Nas
redes sociais indignação. O desenhista Gabriel Bá apareceu no talk show da
Globo “Conversa com Bial” com seu indefectível boné verde – marca registrada do
artista. Só que dessa vez com a estrela vermelha coberta de forma improvisada
com duas fitas isolantes preta. “Evite números ou símbolos para que não haja
associação a marcas ou partidos políticos”, teriam dito os figurinistas nos
camarins. “Censura!”, gritaram internautas. Se foi mesmo censura, como pode a
Globo fazê-la de forma tão tosca e improvisada? O episódio apresenta algumas
dissonâncias que sugerem mais uma estratégia de manipulação. Mas dessa vez não mais no campo
semiótico da “dissimulação” – esconder, mentir, censurar. Mas agora no campo da
“simulação”: propositalmente tornar o evento visível (a suposta “censura”).
Para quê? Para a Globo tentar se livrar de mais um dos seus dilemas: depois de
anos de oposição política explícita explorando símbolos e números de forma até
subliminar, agora, candidamente, tenta demonstrar que possui uma linha
editorial “imparcial”. E o artista, assim como os indignados críticos,
participaram inconscientes desse blefe.
“A indignação contra a
manipulação é o último “scoop” patrocinado pela ideologia” (Theodor Adorno)
Primeiro,
vamos aos fatos. Internautas acusam nas redes sociais a Globo de ter censurado
o desenhista Gabriel Bá. Ele era o convidado para o talk show “Conversa com
Bial” da última segunda-feira.
Marca
registrada do desenhista conhecido internacionalmente por suas graphic novels, Gabriel Bá apareceu no
estúdio da emissora usando um boné com uma estrela vermelha, frontal,
semelhante àquele usado por Fidel Castro. Logo que chegou aos camarins foi
alertado pelos figurinistas: “a estrela no boné não vai rolar...”. Duas
alternativas foram sugeridas ao artista: ou tirava o boné, ou a estrela seria
coberta com fita isolante. E Gabriel Bá escolheu a segunda opção.
No vídeo
da entrevista com o jornalista Pedro Bial, a ocultação da estrela vermelha
ficou explícita e tosca. Principalmente para aqueles que conhecem a marca registrada
do artista. Nas redes sociais, a polêmica de uma suposta censura. O que levou o
desenhista a dar o seguinte recado no Facebook:
"Evite números para que não haja associação a marcas ou partidos políticos". Essa foi uma das dicas de vestuário da produção do programa. Mesmo assim, fui com meu boné verde com estrela vermelha, que trouxe do Vietnam. Tenho outros, mas gosto deste, do que ele representa. Foi minha escolha. Chegando no estúdio, o pessoal do figurino, respondendo à diretoria do programa, disse que a estrela não ia rolar. Claro que não fiquei contente, mas eu fiz uma escolha antes: a de ir com o boné. Entre entrar com a estrela coberta ou entrar sem boné, escolhi o boné. E escolheria novamente. Poderia ser um tucaninho azul e amarelo ou um número 45, o logo da Adidas ou o escudo do Palmeiras. Seria coberto da mesma maneira. Prefiro ver agora esse debate todo e o povo refletindo do que simplesmente ter entrado sem boné."
Censura, dissimulação,
simulação
Porém, para esse humilde
blogueiro não houve “censura”. Antes até fosse, o que demonstraria uma
conflagração de luta ideológica semelhante ao período da ditadura militar
brasileira – uma grande mídia que cerrava fileiras com os governos ditatoriais
censurando, escondendo ou omitindo fatos. Como ficaram conhecidas a censura de
qualquer informação sobre o assassinato do jornalista Wladimir Herzog nos
cárceres do DOI-CODI ou a omissão ao movimento Diretas-Já pela Globo, relatando
todas as mobilizações na Praça da Sé como festa do aniversário da cidade.
