O filme "Contra O Tempo" (Source Code, 2011) é a primeira produção hollywoodiana do diretor inglês Duncan Jones (diretor da recente produção independente inglesa "Lunar" (Moon, 2009). Com esse filme fechamos essa Trilogia do Tempo, discutindo uma clássica narrativa gnóstica sobre o tempo e as limitações que uma produção hollywoodiana impõem a um "geek de ficção científica" como se autodefine Duncan Jones.
Colter Stevens (jake Gyllenhaal) repentinamente acorda em um trem em movimento, confuso sobre quem ele é como veio parar ali. Uma atraente mulher, Cristina (Michelle Monaghan), inicia uma conversa com ele, chamando-o de Sean. Ele nega categoricamente conhecê-la, mas quando olha pela janela vê a si mesmo em um pálido reflexo no vidro como um homem estranho.
Assustado, corre para o banheiro do trem e, para o seu horror, vê no espelho o reflexo de outro homem. Pouco tempo depois, o trem explode e Colter acorda preso em uma escura e fria cápsula em alguma base militar altamente secreta.
O projeto baseia-se no fenômeno da sobrevivência dos oito minutos finais da memória após a morte cerebral. O Dr. Rutledge (Jeffrey Wright), mentor do experimento, captura os oito minutos finais da memória de Sean Fentress e, através do programa computacional “Código Fonte” consegue com que Colter seja inserido nesses minutos finais repetidas vezes, através da identidade de Sean Fentress.
Logo Colter descobrirá que Cristina e Sean estavam entre as 100 vítimas de um ataque a bomba em um trem naquela manhã em Chicago. Colter deverá reviver esse oito minutos finais seguidas vezes até descobrir a pista que leve ao terrorista que colocou a bomba no trem. Correr contra o tempo é fundamental, pois o terrorista ameaça detonar uma “bomba suja” (radioativa) de grande escala no centro de Chicago em poucas horas.
Essa é a sinopse das primeiras sequências de tirar o fôlego do filme “Contra O Tempo”. O filme não perde tempo e joga o espectador imediatamente no plot do filme. Embora a narrativa faça o protagonista capitão Colter repetir diversas vezes os oito minutos finais de Sean no trem que irá explodir, o roteiro torna essa repetição eletrizante e não cansa: cada vez novos elementos são adicionados e a urgência torna-se cada vez maior. As interações com Cristina e com os passageiros sempre sugerem novas informações que, certas ou erradas, ajudam a formar o quebra-cabeças que conduzirá ao terrorista.
Dessa maneira, “Contra o Tempo” assemelha-se ao argumento de “Feitiço do Tempo”, mas como uma diferença: se no clássico de 1993 desde o início o espectador sabe que está diante de um bizarro fenômeno temporal, aqui há uma ambiguidade. Embora o cientista idealizador do projeto Código Fonte afirme que o projeto não é sobre viagem no tempo, mas “realocação no tempo” (tudo não passaria de simulação de computador que jamais alteraria o passado), o capitão Colter acredita que, de fato, está em um tempo/espaço alternativo e que poderá intervir no passado para alterar o destino.
Uma narrativa gnóstica clássica
O Diretor Duncan Jones |
Para o capitão Colter acreditar num espaço/tempo alternativo significará a sua própria sobrevivência. Não podemos dizer mais nada, pois estaríamos criando um grande “spoiler” e estragando o suspense da narrativa. Mas essa ambiguidade entre realidade e simulação e de qual ponto de vista temporal a estória está sendo contada é o ponto de partida gnóstico na qual o diretor Duncan Jones e o roteirista Ben Ripley se baseiam: a realidade é uma ilusão perpetrada por um demiurgo que confina o protagonista numa repetição, tornando-o virtualmente prisioneiro de um projeto militar. Se a intuição do capitão Colter estiver correta, a hipótese do tempo/espaço alternativo será a única chance de escapar, evitando se tornar um prisioneiro permanente no interior de um programa de computador.
Duncan Jones repete o drama do protagonista Sam Bell em seu filme anterior, “Lunar” (Moon, 2009), solitário astronauta em uma base lunar que descobre que toda a realidade em que vive é uma simulação criada por uma corporação que periodicamente substitui os trabalhadores da base por clones de um mesmo astronauta já falecido há muito tempo atrás.
