sábado, novembro 25, 2017

Grande mídia transforma Black Friday em Teleton da Era Temer


Um repórter cobrindo ao vivo um congestionamento de empilhadeiras em um depósito central de produtos vendidos pela Internet. Enquanto isso, uma outra repórter foi destacada para ficar o dia inteiro numa espécie de “sala de guerra” na qual, através de um telão, as vendas e os números acumulados dos valores dos descontos eram acompanhados em tempo real . Agora o viés da grande mídia para a Black Friday virou uma espécie de Teleton comercial. Só que ao invés de um evento em prol de crianças que necessitam de cuidados especiais, agora virou uma espécie de contagem progressiva de um País que estaria saindo da crise. Basta um simples exercício de jornalismo comparado para perceber a radical mudança de viés, principalmente da Globo: se de 2010 a 2015 (período do jornalismo de guerra e de esgoto) era “Black Fraude” e “Black Friday da crise”, agora tornou-se indicador de um País que lentamente estaria saindo do buraco depois da “irresponsabilidade fiscal” do passado. Além de revelar mais uma contradição em que a Globo se mete: ao mesmo tempo que pede a cabeça de Temer para aparentar imparcialidade, tem que defender as reformas daquele que supostamente quer derrubar.

Esse foi o tom histérico e surreal da cobertura da grande mídia (em particular da Globo) para a chamada “Black Friday” que, ao lado do Halloween, é mais um desses eventos importados que de uma hora para outra se transformam em pauta da agenda midiática.

O evento comercial que originalmente é o dia que inaugura a temporada de compras natalinas, chegou no Brasil em 2010 reunindo mais de 50 lojas de varejo e foi totalmente online. A Black Friday nacional chegou em pleno fenômeno sociológico do surgimento da nova classe média (a “classe C”) nos tempos em que as políticas neodesenvolvimentistas dos governos lulopetistas estavam de vento em popa.

Mas basta um rápido exercício de análise em jornalismo comparado para percebermos como, a partir do ano passado, a Black Friday passou a ser coberta pela grande mídia com um viés totalmente outro: em 2016 com mudanças ainda tímidas para, nesse ano, transformar-se em acontecimento com a estrutura de cobertura com ares de megaeventos como Carnaval ou Copa do Mundo.

Black Friday era um incômodo


De  2010 a 2015 a cobertura da grande mídia iniciou tímida como um evento de e-commerce, para aos poucos assumir como acontecimento comercial importante cujo montante de vendas dobrava a cada ano. Mas dentro de um contexto midiático tenso: era o período de jornalismo de guerra no qual a mídia corporativa assumiu compulsoriamente o papel de oposição política a um governo que insistia em permanecer no poder apesar do bombardeio noticioso diário com os escândalos do mensalão e, depois, com a artilharia pesada da Lava Jato.

Com o auge do neodesenvolvimentismo, tocado pelas notícias das potenciais riqueza da descoberta do pré-sal para o País, os números anuais crescentes da Black Friday se tornaram um incômodo para a grande mídia, dentro da construção da narrativa de uma suposta crise econômica que apontava em direção ao abismo. Naquele período, todos os esforços midiáticos estavam na estratégia da produção de uma crise autorrealizável. A crise política já estava descendo a montanha a baixo como uma bola de neve. Agora era a vez da crise econômica.

Ao vivo: cobertura de congestionamentos de empilhadeiras e progressão dos números do Black Friday - um novo Teleton?

Basta dar uma olhadas nas manchetes e coberturas televisivas da Black Friday desse período para perceber as reservas, desconfianças, e, principalmente, o viés do jornalismo adversativo dominado pelas conjunções “mas”, “porém”, “contudo” etc. baseado na presunção da catástrofe.

Hoje, a Black Friday transformou-se na pièce de resistance da grande mídia para provar que a economia brasileira está retomando (lentamente) a trajetória do crescimento – o “mercado” estaria dando sinais de otimismo com as diversas reformas (trabalhistas, previdenciárias etc.) prometidas pelo governo do presidente desinterino Temer.

Black Friday numa conjuntura de “inflação baixa” como destacam os analistas econômicos “mandrakes” – não importa se é uma deflação originada numa estagnação econômica: o que importa é que os preços caem, aumentando o “poder de compra” de quem não tem mais emprego e salário...

Os dilemas da Globo


Além do atual viés midiático de inflar histericamente a Black Friday,  revela principalmente mais um dilema em que a Globo se meteu. O primeiro dilema surgiu no seu jornalismo de guerra: conciliar os interesses comerciais (atrair anunciantes) com a militância do golpe político.


Depois veio o segundo: após se aliar até com o inferno (a direita hidrófoba e “politicamente incorreta”) e remexer a lama do psiquismo nacional, agora a emissora adota apressadamente o tom “politicamente correto” (a pauta do combate à qualquer forma de intolerâncias – religiosa, gênero, raça etc.) para tentar dizer que sempre teve as mãos limpas.

