra. A pequena cenografia transforma-se no cenário dentro do qual Mister Maker apresentará para a criançada suas invenções e trabalhos manuais.


Essa abertura do programa Mister Maker, do canal infantil Discovery Kids, tem uma simbologia sugestiva, no mínimo uma abertura inédita para um programa infantil desse gênero. Uma espécie de narrativa do gênesis é contada para sabermos de onde veio o universo comandado por Mister Maker.

domingo, junho 05, 2011

O Poder do Mito como Arma

Massivamente explorado na atualidade pela indústria do entretenimento, o poder do mito foi usado no passado pelas religiões não só para expressar as mais sublimes verdades, mas, também, como arma para destruir realidades artificiais e sistemas opressivos.

Os sistemas mitológicos acabaram perdendo esse poder ao serem reduzidos, na modernidade, a meras fábulas, mentiras, ideologias ou, simplesmente, em mercadorias que entretêm. No artigo do norte-americano Miguel Conner (escritor e diretor/apresentador do programa radiofônico “Aeon Bytes Gnostic Radio”, programa de debates e entrevistas semanais sobre temas do Gnosticismo, literatura e cultura pop) que reproduzimos abaixo, o autor inicia uma reflexão sobre a necessidade de resgatarmos a dupla função original do Mito: esotérica (revelação de verdades transcendentes) e política (como arma que denuncia o artificialismo das realidades mantidas por sistemas opressivos).  

A partir das reflexões sobre o Poder do Mito feitas pelo historiador Joseph Campbell, Conner vai desenvolver esse duplo aspecto de toda mitologia.

Historicamente, a segunda função foi intensamente explorada pelo Gnosticismo na sua luta por criar narrativas mitológicas épicas que resgatassem o “herói de mil faces” presente em cada um de nós como um combustível contra sistemas religiosos e políticos opressores. 

quinta-feira, junho 02, 2011

O Hiperpassado: a História como uma coleção de escolhas gratuitas

As representações pastiche e retro do passado feitas pelas mídias estão criando uma espécie de "passado genérico" onde a percepção subjetiva do tempo entra em contradição com o tempo cronológico criando um "presente extenso". Embora vivamos numa sociedade tecnológica cuja ideologia é a de que tudo muda mais velozmente do que em qualquer outra época, é paradoxal que o presente extenso crie um eterno aqui e agora onde o futuro se fecha a mudanças e o passado passa a ser uma coleção de escolhas gratuitas.


Em uma aula de Estudos da Semiótica na Universidade Anhembi Morumbi (São Paulo) estava discutindo com os alunos as características culturais e estéticas do Pós-Moderno. Apresentava dois trechos de dois filmes de ficção científica para fazermos uma análise comparativa: o primeiro, o clássico “Planeta Proibido” (Forbidden Planet, 1956) e o segundo o filme de 1979 “Alien”. Ambas com sequências narrando o pouso das naves em planetas desconhecidos. A ideia era a de discutir as diferentes concepções de futuro, a moderna e a pós-moderna.


Após exibir a sequência de “Alien”, um aluno, visivelmente espantado, perguntou de que ano era esse filme. “Nossa, esse filme parece tão atual...  esperava um filme parecido como o ‘Planeta Proibido’”, respondeu perplexo o aluno.

Esse espanto do jovem aluno fez-me cair a ficha: falar de moderno e pós-moderno é discutir o tempo e entender como as mudanças do espírito de época acompanham o tempo cronológico. Para ele, o ano de 1979 era muito “antigo”, afinal ele nem era nascido. Ele esperava de “Alien” mais um filme “tosco”, se possível em preto e branco. Mas se defrontou com efeitos especiais e de montagem semelhantes aos atuais. A sua percepção de tempo estava em contradição com a noção cronológica de tempo.

Em outra aula de Estudos da Semiótica, um grupo apresentou para classe um vídeo produzido por eles sobre a Teoria da Informação. Criaram uma narrativa onde um jovem do ano 1900 pegava uma máquina do tempo para cair na década de 40 onde encontrava Norbert Wiener (o criador da Teoria da Informação) que lhes explicaria a Teoria e suas aplicações. Para dar um ar de “antigo” (1900) ao personagem colocaram como áudio “As Quatro Estações” de Vivaldi, obra do século XVIII.