Fosse censura, ficaria mais
fácil denunciar a recorrente e histórica manipulação da informação da emissora.
Isso porque a censura está
no campo semiótico da dissimulação:
omitir, esconder, censurar etc. Fala-se que não possui aquilo que se esconde. Se
algo está sendo escondido, basta ser revelado!
Dissonâncias
No caso
da suposta censura no “Conversa com Bial” há dois elementos que são
dissonantes: primeiro, a “censura” foi explícita e até tosca – duas fitas
isolantes que ainda deixaram exposta a parte central da estrela vermelha, como
se o figurinista tivesse a intenção de tornar evidente no vídeo a tentativa de “censura”
de um símbolo ideológico: a estrela comunista, a estrela do PT etc. Melhor
seria um tampão mais bem elaborado como um círculo preto ou solução do gênero,
como uma tarja, por exemplo. Sabotagem do figurinista? O profissional quis propositalmente
revelar aos espectadores a manobra de censura? Muito improvável.
E
segundo: fosse um ato de arbítrio ou violência ideológica, mereceria um boicote
de Gabriel Bá, que aceitou o jogo sob o álibi do “queria esse debate todo e o
povo refletindo...”. Aliás, seu recado no Facebook dá a pista do jogo
Globo/Gabriel Bá: “poderia ser um tucaninho azul e amarelo ou o número 45, o
logo da Adidas ou o escudo do Palmeiras. Seria coberto da mesma maneira”. O
artista parece justificar a suposta censura ao seu boné que mais aprecia por
tudo aquilo que, segundo ele, “representa”.
Esses
dois elementos dissonantes para um suposto episódio de censura levam a crer que
não mais estamos diante de uma estratégia de dissimulação, mas desta vez de simulação:
como como fosse um blefe - de forma inversa, dizer que tem algo que na verdade
não existe.
Em
outras palavras: o encobrimento da estrela vermelha de forma tosca e improvisada
foi proposital para a emissora simular que agora é imparcial. A Globo quer
dizer que possui algo que nunca teve: imparcialidade.
Depois
de tudo, candidamente a emissora tenta fazer o público esquecer do seu período
de jornalismo de esgoto e de oposição selvagem aos governos lulopetistas (já
que a oposição parlamentar era incompetente) no qual números e símbolos era
ostensivamente mostrados como bombas semióticas para desestabilizar e criar a
crise política que culminou no impeachment de 2016.
Na
verdade, a suposta censura ao símbolo em um boné do entrevistado num talk show
é o resultado de mais um dilema que a Globo enfrenta desde que partiu para o
jornalismo de guerra: desde o escândalo do mensalão, a emissora entrou num
dilema existencial entre o papel de um partido político e de uma empresa
comercial que precisava atrair anunciantes – por exemplo, enquanto tentava
detonar a Copa do Mundo e Olimpíadas, precisava lucrar com esses megaeventos.
Esse foi o primeiro dilema.
Depois
veio o dilema de pedir a cabeça de Temer endossando as denúncias do PGR de
Janot (para esconder na pauta o seu envolvimento no escândalo da FIFA – clique aqui) e ao mesmo tempo ter que
apoiar as reformas de um governo que supostamente tentava derrubar.
Atualmente,
a Globo tenta se livrar do terceiro dilema: a herança maldita do período do
jornalismo de guerra: o fato de ter se aliado à direita raivosa e ao baixo
clero do Congresso (Eduardo Cunha + bancada da Bíblia, Boi e Bala) – agora
tenta posar de politicamente correta e imparcial. Resultado: se a emissora já
contava com os tradicionais inimigos à esquerda, agora ganhou os novos inimigos
no campo da direita hidrófoba.
Com o
blefe Globo/Gabriel Bá, a emissora carioca tenta simular uma imparcialidade
(daí o recurso tosco da fita isolante) como se quisesse passar a seguinte
diretriz editorial (endossada na postagem do desenhista): qualquer símbolo ou
número de referência a qualquer partido ou ideologia será suprimido.
