sábado, novembro 17, 2018

Cinegnose e Coletivo Resistência discutem guerra semiótica e antimídia


A convite do Coletivo Resistência, este editor do “Cinegnose” discutiu o tema “Guerra Híbrida e Guerra Semiótica” nessa última quarta-feira (14/11) no Sindicato dos Bancários no Centro de SP. Na pauta, o detalhamento das táticas de mineração de Big Data nas redes sociais nas campanhas de Trump e Bolsonaro, e a articulação entre mídias tradicionais e as redes – “frame set” + criação de “Co-Memes” (constelação de memes que se apoiam mutuamente). E a tríade de articulação de uma contra-comunicação: explorar o mesmo campo simbólico da direita, prospecção de líderes de opinião e estratégias de guerrilhas antimídia. Mas principalmente, como recuperar a aura antissistêmica do campo progressista – competentemente hackeada pelo discurso politicamente incorreto da direita. Como? Talvez a célebre e cínica revista de paródias incorretas underground “Mad” possa ser uma fonte de inspiração criativa.

Como de costume, rumando de bike para o evento dessa última quarta-feira, este humilde blogueiro experimentou um episódio sincrônico. Passando por uma “quebrada”, diante de um pequeno boteco, ouvi no meio de uma conversa sobre política bem acalorada uma frase emblemática: “Minha cor não é o vermelho, minha cor é o verde e amarelo!”.
Nesse bar periférico, próximo a duas igrejas neopentecostais (dessas improvisadas na garagem de pequenas casas ou de estabelecimentos comerciais fechados), estava a síntese do eficiente trabalho de comunicação da extrema-direita que agora colherá os frutos do seu “destino manifesto”.
Esse foi um dos principais temas discutidos nessa quarta no Auditório Azul do Sindicato dos Bancários e Financiários de São Paulo, Osasco e Região, no Centro de SP: a necessidade das estratégias de comunicação do campo progressista descerem ao mesmo campo simbólico da direita: o campo brutal da iconificação, dos memes, dos pitacos e da comunicação indireta – aquela voltada para a conquista das chamadas “maiorias silenciosas”.
                  Do nazi-fascismo, a Jânio Quadros nos anos 1960 até Collor de Mello em 1989, é sempre a eficácia de hackear símbolos para transformar em ícones de fácil massificação e, agora, viralização.

Também o debate “Guerra Híbrida e Guerra Semiótica” apresentada por esse blogueiro, apontou também para outros dois campos estratégicos: (a) prospeção dos líderes de opinião em grupos e comunidades (sejam analógicos ou digitais) – afinal, são esses que em última instância sancionam os conteúdos das mídias; (b) estratégias de guerrilha antimídia.

Ícones, conteúdos e acontecimentos

Preliminarmente, foram apresentados numa forma didática os conceitos de sinalização, informação e comunicação– facilmente confundidos, mas numa estratégia de comunicação (principalmente política) é fundamental que sejam distinguidos para, respectivamente, criar ícones, criar conteúdos e criar acontecimentos.
Depois, foram detalhados os conceitos de Guerra Híbrida: a guerra convencional transposta para ferramentas semióticas que criam climas de opinião, percepções, atmosferas, acontecimentos – comunicação, enfim.
                  Mas principalmente todo o trabalho de mineração do chamado “Big Data” a partir das pesquisas do engenheiro informático Robert Mercer (Renaissance Technology) e os estudos da Universidade de Stanford feitos por Michal Kosinski em psicometria. E como tudo isso chegou à Cambridge Analytica, à campanha de Trump nos EUA e Bolsonaro no Brasil.



A importância dada às redes sociais nas campanhas de Trump e Bolsonaro não significa que as tradicionais mídias de massas perderam a importância. No cenário de Guerra Híbrida elas adquiriram um outro papel, não mais na criação de conteúdos para serem hipodermicamente impostos para a sociedade. Agora a grande mídia tem a função de criar um “frame set” – estratégia de agendamento ou criação de pauta por meio da sua consonância, acumulação e onipresença. Isso quer dizer que mesmo que os usuários das redes não assistam TV, as mídias tradicionais são ainda assim capazes de criar um “horizonte de eventos”, dentro da qual será realizado o “debate” e serão criados os acontecimentos políticos.

Articulação grande mídia e redes sociais

E no caso brasileiro, o frame setreforçado diariamente (a verdadeira moldura da cena política) foi a corrupção (anti-petismo e meganhagem da Justiça) e a pauta identitária – não é à toa que o movimento #EleNão só turbinou ainda mais Bolsonaro às portas da votação do segundo turno.
Um exemplo dessa sintonia entre mídias tradicionais e redes sociais numa guerra híbrida foi o episódio dos “tomates inflacionários assassinos”: enquanto a capa da revista “Super Interessante” manchetava “Por que o tomate custa tão caro?” (estranha pauta para uma revista de curiosidades científicas) e a apresentadora Ana Maria Braga envergava no pescoço um “colar ostentação” com vários tomates, as redes sociais eram inundadas com “memeplex” ou “co-memes” – tática de criar uma constelação de memes que se apoiam mutuamente – veja nos slides da apresentação: clique aqui.
                  Frame set + memeplex: um estratégia sistemática e diariamente articulada a partir das grandes manifestações de 2013 no Brasil.



Uma esquerda politicamente incorreta?

Ao final, os debates se concentraram na discussão das alternativas de um trabalho de contra-comunicação. De um lado, a necessidade do retorno às bases para buscar líderes de opinião e modular o discurso político para cada público-alvo. Criar bases de dados mas, principalmente, a informatização da propaganda política: buscar hackers progressistas, ir mais além da condição de usuários de interfaces – dominar a sintaxe dos códigos e algoritmos. E, por que não, criar aplicativos políticos e resgatar a aura antissistema da esquerda, também hackeada pela propaganda política da direita.
Sobre isso, esse humilde blogueiro arriscou esboçar algumas estratégias de criação de conteúdos meméticos – resgatar a aura antissistema através do politicamente incorreto. Mas não aquele explorado pela direita, carregado de preconceito, ódio e intolerância. Mas o politicamente incorreto que resgate o cinismona política – o ao cinismo da tradição filosófica (os kynismos) de Diógenes e Pirro do período helenístico da Grécia antiga. Para eles o cinismo era uma arma crítica contra as três formas de falsidade que sustentam os poderes e a sociedade: a mentira (a má fé), a ilusão (a falsidade ontológica do mundo) e a ideologia (a instrumentalização da ilusão para finalidades políticas). 
Uma fonte criativa apresentada foi a “Revista Mad”, clássico da sátira underground dos EUA, com sessões como “Você está pouco se lixando quando...”, “Seção Eu Não Disse” ou “O lado Irônico do...”. Boa matriz criativa para futuros memes politicamente incorretos cínicos para criar dissonâncias entre o discurso da direita nesses últimos anos e a realidade que eles no Governo criarão na prática.
Algo muito parecido ao humor do velho “Pasquim” ou as tirinhas do Henfil à época da ditadura militar.


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