Essa contradição entre percepção e cronologia do tempo nada tem a ver com falta de conhecimento de História no sentido livresco. O que parece estar em jogo aqui é a mudança na percepção do tempo, uma alteração pré-conceitual em como percebemos o passado, presente e futuro.

sexta-feira, maio 27, 2011

Minissérie "Alice": O País das Maravilhas 150 Anos Depois

Como seriam o País das Maravilhas e Alice 150 anos depois? Certamente mais violentos:  ela faixa preta em karatê e a Wonderland um reino onde o castelo da Rainha é substituído por um cassino de onde comanda um esquema de rapto de seres humanos para que suas emoções sejam drenadas  e transformadas em matéria-prima para a produção de drogas. Essa é a versão atualizada do clássico de Lewis Carroll escrita e dirigida por Nick Willing, numa minissérie em dois episódios para o canal por assinatura Syfy. Uma surpreendente combinação da distopia pós-moderna com uma clássica narrativa a partir da mitologia gnóstica.

A minissérie para TV “Alice” (2009) é mais uma adaptação de clássicos feita por Willing como na produção anterior “Tin Man” de 2007 (“Homem de Lata”, baseado no “Mágico de Oz”) e atualmente, em fase de pós-produção, a minissérie para TV “Neverland”, uma adaptação de Peter Pan.

A protagonista Alice de Willing  (Caterina Scorsone) não é mais uma jovem garota inglesa, mas agora uma jovem na faixa dos 20 anos professora de karatê e que mora nos Estados Unidos. Tudo começa quando o seu namorado  Jack Chase (Philip Winchester) é estranhamente sequestrado. Alice persegue os sequestradores até o interior de um escuro galpão abandonado até dar de encontro com um espelho, através do qual cai numa espécie de “wormhole” que a conduz até o País das Maravilhas.

Wonderland continua dominado pela maldosa Rainha de Copas (Kathy Bates), mas o esquema de dominação é bem diferente do descrito no original de Carroll (ameaças constantes de cortar as cabeças e o dragão Jabberwocky). Diferente do regime de terror do passado, agora a Rainha domina através da estratégia da sedução.

Com a ajuda de uma organização secreta (a “Sociedade do Coelho Branco”, um mix de Gestapo e SS nazista) sequestram seres humanos (“ostras” como eles denominam) no mundo real trazendo-os através do espelho/portal. Na Wonderland são mantidos prisioneiros em um gigantesco cassino em estado de semi-inconsciência e euforia em jogos em que todos sempre ganham. Mantidos nesse estado de delírio e euforia pelos prazeres proporcionados pela gratificação instantânea artificialmente criada, sentimentos, emoções e paixões são drenados para que os “carpinteiros” (os cientistas e técnicos laboratoriais) destilem a essência em frascos que se tornam a droga e moeda de troca para os súditos da rainha.

sábado, maio 21, 2011

A Semiótica da Macumba

Os estudos da Semiótica confirmam,se não eficiência, pelo menos a lógica linguística da chamada “magia simpática” ou simplesmente “macumba”: a busca de contiguidade física de comunicação entre a ordem sobrenatural e feiticeiros ou xamãs e de objetos que criem relações de semelhança entre o despacho e a vítima/beneficiado. Paradoxalmente, é nas manifestações atuais de magia e religião por meio de mídias digitais (Internet e celulares iPhone) que encontraremos mais irracionalidade que nas formas arcaicas: como é possível a magia por meio de algoritmos cuja natureza é simbólica, arbitrária e fragmentada?

Essa postagem se originou em uma questão levantada por um aluno em uma aula de Estudos da Semiótica na Universidade Anhembi Morumbi.  Estava apresentando a tricotomia básica dos signos da Semiótica peirciana (de Charles Sanders Peirce, filósofo, cientista e matemático norte-americano  fundador da ciência dos signos, a Semiótica): índices, ícones e símbolos.  Descrevia o índice como o signo mais primitivo por fazer parte, inclusive, dos fenômenos naturais (a fumaça como índice do fogo ou o trovão como o índice do raio), além  de servir de orientação para os animais (através do olfato). Por ser sua percepção de natureza intuitiva, os índices têm forte presença nas sociedades chamadas de  “primitivas” onde são intensamente percebidos e se tornam sinalizadores cotidianos (mudanças atmosféricas, caça etc.). Um aluno questionou se as formas mágicas (“macumbas”, “despachos” etc.) primitivas também não seriam formas de ação humana carregadas de índices.