A Globo
tenta simular o que nunca foi, como atestam fatos recentes da sua época do
jornalismo de guerra. Vamos ficar em apenas três:
(a) A mensagem subliminar do “apagão aéreo” (2007)
Após o
acidente do avião da TAM no aeroporto de Congonhas, criou-se o jornalismo
global criou o bordão “apagão aéreo” responsabilizando o presidente Lula como o
responsável pelas mortes. O bordão virou “selo” (composição de elemento gráfico
que identifica editoriais ou temas recorrentes em telejornais) no qual via-se
numa animação que fazia alusão aos painéis de horários de voos em aeroportos.
No movimento das letras, formava-se a sigla “PT” abaixo dos dizeres “vítimas do
apagão”.
(b) O número “45” no logo da telenovela (2014)
Em pleno
ano de campanha presidencial, a Globo lança a novela “Geração Brasil”, com um
logo cujo design baseava-se no alfabeto “leet” (a linguagem “internetês”) –
“G3R4Ç4O BR4S1L”. No design final era explícita a sugestão do número “45” (o
número do candidato do PSDB Aécio Neves) bem no centro do desenho – sobre isso
clique aqui.
O
detalhe é que a escolha tinha sido arbitrária dentro do léxico do alfabeto
leet: poderiam ser escolhidas as opções: 4, /\, @, /-\, ^, ä, a . Mas foi
escolhido “4” para, ao lado do “S” formar um perfeito “45”... – mais sobre isso
clique aqui.
(c) Aécio e o juiz justiceiro na teledramaturgia
No auge
da crise política que desembocaria no impeachment de 2016, os produtos da
teledramaturgia global Felizes para
Sempre (2014), “Questão de Família” (2015) e “O Brado Retumbante” (2012)
praticamente espelharam o telejornalismo de guerra ao apresentar explícitos
sincronismos.
Em Felizes Para Sempre os acontecimentos
dos capítulos praticamente se sincronizavam com as ações da Lava Jato da
Polícia Federal.
Em O Brado
Retumbante, onde além do protagonista ser muito parecido com o
candidato à presidência Aécio Neves (feito pelo ator Domingos Montagner), na
trama ele chegava à presidência após a morte do presidente e vice em um
acidente aéreo. Num insólita coincidência (ou sincronismo?), um acidente aéreo
em 2014 matou o candidato à presidência pelo PSB Eduardo Campos, embaralhando a
disputa eleitoral com o lançamento da sua vice Marina Silva.
E numa alusão explícita ao protagonismo do Judiciário (Sérgio Moro e
cia.) com sua parceria com a grande mídia, a série Questão de Família era centrada num juiz inebriado pela necessidade
de fazer justiça – saia da vara da família e ia a campo com a ajuda de um
detetive da polícia – sobre esses casos clique aqui.
O último “furo” da ideologia
Por isso, o episódio da suposta censura no “Conversa com Bial” deve ser
visto com sérias reservas, diante da necessidade atual da Globo fazer o público
esquecer desses casos recentes militância política da emissora. Assim como, até
hoje, tenta exorcizar os fantasmas do seu apoio irrestrito à ditadura militar e
seus internacionalmente famosos casos de manipulação e censura desse período.
O filósofo Theodor Adorno falava que “a indignação contra a manipulação
é o último furo jornalístico (“scoop”) patrocinado pela ideologia”. A censura
propositalmente tornada visível pela TV Globo é uma evidente estratégia de
propaganda baseada na simulação: feita para indignar os críticos da Globo que
apontam a censura dos velhos tempos.
Mas para a emissora, é uma tática para tentar se livrar de mais um dos
seus dilemas e aparentar uma linha editorial “imparcial”. Resta saber se agora
aparecerão slogans da Adidas e escudos de clubes de futebol cobertos de forma
tosca com mais fitas isolantes.
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