domingo, novembro 18, 2018
Wilson Roberto Vieira Ferreira
“Possum” (2018) é terror silencioso e psicológico. E principalmente simbólico: consegue articular dois simbolismos cósmicos e psicológicos – a aranha e o fantoche, aglutinados num bizarro boneco com corpo e pernas de aranha e a cabeça rachada de uma boneca. Alguma coisa entre os brinquedos mutantes de Toy Story e as animações de Jan Svankmajer. Um estranho fantoche que exerce um poder sufocante sobre o seu titereiro. Depois de muitos anos, Philip retorna para a cidade da sua infância para confrontar o seu cruel padrasto e os segredos que torturaram sua vida inteira. Mas o bizarro fantoche aracnídeo continua assombrando-o, por mais que tente destruí-lo. Filme sugerido pelo nosso leitor... bem, você sabe quem...
A mitologia em torno da aranha possui uma unidade de pensamento indo-europeu. Uma mitologia ambígua, tanto psíquica quanto cósmica.
De um lado possui um simbolismo demiúrgico, como tecelã da realidade – a fragilidade aparente das teias representariam o próprio tecido do mundo: a ilusão, ou o véu das ilusões que esconde a Realidade Suprema.
Mas também possui um importante simbolismo psíquico: a aranha evoca a interioridade, por estar sempre no centro da trama da teia, ameaçadora. Seria o próprio símbolo da introversão e do narcisismo, a absorção do ser pelo próprio centro.
Possum (2018), estreia de Matthew Holness (conhecido ator de séries de TV como The Office e Man to Man), explora a fundo esse simbolismo aracnídeo. Mas torna esse significado ainda mais complexo ao fundi-lo com o moderno simbolismo dos fantoches e titereiros – em Possum, literalmente o fantoche composto por uma cabeça rachada de boneca costurada às pernas de uma gigantesca aranha rouba a cena. Lembra alguma coisa entre os brinquedos mutantes de Toy Story e os estranhos habitantes dos filmes do animador Jan Svankmajer.
Ao lado da aranha, fantoches (assim como autômatos, bonecos e demais simulacros humanos) têm igualmente um simbolismo demiúrgico ambíguo: pode tanto o desejo humano de imitar Deus ao criar pequenos homens (“mannikin”) e, dessa forma, traçar o caminho de retorno à Plenitude (aspiração da Alquimia); especificamente o fantoche (comandado pelos cordões manipulados pelo titereiro) seria a própria reprodução da condição humana, prisioneira em um Universo onde algum demiurgo nos manipula.
Possum é sobre tanto como somos capazes de criar teias interiores nas quais estamos presos em traumas que se sucedem ciclicamente, preso em algum lugar no passado; como também de como essas teias podem ser manipuladas numa relação familiar abusiva: a relação do protagonista com o seu padrasto.
O que torna Possum um surpreendente trabalho de roteiro no qual Holness consegue entrelaçar dois simbolismos arquetípicos dentro de uma complexa narrativa, lenta ao estilo “slow burn”. Um estilo narrativo recorrente nas atuais produções independentes. O “thriller” de uma relação parental abusiva com o “terror” das imagens do bizarro fantoche que assombra o protagonista.
O Filme
Philip (Sean Harris) retorna para a sua casa da infância na qual seus pais morreram após um incêndio. É um desajustado pálido, com ombros caídos, vestindo uma capa de chuva e segurando uma maleta. Philip parece que foi um titereiro – e também parece difícil imaginar que um sujeito tão taciturno possa ter trabalhado como animador infantil.
Philip tenta se livrar de um bizarro fantoche que carrega naquela maleta, com o corpo e pernas de uma aranha e a cabeça de uma boneca rachada. Mas o estranho objeto possui o domínio sobre ele, produzindo uma espécie de estrangulamento psicológico. Philip tenta incendiá-lo, afoga-lo, pisá-lo. Mas o fantoche aracnídeo sempre reaparece, como que espreitando-o na beira da cama no meio das madrugadas, ou nos corredores da antiga casa da sua infância.
A casa fica em uma região desolada e deteriorada de Norfolk, próxima a locais pantanosos e uma base militar abandonada. Lá ainda mora o seu Tio e padrasto Maurice (Alun Armstrong). Um homem cruel e desagradável. Ele tem o prazer perverso de menosprezar Philip. O diálogo é mínimo com subtextos sinistros. Na verdade, aquilo que não é dito e apenas sugerido é o que é mais aterrorizante.
O filme consegue capturar o comportamento emocionalmente infantil e atrofiado de Philip como se dentro dele estivesse um adulto danificado à espera de uma explosão.
Estranhos desaparecimentos de crianças voltando da escola são relatados na imprensa local. E tudo parece sugerir que o desajustado Philip possa estar envolvido nisso.
O drama psíquico de Philip
Os fãs de terror convencional poderão achar Possumum filme lento e entediante, sempre pontuado pela inquietante música eletrônica do Radiophonic Workshop, conjunto de músicos experimentais cujo trabalho para a BBC se estende há meio século. Por isso, Possum é um filme para cinéfilos aventureiros, pelo seu terror psicológico e oblíquo.
Muitas vezes nos perguntamos se todo está ocorrendo na mente de Philip, o que explicaria a capacidade de regeneração do horroroso boneco que sempre retorna para assombrá-lo. Mas, principalmente, pela sensação de tempo cíclico e congelado, numa cidade de Norfolk atemporal, como se estivesse ainda presa nos anos 1970.
E até mesmo a composição visual do personagem Philip parece ser igualmente atemporal: ele aparenta qualquer idade entre os 25 e 50 anos.
Certamente tudo isso é lançado mão em Possum para reforçar ao espectador a ideia de que Philip retornou às memórias da sua infância (o bullying sofrido na escola na infância, a foto dos pais etc.) para confrontar seu cruel padrasto e segredos que torturaram a vida inteira.
A forma como Philip ronda solitário os arredores, fica parado observando a antiga escola da infância e olha as crianças, torna-o obviamente o suspeito de ser o pervertido responsável pelos desaparecimentos. A polícia passa a procura-lo enquanto o tio Maurice parece não só tirar prazer nisso – ele pode estar jogando todos contra o seu sobrinho.
Nas entrevistas à crítica especializada, Holness afirma que pretendia criar um moderno filme de terror silencioso. Sustos de fazer saltar da poltrona são substituídos por um roteiro poeticamente rico, com performances enervantes e dissonantes dos protagonistas e uma trilha musical difícil de ser esquecida.
Em Possum os simbolismos cósmicos da aranha e do fantoche são transpostos para o drama psíquico de Philip – como ele retorna à cidade da infância para confrontar o demiurgo Maurice. “Ser titereiro era a única coisa que fazia de melhor na vida”, provoca Maurice em tom de menosprezo a Philip. Um triste titereiro que manipulava seu bizarro fantoche aracnídeo assim como seu tio o fez por toda vida.
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Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, organizado pelo Prof. Dr. Ciro Marcondes Filho e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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