Essa questão iniciou uma interessante (e até divertida), por assim dizer, “análise semiótica da macumba”. No final, uma questão: como é possível práticas tão indiciais conviverem na atualidade em mídias simbólicas digitais (macumbas, despachos ou simpatias e até confissões de pecados on line até as formas secularizadas de magia como sessões de psicanálise ou vidências e tarot pela Internet)?

terça-feira, maio 17, 2011

Uma Trilogia do Tempo (3) – Filme “Contra o Tempo”


O filme "Contra O Tempo" (Source Code, 2011) é a primeira produção hollywoodiana do diretor inglês Duncan Jones (diretor da recente produção independente inglesa "Lunar" (Moon, 2009). Com esse filme fechamos essa Trilogia do Tempo, discutindo uma clássica narrativa gnóstica sobre o tempo e as limitações que uma produção hollywoodiana impõem a um "geek de ficção científica" como se autodefine Duncan Jones.

Colter Stevens (jake Gyllenhaal) repentinamente acorda em um trem em movimento, confuso sobre quem ele é como veio parar ali. Uma atraente mulher, Cristina (Michelle Monaghan), inicia uma conversa com ele, chamando-o de Sean.  Ele nega categoricamente conhecê-la, mas quando olha pela janela vê a si mesmo em um pálido reflexo no vidro como um homem estranho. 

Assustado, corre para o banheiro do trem e, para o seu horror, vê no espelho o reflexo de outro homem. Pouco tempo depois, o trem explode e Colter acorda preso em uma escura e fria cápsula em alguma base militar altamente secreta.
Colter está freneticamente confuso até a imagem de Collen Goodwin (Vera Famiga) aparecer em um monitor no interior dessa capsula e iniciar uma série de exercícios de memória para que ele lembre-se da sua identidade e localização. Colter (um capitão do exército cujas últimas lembranças eram a de estar em uma missão no Afeganistão) aos poucos vai descobrindo que ele faz parte de um projeto científico revolucionário chamado “Código Fonte”.

O projeto baseia-se no fenômeno da sobrevivência dos oito minutos finais da memória após a morte cerebral. O Dr. Rutledge (Jeffrey Wright), mentor do experimento, captura os oito minutos finais da memória de Sean Fentress e, através do programa computacional “Código Fonte” consegue com que Colter seja inserido nesses minutos finais repetidas vezes, através da identidade de Sean Fentress.

sábado, maio 14, 2011

Uma Trilogia do Tempo (2) - Filme "Déjà Vu"

Dando continuidade à nossa Trilogia do Tempo agora nos deparamos com o filme “Déjà Vu”, 2006. Nitidamente um reflexo do esforço de propaganda da política antiterror da era Bush Jr., o filme lida com dois elementos opostos: de um lado a concepção complexa do tempo como um hipertexto e, do outro, o heroísmo amoral do protagonista que enfrenta um vilão tão amoral quanto ele.

Desde os ataques de 11 de setembro o tema terrorismo é recorrente no cinema norte-americano.  Quem assistiu ao filme “Obrigado por Fumar”, (Thank You For Smoking, 2005, sobre as conexões entre o lobby da indústria tabagista e a mídia) sabe muito bem como a indústria cinematográfica norte-americana é um instrumento para pautar a opinião pública. Dessa maneira, a chamada “guerra ao terror” empreendida pelos dois mandatos do governo Bush Jr. teve Hollywood como importante veículo para essa verdadeira engenharia da opinião pública.

“Déjà Vu” (Déjà Vu, 2006) é mais um filme sobre ameaças terroristas só que, dessa vez, com um toque de ficção científica e um leve tom de misticismo (dado pelo tema do “déjà vu”). Mas, como todos os filmes sobre combate ao terror, é principalmente ação e a “amoralidade heroica” do protagonista (como vimos em postagem anterior, o principal traço do herói moderno – veja links abaixo).

Como ficção científica, “Déjà Vu” conta a estória de um projeto secreto do FBI em torno de uma tecnologia que permite acompanhar através de imagens e audio com detalhes o que aconteceu até quatro dias antes de um evento. O agente Doug Carlin (Denzel Washington) é chamado para descobrir o responsável por um atentado à bomba em um ferry-boat em New Orleans que mata 500 pessoas. A perspicácia de Carlin na investigação impressiona seus colegas do FBI que o convidam a participar do projeto secreto que poderá auxiliar na busca do terrorista responsável.

sexta-feira, maio 13, 2011

Uma Trilogia do Tempo (1) - Filme "Feitiço do Tempo"