Nesse momento vive o terceiro dilema: pede a cabeça do desinterino Temer desde que bateu o bumbo das denúncias do PGR de Rodrigo Janot para, num futuro próximo, quando Lula for preso ou inelegível, posar de imparcial; mas, ao mesmo tempo, tem que apoiar as reformas desse mesmo governo que supostamente quer derrubar – afinal, Temer segue à risca as reformas neoliberais do Consenso de Washington.

E a pièce de resistance em que se tornou a Black Friday desde 2106, é uma das peças da nova narrativa de um País que estaria voltando a crescer depois das “irresponsabilidades fiscais” do lulopetismo.


Black Friday em tempos de jornalismo de guerra


Tudo começou em 2013 quando a mídia corporativa começou a bombar as críticas feitas pela revista Forbes à Black Friday brasileira: "Se nos Estados Unidos, a Black Friday é a largada da temporada de compras de Natal, no Brasil, é uma data para varejistas enganarem consumidores ávidos", destacava a revista a ação brasileira.

Memes começaram a lotar redes sociais (“pegadinha do Sérgio Malandro...HAAAA!!!!” – a Black Friday vista com desconfiança) e matérias sobre “falta de transparência do lojistas” e a “irritação dos usuários” eram destaques.

Uma matéria do JN da Globo de 2015 ironizava que os brasileiros não conseguiam pronunciar a palavra em inglês . Matérias em portais de notícias chegavam a falar sobre o “impacto da Black Friday sobre nosso planeta” com relatórios da WWF (Fundo Mundial para a Natureza – clique aqui), os impactos psicológicos do consumismo e as benesses do “consumo consciente” e “sustentável”.

Imagens de um hipermercado de SP repetida diversas vezes na TV e portais da Internet

A pauta desse período de 2010-15 mostrava a Black Friday como manobra das montadoras de veículos para enfrentar as vendas em baixa motivada por uma suposta crise econômica (“Com vendas em baixa, mais carros entram na Black Friday” – portal G1, 2015) e as matérias sobre o risco do “endividamento desmedido” (“Comprar na Black Friday requer cuidados” – IG, 2015), dentro do viés do calote e crise endêmica que estaria vivendo o País.

A pauta ficava entre o jornalismo adversativo (“Black Friday promete descontos mas o cenários de desaceleração econômica...”) e a simples estereotipagem como “Black Friday da crise” como costumava dizer o Estadão.

Como num passe de mágica...


Mas a partir do ano passado tudo mudou como num passe de mágica: “Vendas da Black Friday são 60% maiores que em 2015” destacou o G1 em 2016. O viés agora era de que “o consumidor estava aguardando a Black Friday para comprar”.

Se a Black Friday no passado era endemicamente falsa e ilusória, agora as promoções enganosas, fraudes e golpes são noticiadas sob um viés maroto: cresceram porque o consumo também cresceu.

O viés “Black Fraude” desapareceu do noticiário para no lugar entrar a Black Friday do consumidor consciente que deve conhecer os seus direitos.


E na TV a velha tática de pegar imagens de um acontecimento pontual e repeti-la durante toda a programação como fosse uma tendência generalizada: as imagens de pessoas disputando televisões em preços promocionais de um hipermercado da Zona Sul de São Paulo que abriu às portas na madrugada, foram replicadas nos canais de TV e portais da Internet. Um acontecimento pontual tornou-se o ícone de um fenômeno que supostamente estaria acontecendo por todo País.

Não se fala mais em Black Friday como uma das responsáveis pela bola de neve do endividamento. Agora é o índice do aquecimento de uma economia que luta para sair das irresponsabilidades do passado.

Agora fala-se até em “Efeito Black Friday”, na qual lojistas viriam a necessidade de trocar de data, mudando o evento para setembro: o comércio de Natal estaria se tornando compra de “lembrancinhas” diante do “volume de vendas” em novembro.

E a cereja do bolo desse novo viés jornalístico: a mudança gramatical – depois do predomínio das conjunções adversativas do passado, agora entramos no império dos adjuntos adverbias de concessão: “mesmo visto com desconfiança, dia de descontos faz vendas superarem as de dezembro”, diz o G1.

APESAR da crise, Black Friday é sucesso! Por que? Porque supostamente indica que estamos no caminho certo das reformas...

A trajetória midiática da Black Friday é a mesma do Enem: desacreditada e achincalhada nos tempos do jornalismo de guerra, agora recebe uma cobertura positiva.

Ao lado das trevosas alianças com a direita raivosa para engrossar o caldo do impeachment, o ataque incondicional às mazelas do Enem e Black Friday era o elemento forçado para uma narrativa que se construía e que culminou no golpe de 2016. Hoje, como se nada tivesse acontecido, a mídia corporativa candidamente fala que não teve nada a ver com isso e faz a cobertura entre a apologia e a prestação de serviço.

Finalmente a grande mídia aceitou Enem e Black Friday como eventos normais dentro da agenda para a nova narrativa pós-golpe que constrói para o País.

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