O jornalista Pedro Bial rugindo de quatro no chão,
junto com outros “pacientes” numa sessão de terapia de um “famoso psicólogo”
que depois revelou-se falso – um artista plástico norte-americano especialista
em “pegadinhas” para desmoralizar a mídia; links ao vivo da TV Globo sendo
invadidos por ativistas gritando “ Fora Temer!” ou “Globo golpista!”; falsas
mobilizações convocadas na Internet para enganar jornalistas em Portugal.
Estamos no campo das guerrilhas antimídia, guerra semiótica de contra-comunicação
através de táticas como “ media prank” (“pegadinhas”) ou “cultural jamming” (“trolagens”).
Depois que o atual sistema político-partidário for implodido pelo complexo
jurídico-midiático (ministérios públicos+Judiciário+Globo) restará às esquerdas
não apenas as ruas, mas a oportunidade de sistematizar guerrilhas semióticas
contra o ponto fraco da nova hegemonia: a grande mídia.
Como de
costume, o historiador e comentarista da rádio Jovem Pan Marco Antonio Villa
abriu a agenda que o prefeito de São Paulo Fernando Haddad disponibiliza na rede.
E como de hábito, gritou escandalizado no programa de rádio: “está escrito o
seguinte: a partir das 8h30, despachos internos. O resto está em branco!
Branco! Não há nada!”, como fosse a evidência da “incapacidade de alguém pouco
afeito ao trabalho”.
Só que Haddad preparou
uma “pegadinha” no solerte historiador. Cansado das críticas diárias nos
últimos três anos, o prefeito substituiu sua agenda pela do governador Geraldo
Alckmin (PSDB-SP), com quem o comentarista mantém relações, digamos, cordiais.
Após a desmoralização
ao vivo do histérico comentarista da Jovem Pan, Haddad voltou a publicar a
agenda correta com os compromissos do dia.
O que o prefeito de São Paulo fez foi aplicar uma
simples peça de guerrilha semiótica – conjunto de táticas que ajudam a
demonstrar, em tempo real, o modus
operandi de uma grande mídia onde o papel dos repórteres, editores e
colunistas nada mais é do que encaixar, a todo custo, os fatos em uma narrativa
já pré-estabelecida nos aquários das redações.
O cachimbo entorta a boca
Ao longo desses dez últimos anos (principalmente
com a implementação do que chamamos de “bombas semióticas” a partir de 2013 – clique aqui), a grande mídia sempre se
mostrou bastante vulnerável a esses tipos de “pegadinhas”, muitas vezes de
forma involuntária, como foi demonstrado nos episódios do “falso estudante do
Enem” (clique aqui) e do “tem alemão no
campus” (clique aqui).
A necessidade diária de encaixar rapidamente
qualquer acontecimento a uma narrativa pronta estressa jornalistas que sempre
vivem no fio da navalha das próximas “barrigas”, atos falhos, deslizes,
trocadilhos involuntários etc., principalmente no ambiente atual das mídias ao
vivo, on line e em tempo real.
O costume do cachimbo é que entorta a boca. Jornalistas
parecem estar sempre trabalhando no modo automático, criando uma espécie de
traquejo onde veem em qualquer fato um índice, uma evidência de confirmação de
uma hipótese pré-existente. O que os torna extremamente vulneráveis a qualquer
ação organizada de guerrilha anti-mídia, como já foi demonstrado no histórico
do ativismo anti-midiático que veremos adiante.
Essa foi uma evidente oportunidade perdida nesses
últimos anos onde as estratégias de
comunicação do PT ou do Governo Federal deveriam implementar como contra-ataque
a guerrilha semiótica. Assim como o fez Fernando Haddad em um exemplo isolado.
Implosão do sistema político-partidário
Após o afastamento da presidenta Dilma e a aposta
alta do PGR (Janot pediu a prisão de Sarney, Jucá e Calheiros) ameaçando
implodir o sistema político-partidário brasileiro, ficou claro para os
analistas o projeto maior por trás da Operação Lava-Jato de Sérgio Moro: o fim
da política e a hegemonia de uma ordem jurídico-midiática – ministérios
públicos+Judiciário+Globo.
A velha ordem de coronéis provincianos é lenta e
imprevisível demais para implementar as amargas medidas econômicas neoliberais.
Além de que essas medidas são impopulares demais para resistirem a um debate
político-eleitoral.
Uma nova ordem futura, sob os escombros do sistema
político-partidário atual, contará com o necessário apoio da grande mídia para
tornar verossímil o remédio das medidas impopulares tais como fim dos direitos
trabalhistas, brutal reforma previdenciária, arrocho salarial, desmonte do SUS
e programas sociais etc.
E, claro, assim como na Itália onde a implosão do
sistema político-partidário com a Operação Mãos Limpas (referencia da atual
Operação Lava-Jato) levou o barão midiático Berlusconi ao poder, no Brasil
espécimes midiáticos como Dórias, Datenas ou Hucks poderão se tornar futuros
líderes carismático-midiáticos. Como sempre, prometendo “renovação completa na
política”.
Esse é o cenário futuro pós-implosão do sistema
PT-PSDB-PMDB, um cenário onde medidas impopulares serão implementadas por
instituições afastadas do escrutínio eleitoral com o apoio da grande mídia para
torna-las um mal necessário para a opinião pública.
Denúncias
nas redes e em mídias alternativas e as ruas serão o que restará para as esquerdas.