Ao refletir sobre o tema da imortalidade, o roteirista Danny Rubin teve a idéia para o roteiro do filme cult "Feitiço do Tempo". A primeira vista o filme parece apenas mais uma comédia romântica, mas o inteligente roteiro vai colocar o protagonista numa espécie de imortalidade ao se ver prisioneiro de um bizarro fenômeno temporal. Com esse argumento Rubin bebe nas obscuras fontes das mitologias gnósticas sobre o Tempo e a Reencarnação.
O novo filme do diretor Duncan Jones, “Contra o Tempo” (Source Code, 2010), deu-nos a ideia dessa trilogia sobre o tema “tempo” no cinema. Com estreia prevista no Brasil para 17 de junho, as críticas descrevem esse filme como o resultado de um cruzamento entre o cult “Feitiço do Tempo” (Groundhog Day, 1993) e o mais recente “Deja Vu” (Deja Vu, 2006). No ano passado postamos  uma analise do filme anterior de Duncan Jones “Lunar” (Moon, 2009) onde observamos que essa produção europeia possuía uma clássica narrativa gnóstica (veja links abaixo).
Como veremos na terceira postagem dessa trilogia, o filme “Contra o Tempo” dá continuidade aos elementos narrativos e simbólicos gnósticos do filme anterior só que, dessa vez, com um orçamento maior inerente a uma produção norte-americana. O que significa dizer que Duncan vai se aproximar do gnosticismo pop de Hollywood.
O fato de a crítica apontar os filmes “Feitiço do Tempo” e “Deja Vu” (filmes com diversos elementos gnósticos) como inspirações para o roteirista de “Contra o Tempo”, Ben Ripley, demonstra o claro sabor de gnosticismo pop desse filme.
Portanto, nessa primeira postagem da trilogia vamos analisar o filme “Feitiço do Tempo”. Na próxima postagem vamos abordar “Deja Vu” para, ao final, fechando essa trilogia, analisarmos o filme “Contra o Tempo” de Duncan Jones.

sexta-feira, maio 06, 2011

Os Pontos-chave do Gnosticismo para iniciantes

Um universo criado por poderes inferiores que confina os seres humanos através do sono e da ignorância. Tais poderes têm um propósito principal: aprisionar as partículas de luz presentes nos seres humanos para, dessa maneira, perpetuar o esquecimento da nossa verdadeira origem e morada. Conheça alguns pontos-chave da filosofia gnóstica.
Transcrevemos abaixo texto postado no blog Aeon Byte Gnostic Radio Show (veja o link para esse blog na nossa lista de blogs recomendados) que, de forma feliz e suscinta, resume os pontos-chave do Gnosticismo. Um ótimo texto introdutório para aqueles que desejam dar os primeiros passos para as discussões contidas nesse blog "Cinema Secreto: Cinegnose"

quarta-feira, maio 04, 2011

Mitologia Ufológica e Gnosticismo na ficção científica francesa “La Belle Verte”


Se no passado buscávamos deuses, anjos e santos , hoje a sociedade tecnológica nos tornou mais céticos: esperamos agora por extraterrestres de uma civilização mais avançada que nos ensine  o verdadeiro sentido da vida e da espiritualidade. A ficção científica “A Turista Espacial” (La Belle Verte, 1996) explora não apenas esse arquétipo ufológico contemporâneo, mas também simbologias que dão um sabor gnóstico à narrativa. Indicado pelo nosso seguidor Rodrigo Dias, o Blog “Cinema Secreto” conferiu o filme.

Um distante planeta vive o ano 6000 da sua época. Seus habitantes são seres muito avançados que vivem aproximadamente 250 anos. Convivem em harmonia com a natureza e são dotados de poderes telepáticos, além de viverem em uma sociedade cujas noções de hierarquia, chefia e poder a muito desapareceu. De tempos em tempos eles fazem excursões a outros planetas, seja para estudá-los ou para auxiliá-los no processo evolutivo. Mas ninguém quer ser voluntário para ir até a Terra. Há 200 anos ninguém do planeta a visita. Na verdade, ninguém suporta os terráqueos com sua mania em não evoluir.

Até que uma mulher, Mila, decide ir a Terra. Por razões pessoais: ela descobriu que é uma mestiça, filha de uma mãe terráquea quando seu pai esteve na Terra há muito tempo atrás. De uma forma bem humorada, a narrativa descreve o impacto cultural de Mila ao chegar à Terra, em plena cidade de Paris caótica, congestionada e poluída.