Se a crítica faz uma comparação desse filme com “Déjà Vu” (2006), a semelhança reside unicamente em projetos do governo norte-americano de manipulação do tempo. O protagonista capitão Colter tem uma característica inexistente no agente Doug Carlin do filme “Déjà Vu”: a paranóia. A desconfiança crescente do protagonista em relação a tudo (desde os passageiros do trem até a própria identidade) torna-o o típico personagem do “Detetive” nos filmes gnósticos (sobre esse conceito veja nos links abaixo): a investigação sobre a identidade do terrorista leva um questionamento radical e ontológico do próprio estatuto da realidade e de si mesmo. Não sobra pedra sobre pedra no final.
Se em Déjà Vu o protagonista é imbuído de um heroísmo típico da ideologia antiterror da propaganda da era Bush Jr./Obama (amoralidade, assertividade etc), aqui em “Contra o Tempo” temos o pedido do Dr. Rutledge para que realize a “última missão de patriotismo” antes de morrer (encontrar o terrorista), mas, ao mesmo tempo, Colter procurará nas brechas do Código Fonte rotas de fuga que o faça escapar de um projeto amoral de manipulação do tempo, memórias e identidades.
Portanto, temos em “Contra o Tempo” o principal elemento temático de um filme gnóstico, tal como no anterior “Lunar”: um Demiurgo que manipula a percepção do que é o real, memórias e identidades para aprisionar o protagonista.
Da produção independente à Hollywood
“Contra o Tempo” é a primeira produção hollywoodiana do inglês Duncan Jones, filho do artista gnóstico pop David Bowie (sobre o gnosticismo da produção artística de Bowie veja em “The Laughing Gnostic: David Bowie and the Occult”). Se a produção independente inglesa “Lunar” basicamente tinha apenas um ator (Sam Rockwell) e apenas uma locação (a base lunar construída em poucos sets), agora temos uma produção bem mais custosa, com diversos atores e locações externas.
Percebe-se no transcorrer do filme uma tensão entre a visão gnóstica de um “geek de ficção científica” (na autodefinição do próprio Duncan Jones – leia a entrevista concedida por ele sobre o filme em “Duncan Jones Interview Source Code”) e a evidentes exigências ideológicas de uma produção hollywoodiana (a propaganda antiterror do governo norte-americano, um mix de patriotismo, destino manifesto dos EUA como líderes e amoralidade).
O ritmo de perder o fôlego, tal como no filme “Déjà Vu”, demonstra a urgência de correr contra o tempo para salvar vidas humanas. Porém, tal urgência, normalmente significa atropelar toda ética e moral em nome de um “bem maior”, conduzindo a visível amoralidade do herói Doug Carlin no filme “Déjà Vu”. Em “Contra o Tempo” o ritmo frenético é bem diferente dos planos longos do filme anterior “Lunar” onde deliberadamente Duncan Jones prestava homenagens ao clássico de Kubrick “2001 – Uma Odisséia no Espaço” (2001, A Space Odissey, 1968).
Mas, de forma magistral, apesar do ritmo típico do gênero thriller (uma imposição estética hollywoodiana), Duncan Jones consegue na produção atual aprofundar psicologicamente os personagens em escassos 93 minutos. E aprofunda principalmente a paranoia do capitão Colter, fundamental para o desfecho da narrativa em cima da possibilidade de tempo/espaço alternativos no universo.
Sobre o desfecho, ficam evidentes as concessões que Duncan Jones teve que abrir aos produtores norte-americanos. Se em "Lunar", o protagonista Sam Bell rompe com a ilusão perpetrada pela corporação/Demiurgo, fugindo para a Terra onde conseguirá denunciar a ordem desumana existente na base lunar, aqui em “Contra o Tempo” Duncan Jones e Ben Ripley tiveram que criar um final ambíguo para agradar a “gregos e troianos”: a fuga do protagonista mas, ao mesmo tempo, a sugestão de um status de “stand by” para o herói capitão Colter como se permanecesse de prontidão em uma Chicago paralela à espera de futuras missões “heroicas”.
Ficha Técnica
- Título: Contra O Tempo (Source Code)
- Diretor: Duncan Jones
- Roteiro: Bem Ripley
- Elenco: Jake Gyllenhaal, Michelle Monaghan, Vera Farmiga, Jeffrey Wright
- Produção: The Mark Gordon Company
- Distribuição: Summit Entertainment
- País: EUA
- Ano: 2011
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