Assim como no episódio do assédio sexual
do ator José Mayer (naquele momento a Globo fez o cast feminino da casa vestir
uma camiseta estampada “Mexeu com uma mexeu com todas”), da mesma maneira
prontamente a emissora despachou William Waack depois da repercussão de um
antigo vídeo no qual o jornalista fazia afirmações racistas em tom de galhofa
enquanto aguardava para entrar ao vivo. Fosse em outros tempos, episódios como
esses entrariam para o folclore da história dos bastidores televisivos. Quem armou essa cilada contra William Waack
levou em conta o atual contexto delicado da Globo: depois de seu jornalismo de
guerra nos últimos anos ter dado visibilidade e repercussão à direita raivosa (aquela
que vê o “politicamente correto” como “conspiração comunista”) para acirrar a
crise política que culminaria no impeachment, agora a emissora tenta limpar
suas mãos da lama que estrategicamente revolveu por anos. Disse em nota que é
“visceralmente contra o racismo”. A Globo tenta ignorar de forma tautista a
patologia psíquica que ajudou a incitar, da mesma maneira como até hoje tenta
provar que nada teve a ver com a lama da ditadura militar que ajudou a esconder.
Nesse momento há um movimento de manada,
uma atmosfera de revanche e linchamento contra o jornalista (ou ex) da TV Globo
William Waack depois do episódio do vazamento de uma gravação antiga, feita
durante a cobertura das eleições nos EUA – com a Casa Branca ao fundo, Waack
aparece ao lado do diretor do Instituto Brasil do Wilson Center, Paulo Sotero.
Os dois esperam o momento de entrar ao vivo até serem incomodados por uma
insistente buzina alguns andares abaixo na rua.
“Tá buzinando por quê, seu merda do
cacete? Não vou falar quem é... é preto... É coisa de preto”, fala Waack em tom
de galhofa, enquanto o constrangido Sotero deixa escapar uma gargalhada.
É tido e sabido que William Waack é um
dos jornalistas mais odiados, seja dentro da própria emissora (não costumava
tratar com, digamos, cavalherismo o “baixo clero” jornalístico da casa) ou fora
dela - nos últimos anos fez parte da linha de frente da polarização política
que culminou no golpe, desde que em 2005 apresentou o Jornal da Globo em frente
ao Congresso Nacional para repercutir a crise do mensalão.
É evidente que Waack foi o pivô de uma
armação típica daquelas em que o peixe sempre morre pela boca. Na atmosfera
nacional dos últimos anos em que a grande mídia (capitaneada pela própria
Globo) açodou o conservadorismo até chegar ao protofascismo para criar o clima
propício para o desfecho do impeachment, jornalistas como Waack e Augusto Nunes
se colocaram ao lado de próceres como Alexandre Frota, Constantino e Diogo
Mainardi para desancar o chamado “politicamente correto” – para eles, uma
agenda esquerdista que deveria ser banida do País.
No topo da cadeia alimentar
Surfando na onda do neoconservadorismo
incorreto, sentiram-se à vontade para arroubos como, por exemplo, o de Boris
Casoy ridicularizando garis ao vivo em um telejornal da Band ou Mainardi mandando
o desafeto Reinaldo Azevedo “dar a bunda”, em rede social.
E como podemos perceber no vídeo vazado, Waack
estava bem à vontade e confortável como estivesse em terra conquistada, no topo
da cadeia alimentar política, sem ameaças, como um capitão que venceu a guerra e
colhe os louros da vitória.
Seja quem for o “Edward Snowden” de
dentro da Globo que conseguiu ter acesso às imagens e vazá-las, foi capaz de destruir
o jornalista desafeto em pleno voo, no auge da arrogância.
Mas os cálculos dessa eminência parda que
atingiu mortalmente Waack certamente levaram em conta o atual contexto tautista
(tautologia + autismo) em que a Globo vive depois de uma década atuando como
oposição política explícita aos governos lulopetistas: depois de anos pegando
pesado e dando espaço a tudo de mais baixo que podia ser reunido às hostes da
oposição (da bancada de Bala, Boi e Bíblia do Congresso até simpatizantes da
intervenção militar e histeria anticomunista do anti politicamente correto),
agora tenta se desvencilhar dessa agenda que ajudou a criar.
Assim como até hoje a emissora luta para
desassociar sua história com a do apoio ao golpe de 1964 e da ditadura militar
brasileira.
Por isso, ato reflexo, a Globo teve que largar
na estrada o fiel oficial ferido mortalmente.