Essa é a ficção científica francesa “La Belle Verte” (1996). O filme aborda temas como espiritualidade, anticonformismo, ecologia, feminismo, homossexualismo, sustentabilidade e outros com um humor que às vezes chega a beirar o non-sense (lembrando o humor negro do grupo inglês Monty Phyton).  Filme indicado pelo leitor desse humilde blog, Rodrigo Dias pergunta: é um filme gnóstico?

segunda-feira, maio 02, 2011

Cultura Pop Ocidental e Gnosticismo nos Animes e Mangás Japoneses

Os animes e mangás japoneses tornam-se cada vez mais populares ao reciclar a cultura pop ocidental com lendas medievais e temas clássicos do Gnosticismo. Um terreno fértil onde cenários futuristas violentos se encontram com Demiurgos, divindades femininas promíscuas e ao mesmo tempo salvadoras e protagonistas em estado de exílio e abandono. Parecem traduzir melhor a natureza humana do que produções ocidentais “místicas” como “Avatar” ou livros de Dan Brown.

Em postagem passada (veja links abaixo) apresentamos a primeira parte de um texto de Miguel Conner sobre o anime “Neon Genesis Evangelion” e a ascensão do Gnosticismo nas animações japonesas. Conner afirmava que assim como o ocidente vem há tempos absorvendo as religiões orientais, o fértil terreno dos animes e mangás japoneses vem demonstrando um interesse por reciclar a cultura pop ocidental com lendas medievais e muitos temas das religiões gnósticas.

Em meio aos mundos distópicos e com batalhas futuristas ultra-violentas, despontam os temas clássicos das narrativas gnósticas: o Demiurgo (divindade enlouquecida e manipuladora), Sophia (ao mesmo tempo divina salvadora e promíscua em corpos cibernéticos, lutando secretamente a favor da humanidade), fagulhas divinas e divindades decaídas no mundo físico, perda da memória e da identidade, universos paralelos, mundos virtuais, protagonistas com sentimentos de exílio e abandono e a iluminação buscada em discos de armazenamento de bancos de dados.  

A seguir a tradução da segunda parte do texto de Miguel Conner. Ele é um escritor de ficção científica norte-americano e apresentador do programa "Aeon Byte Gnostic Radio" uma Internet Radio com entrevistas e debates semanais sobre temas do Gnosticismo, literatura e cultura pop.

sexta-feira, abril 22, 2011

O "Efeito Zumbi": fármaco-conservadorismo na chamada "Geração Y"?

Banalização do consumo de antidepressivos e inibidores de apetite estaria criando uma nova forma de conservadorismo: o fármaco-consevadorismo? O chamado "efeito zumbi" (efeito colateral desses medicamentos caracterizado pelo mix de euforia, apatia, perda da capacidade crítica e sensação de irrealidade) estaria criando indivíduos meramente replicadores de clichês conservadores nas redes sociais?  


Com a experiência de usuária assídua de redes sociais na Internet, minha esposa Tatiane fez recentemente uma interessante constatação e levantou uma hipótese. Primeiro a constatação: a crescente banalização do consumo de medicamentos antidepressivos e inibidores de apetites entre jovens na faixa dos 20 anos. Nas redes sociais trocam-se informações e experiências sobre estes medicamentos como se trocassem receitas culinárias ou links de vídeos do Youtube.
Ao mesmo tempo, Tatiane tem observado nessa faixa etária um mix de conformismo e apatia em relação aos problemas políticos ou do dia-a-dia (trânsito, enchentes, violência etc) combinado com conservadorismo político e moral.
Agora a hipótese: seria esse mix de apatia e conservadorismo uma decorrência de um chamado “efeito zumbi” desses medicamentos? Explicando melhor, sabendo que os efeitos comportamentais desses medicamentos vão desde a euforia até sonolência e sedação, isso não afetaria as avaliações cotidianas do indivíduo resultando em perda da capacidade crítica, incapacidade de se indignar e apatia gerando um novo tipo de “conservadorismo” baseado na mera replicação de clichês políticos conservadores e até de direita ? Estaríamos diante de um novo fenômeno de, por assim dizer, “fármaco-conservadorismo”?
Pesquisadores como o psicanalista francês Christophe Dejour e o historiador norte-americano Richard Sennett constataram que os problemas psíquicos como depressão, esquizofrenia, ansiedade são sintomas não apenas decorrentes da “vida moderna nas grandes cidades”, mas de um específico tipo de moderna organização do trabalho de empresas dos setores financeiros e de serviços.
Indo mais além na hipótese descrita acima, sabendo-se que o Estado de São Paulo (o estado onde é mais presente a tendência da des-industralização pela expansão dos setores financeiros e de serviços) é, atualmente, um dos estados de maior conservadorismo político (a perpetuação dos governos tucanos por 20 anos seria um exemplo), poderíamos estabelecer uma relação de causalidade entre o fármaco-conservadorismo e o conservadorismo político?
Hipótese meramente paranoica e conspiratória? Ou estaríamos diante de um novo conservadorismo das classes médias, desta vez não mais explicada por instâncias ideológicas, morais ou religiosas, mas, agora, resultante de uma fármaco intervenção que resulta em controle (intencional ou efeito colateral) comportamental e psíquico?
Vamos reunir algumas informações que talvez ajudem a corroborar com essa hipótese.