Mas é necessário atacar os pés de barro dessa ordem: a grande mídia e seus cães
sabujos jornalistas. Por isso, mais uma vez, apresenta-se a oportunidade de
aplicar um organizado contra-ataque de comunicação: a guerrilha semiótica.
O objetivo: desmoralizar e desconstruir ao vivo a
narrativa da grande mídia.
Guerrilha antimídia
Podemos perceber aqui e ali sinais da consciência
da necessidade dessa estratégia, por assim dizer, anárquica de se contrapor ao
poder midiático. Além da iniciativa isolada da pegadinha do prefeito Haddad,
observamos uma crescente intervenção em links ao vivo, especialmente da TV
Globo: ativistas invadindo o enquadramento da câmera gritando frases como “Fora
Temer” ou “A Globo apoiou a ditadura”. Alguns aparecem segurando cartazes como
fossem papagaios de pirata dos incomodados repórteres.
Desde a publicação do livro Steal This Book (“Roube esse Livro”) de Abbie Hoffman em 1971 (um
manual de técnicas de ações anti-mídia, governo e corporações), o ativismo
contra a grande mídia acumulou uma série de estratégias e dispositivos que
podem ser agrupados em duas categorias principais: media prank (“pegadinhas”) e
culture jamming (“trolagens”).
(a) Media Prank
Media prank ou “pegadinha” é um tipo de evento
midiático perpetrado por certos discursos encenados, pseudoeventos ou falsos
comunicados a imprensa com o objetivo de enganar jornalistas para que estes
produzam notícias errôneas ou falsas (“barrigas”).
Em 1995 o telejornal
Bom Dia Brasil da TV Globo apresentou uma notícia sobre um terapeuta internacionalmente
reconhecido pela sua “Terapia do Leão” chamado Baba Wa Simba que estaria
vivendo em Nova York. Apresentado pelo jornalista Pedro Bial, a matéria
documentou uma demonstração da terapia para que homens e mulheres
desenvolvessem “seu lado animal” e liberassem “instintos reprimidos”.
Viu-se diversos
pacientes de quatro no chão urrando, grunhindo e disputando um pedaço de carne
crua que Bamba Simba jogava. Pedro Bial participou dessa demonstração, de quatro
no chão e urrando com os demais “pacientes”.
Depois, o choque. Tudo
era uma simulação. Sequer Bial apurou minimamente quem era “Baba Simba”. O
terapeuta, na verdade, era o artista plástico Joey Skaags, famoso nos Estados
Unidos pelas media pranks que apronta
para desmoralizar TV e jornais – clique aqui e veja o vídeo no site de Joey Skaggs.
Outro exemplo foi a “pegadinha” do “abraço
corporativo”. Em 2009 o jornalista Ricardo Kauffman criou o personagem Ary
Itnem Whitaker, um executivo de relações humanas que estaria no Brasil representando
uma confraria britânica que defendia a chamada “terapia do abraço” para
humanizar as metrópoles e as organizações.
Concedeu entrevistas a rádios, TVs e jornais,
mostrando como o jornalismo declaratório da mídia torna-se isca perfeita para
essas “pegadinhas” por estar ávida para encontrar personagens perfeitos que se
encaixem nos scripts pré-estabelecidos. Sequer os repórteres pensaram em checar
a procedência da tal confraria - sobre isso clique aqui.
O que torna a grande mídia ainda mais vulnerável ao
media prank é a necessidade dos
eventos serem “noticiáveis”: facilidade logística, press kits, informações de
pauta detalhadas que facilite o trabalho do repórter – quem entrevistar, email,
telefones etc.
Uma ação de media
prank organizada, sistemática e politicamente orientada desmoralizaria a
grande mídia, principalmente em épocas de mídia espontânea e viralização por
meio de redes sociais.
(b) Culture Jamming
Culture jamming ou “trolagem” (ou “comunicação de
guerrilha”) é uma tática usada por muitos ativistas anti-consumismo para
subverter a cultura midiática e suas instituições como a publicidade e relações
públicas corporativas, o conformismo e tentam expor os métodos de dominação
financeira e política.
O objetivo é criar ruído, interferência ou, como
diz o conceito, atrapalhar o fluxo normal da informação da grande mídia para a
opinião pública por meio da exploração de quatro sentimentos: choque, vergonha
(principalmente alheia), medo e raiva. Para teóricos como Abbie Hoffman, seriam
os principais catalisadores das mudanças sociais.
Há diversas técnicas como, por exemplo, a criação
de memes onde logos corporativos são parodiados para expor suas verdadeiras
intenções como os arcos do McDonald’s desenhados de forma sombria ou o logo da
Esso com cifrões substituindo os “s”.
Porém, o mais politicamente interessante são as
invasões de links ao vivo de TV. Pessoas segurando cartazes “Fora Temer” e
jovens invadindo o campo das câmeras com palavras de ordem anti-Globo é um bom
início. Ainda são práticas isoladas que deveriam ser sistematizadas para criar
uma variação de práticas de intervenção.
Um bom exemplo foi a mostrada por ativistas
antiglobalização em Lisboa. Para furar o bloqueio midiático, através de redes sociais fizeram uma simulação de
uma manifestação supostamente a favor da política de austeridade imposto pela
“Troika” (Banco Central Europeu, FMI e Comissão Europeia) a Portugal.
Os jornalistas foram
na onda e, depois, descobriram amargamente que se tratava de uma estratégia de
atrair a atenção dos portugueses para o verdadeiro manifesto. Diante das câmeras
em links ao vivo, os manifestantes gritavam diante dos surpresos jornalistas:
“Que se lixe a Troika!”.
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