Augusto Nunes: "punhado de frases sem importância" |
Isenção politicamente correta
Em outras palavras, nesse caso a questão
principal não é o boquirroto William Waack, por mais que se satisfaça o doce
sabor siciliano da vingança – o sabor de um prato que se come frio.
Assim como no caso do assédio sexual do
ator José Mayer a uma figurinista terceirizada da emissora (prontamente a Globo
fez o cast feminino da casa vestir
camisetas com dizeres “Mexeu com uma mexeu com todas”), da mesma forma
prontamente a Globo rifou Waack para provar sua isenção politicamente correta.
E tentar limpar das mãos a lama que teve
que revolver nos últimos dez anos.
Talvez na defesa do amigo de guerra feita
pelo apresentador do Roda Viva da Cultura e colunista da Veja e rádio Jovem
Pam, o jornalista Augusto Nunes, esteja a origem da contradição tautista da
Globo por trás desse episódio:
“Não é surpreendente que por um punhado de frases sem importância, ele vire alvo de seitas repulsivas: os politicamente corretos, os fanáticos extremistas, os perdedores congênitos, os patrulheiros esquerdopatas, os cretinos fundamentais e os idiotas em geral”.
É dessa “incorreção política” (a visão do
racismo como “frase sem importância”) que a Globo tenta agora se livrar, depois
de estrategicamente instiga-la em passado recente.
Rapidamente a Globo se livrou do ator José Mayer: o politicamente correto tautista |
Efeito colateral
Nesses últimos anos de oposição política,
a Globo colheu como efeito colateral o choque entre a agenda comercial e o
papel de oposição política assumido conjunturalmente diante da inépcia da
oposição parlamentar.
Por exemplo, o beijo de um casal de
idosas lésbicas protagonizado por Fernanda Montenegro e Nathália Timberg na
telenovela Babilônia (2015) fez atrair a ira de grupos evangélicos que
defendiam o boicote à novela em redes sociais – “a Globo é a maior
patrocinadora da imoralidade e homossexualismo”, gritavam de evangélicos e toda
a direita raivosa que, paradoxalmente, começaram a acusar a Globo de “petista”
e “comunista” por supostamente defender a “ditadura gay” – a suposta agenda
secreta financiada pelo ouro de Cuba - clique aqui.
A Globo sabe que a agenda do
politicamente correto é a agenda política liberal nos EUA e da própria
Globalização. E que a cultura das novas tecnologias disruptivas como Internet e
dispositivos moveis (a grande ameaça da Globo) é liberal e que também preza
pela correção política.
Mas aqui no Brasil, para a direita
alucinada com seus “bolsominions”, pastores evangélicos e fundamentalistas em
geral tudo não passa de uma maquiavélica conspiração comunista, bolivariana.
Como ponta de lança da oposição contra o
lulopetismo, a Globo teve que dar espaço e visibilidade para esses grupos nas
indefectíveis manifestações de rua e bateções de panelas para conseguir formar
uma “massa crítica” – adensar ainda mais a já pesada atmosfera política nacional
para alcançar o clímax no golpe.
Globo aprendeu a lição com o caso da novela "Babilônia" |
Tentando limpar a lama das mãos
Agora tenta limpar as mãos da lama chafurdada
nesse período com histéricas demonstrações de pauta politicamente correta:
(a) A série Malhação tem como subtítulo “viva a diferença” propagandeando a
tolerância e o fim dos preconceitos;
(b) Karol Conka apresentando o programa Superbonita
no canal GNT levantando bandeira do empoderamento feminino e de que “beleza é
poder!”;
(c) Matérias especiais no Fantástico sobre crianças transgênero e
identidade transgênero;
(d) Espaço crescente nos telejornais para
pautas sobre violência contra a mulher, intolerância religiosa e crimes
motivados por intolerância de gênero e orientação sexual;
(e) Série de documentários no canal
fechado GNT com temas como “tabus”e “preconceito”.
Em passado recente tal recorrência seria
impensada dentro da cavalgada da grande mídia em tentar cooptar todo e qualquer
grupo que tivesse ódio suficiente para ser direcionado contra o Governo
Federal.
Em outros tempos as incorreções do ator
José Mayer e a galhofa racista do jornalista William Waack talvez ficassem
restritas no campo do folclore das suas respectivas profissões. Mas hoje a
Globo não pensa duas vezes em imolar em público seus fiéis colaboradores de
outrora para tentar tirar a lama de suas mãos.
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