domingo, abril 17, 2011

Do Herói Épico e Trágico ao Herói Amoral da Indústria do Entretenimento

Arquétipo milenar, o mito do Herói apresenta um movimento pendular entre a sua face épica e trágica. Na atualidade a indústria do entretenimento cria uma nova face para o mito: o herói amoral. As origens dessa nova atualização do mito podem ser encontradas na propaganda nazifascista na II Guerra Mundial e na contrapropaganda norte-americana com a criação dos super-heróis Capitão América e Super-Homem. 

O tema desse post foi motivado por duas coisas: primeiro, a lembrança do filme “Team America: Detonando o Mundo” (Team America: World Police, 2004), uma comédia politicamente incorreta onde os personagens são marionetes em cenas explicitamente violentas com mísseis, artes marciais e tiroteios associados à luta de heróis americanos contra o terrorismo internacional. O Team America (a polícia mundial do título cuja missão é proteger o mundo dos terroristas) é comicamente catastrófica em seus rompantes de heroísmo.

É impagável a sequência inicial. Terroristas muçulmanos aparecem em uma praça em Paris onde estão muitas crianças, mulheres e idosos. Um deles carrega uma mala-bomba. Derrepente, aparece o Team America numa blitz com mísseis e bazucas. Ironicamente, quem destrói Paris (a torre Eiffel cai sobre o Arco do Triunfo e o Museu do Louvre vai pelos ares) é o Team America na luta desajeitada contra os terroristas. No final, falam para os franceses aturdidos: “Não se preocupem, tudo acabou”. Literalmente, acabaram com os terroristas junto com Paris! Hilário!

A segunda coisa foi uma questão originada em  uma aula de Comunicação Visual na Universidade Anhembi Morumbi (São Paulo). Discutia com os alunos a propaganda nazista pelo ponto de vista da criação das modernas técnicas no campo da publicidade e linguagem visual.  A certa altura apresentei a contra-propaganda norte-americana: a criação de super-heróis como Capitão América e Super-Homem. Se os heróis nazistas possuíam um “destino manifesto” (representantes de uma raça superiora cuja supremacia já havia sido programada desde o início dos tempos), os super-heróis americanos eram dotados de super poderes conferidos  pela ciência ou por poderes alienígenas.

Um aluno me perguntou qual seria a característica moderna do herói nazi, visto que o herói é um arquétipo milenar. Isto é, diferente de toda a narrativa tradicional do herói desde a antiguidade, qual seria a novidade do herói moderno do século XX, seja nazista ou norte-americano?

O início da resposta pode ser encontrado no humor incorreto do filme Team America. A “world Police” representa os EUA como os únicos heróis do mundo interessados em destruir o terror. A truculência catastrófica  dos heróis do filme se origina em uma visível indiferença com os civis, com a História e com os próprios tesouros da civilização ao redor: sem o menor cuidado, nas suas ações contra o terrorismo destroem o patrimônio cultural da humanidade (pirâmides, torre Eiffel, o Big Ben etc.) e civis inocentes que estejam na hora errada e no lugar errado. Efeitos colaterais. Como diz a música do filme “Free is not Free” (Liberdade não é de graça).

terça-feira, abril 12, 2011

Retrofascismo: O Fascismo Viral

Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”. (Karl Marx, “O 18 Brumário de Luis Bonaparte”)

O psicólogo alemão Thomas Weber alertou que é grande a possibilidade de que alguém repita o massacre da escola do Rio após a notoriedade midiática do ato inaugural do gênero no Brasil. Afinal, cada imagem das câmeras internas da escola do Realengo que vaza na grande mídia e Internet retroalimenta o sucesso do cálculo viral do seu autor e desse novo fascismo agora vivido como farsa: o Retrofascismo.

No dia 07/04 um jovem entra fortemente armado em uma escola municipal no Realengo (Rio de Janeiro) e produz um massacre com 12 vítimas adolescentes; no dia 09/04 um atirador invadiu um centro comercial na cidade de Alphen aan den Rijn matando sete pessoas e ferindo 11; no mesmo dia, na avenida Paulista em São Paulo, grupos autodenominados como “ultradefesa”, “união nacionista” e “carecas” fazem manifestação  em favor das declarações racistas e preconceituosas do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ). Muitos foram presos pela polícia com pedaços de madeira, metal e “estrelas ninjas”.

Enquanto isso o especialista em traumas psicológicos Thomas Weber (coordenador do atendimento aos sobreviventes do crime ocorrido há dois anos em colégio alemão) em entrevista à Deutsch Welle-World falou que a tragédia na escola carioca “lembrava muito o massacre na cidade de Winneden, Alemanha, e que “ infelizmente, é grande a probabilidade que alguém, agora, tente repetir esse crime no Brasil.”

A princípio, esses fatos são diferentes em termos da natureza, motivação e geografia. Mas há um elemento perturbador em todos eles quanto ao destino final dos gestos de atiradores seriais e manifestações neonazistas: além de mortes e violência, a visibilidade em progressão geométrica por meio de vídeos na Internet e mídias de massas. Uma vocação profunda parece ser o denominador comum desses episódios: aspiram à propagação viral.

sexta-feira, abril 08, 2011

Mídia tenta racionalizar a presença do Mal no Massacre em Realengo

Diante do massacre de adolescentes cometido por um jovem armado com dois revólveres em uma escola do bairro do Realengo no Rio de Janeiro (um fato tão cruel, arbitrário e aparentemente sem sentido), a mídia tenta buscar uma causa lógica. Como sempre, o que a mídia chama de informação é, na verdade, a tentativa de encaixar fatos tão irredutíveis a “plots” ou “roteiros” pré-estabelecidos.  Tenta expurgar a presença do Mal na realidade. Porém, uma criminologista e um antropólogo foram vozes alternativas dentro dessa estratégia midiática de dissuasão.

Um psiquiatra forense vai à TV e declara que o atirador sofria de “cisão mental”; o  jornal Folha de São Paulo on line informou que “irmã do atirador diz que ele era ligado ao Islamismo e não saia muito de casa” (07/04/2011 às 10h53); o site do Jornal Extra das Organizações Globo às 11h37 do mesmo dia noticiou que o atirador “se interessava por assuntos ligados ao terrorismo”; em vários telejornais do dia pessoas próximas ao atirador declararam que ele era “fechado” e “só vivia na Internet”.

Por todos os lados vemos o tradicional esforço midiático para, diante da irrupção de fatos irracionais, aleatórios ou arbitrários, racionalizar ou dar algum sentido para o fato, muitas vez de forma atabalhoada (vide o caso da “barriga” jornalística do cão caramelo na tragédia nas serras fluminenses). Psicólogos e especialistas são mobilizados em cima da hora para tentar dar uma explicação lógica diante das câmeras. Quase sempre esses especialistas mal conseguem esconder a perplexidade (com os olhos “vidrados” para as câmeras) e a cara de surpresa enquanto se esforçam em teorizar falando o óbvio.

Motivos místico-religiosos? Internet? Esquizofrenia? Um nerd que fazia pesquisas sobre bombas, armas e islamismo na Internet?

Porém, duas vozes escaparam desse rolo compressor racionalizante que pretende neutralizar a presença do Mal: a criminóloga Ivana Casoy e o antropólogo Roberto Albergaria (Doutor em Antropologia pela Universidade Paris VII).

Em uma entrevista na bancada do Jornal Hoje Ivana tentou associar essa tragédia a um fenômeno de “globalização”.  Não conseguiu desenvolver mais o raciocínio porque os entrevistadores estavam ávidos por uma descrição do “perfil de uma mente criminosa”.


domingo, abril 03, 2011

Para Cada documentário como “Trabalho Interno”, Hollywood responde com vários “Sem Limites”

O filme “Sem Limites” (Limitless, 2011) a princípio representa uma reação ideológica à tendência de documentários críticos à financeirização global trazida pelo modelo neoliberal ao narrar a estória de um protagonista “neuro-yuppie” (legítimo representante da chamada “Geração Y) que vê seu cérebro turbinado por “smart pills” e enriquece no mercado financeiro. Um novo modelo de self made man, não mais legitimado por modelos éticos ou morais protestantes, mas, agora, fundamentado no paradigma neurocientífico.

Eddie Morra (Bradley Cooper) quer ser um escritor, mas nunca consegue começar seu livro. Vive maltrapilho em um pequeno apartamento sujo e empilhado de lixo. Enquanto isso, sua ex-esposa (Lindy, Abbie Cornish) é bem sucedida e recentemente promovida ao cargo de editora. Seu cotidiano se arrasta entre bares, ruas e a tela de seu laptop para a qual olha sem conseguir iniciar a primeira linha de seu livro. Um “looser”.   Até que um dia encontra nas ruas Vernon (Johnny Whitworth), seu ex-cunhado, que lhe apresenta uma nova droga chamada NZT, capaz de fazer seu usuário ter acesso a 100% das informações do cérebro, indo além dos 20% da média das pessoas.

Após experimentar a droga e ter uma experiência extra-corpórea, tudo na sua mente fica claro e limpo. A matiz da fotografia do filme adquire um tom avermelhado, o ritmo de Eddie fica frenético e é capaz de escreve um livro em quatro dias e aprender línguas em poucas horas. Acessando qualquer fragmento de informação no seu cérebro, é capaz de aprender qualquer coisa e adquirir habilidades que antes ignorava que pudesse ter. Por exemplo, é capaz de em poucos segundos aprender golpes de luta marcial apenas em relembrar imagens fragmentadas dos filmes de Bruce Lee dos anos 70.

Torna-se um mega-cérebro anabolizado, um super-homem da era da informação. Se no livro no qual se baseia o filme (“Dark Fields” de Allan Glyn) temos uma irônica reflexão de uma mudança cultural americana em um país onde figuras como Bill Gates e Steve Jobs são celebradas como novos heróis, o mesmo não acontece na adaptação de “Sem Limites”: o tom torna-se apologético, um elogio às “smart pills” e a toda cultura terapêutica onde o aprimoramento pessoal se baseia na fármaco dependência (prozacs, valiums etc.).

terça-feira, março 29, 2011

Filme "O Primeiro Mentiroso": Uma Fábula Sobre a Mentira e Religião


Embora seja enquadrado dentro do gênero “comédia romântica”, "O Primeiro Mentiroso" (The Invention of Lying, 2009) é o resultado de um poderoso roteiro carregado de humor negro sobre os temas da mentira, amoralidade e religião. Diferente dos parâmetros hollywoodianos, a mentira não é tratada pelo viés moral.  O filme é uma corrosiva fábula sobre um mundo incapaz de mentir não por livre-arbítrio, mas por amoralidade.

quinta-feira, março 24, 2011

Documentário "Trabalho Interno" faz Crítica Moralista Sobre os Fatores que Desencadearam a Crise Financeira Global de 2008

Ao limitar a crítica sobre os motivos da crise global de 2008 à denúncia sobre homens poderosos motivados pela ganância, cobiça e luxúria, deixa de colocar em questão as próprias bases do funcionamento do sistema financeiro. A financeirização, a liquidez do capital e a volatilidade do valor no capitalismo global não são colocadas em discussão. Tudo é apresentado como uma questão de regulamentação para evitar que raposas astutas tomem conta do galinheiro do mercado.  

“Trabalho Interno” de Charles Ferguson segue uma tendência pós-atentados de 11 de setembro de filmes críticos em relação aos fatos políticos e econômicos ocorridos nos EUA desde então. "Syriana" (2005), "O Senhor das Armas" (2005) e "Fahrenheit 11 de Setembro" (2004) de Michel Moore são alguns exemplos. Ao ganhar o Oscar de melhor documentário, Hollywood premia essa tendência que, ao longo dos anos finais do governo Bush, serviu para a preparação de terreno para os novos tempos de governo democrata que estava por vir, agora iniciado com a eleição de Barack Obama.

Mas, como o próprio documentário denuncia, até agora o governo Obama nada fez para reverter a política de desregulamentação dos mercados financeiros, política esta que foi a origem da grande crise global de 2008.

“Trabalho Interno” analisa de forma pormenorizada (e em alguns momentos de forma árida) a gênese do desenvolvimento da crise financeira em escala global e que custou ao mundo um prejuízo de 20 trilhões de dólares. O documentário não se limita a fazer críticas conjunturais: dá os nomes de diretores, executivos e empresas (de seguros, bancos de investimentos etc.). Descreve a ficha completa de cada nome e a engenharia financeira irresponsável que torrou dinheiro público e fez poucos ficarem milionários com a explosão da “bolha” financeira.

Mas uma questão incomoda: como explicar que filmes tão ácidos e críticos em relação às mazelas do modelo neo-liberal sejam indicados ao Oscar e até premiados pelo mainstream hollywoodiano? Se historicamente a indústria hollywoodiana sempre esteve sintonizada com a agenda política da Casa Branca, como interpretar esses prêmios a documentaristas como Michael Moore e Charles Ferguson? Uma ruptura dos produtores e executivos dos estúdios de Hollywood (a maioria deles nas mãos de grupos transnacionais como a Sony e a News Corporation) com o Estado norte-americano?


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