O muro do monopólio da Rede Globo está
trincando. Nos últimos dias, uma série de fissuras começaram a surgir: o
histórico cancelamento do clássico Atletiba como reação ao monopólio das
transmissões esportivas da emissora; o impeachment mal sucedido no Corinthians, no ápice de recorrente pauta negativa da emissora envolvendo a arena do Itaquerão; e o
crescimento exponencial do carnaval de blocos, atraindo verbas publicitárias
que migram do sambódromo para as ruas, ameaçando um dos principais produtos oferecidos
pela emissora ao mercado. Por trás dessas fissuras estão tecnologias de
convergência, mídias sociais, empreendedorismo e competição. Tudo aquilo que o
telejornalismo e colunistas globais raivosamente defendem como o futuro ético
para o País. Mas que, na prática, o monopólio tautista da Globo foge, assim
como o diabo foge da cruz.
O que há em comum nessas três histórias?
(a) O cancelamento do clássico “Atletiba”
(Atlético Paranense X Coritiba) no domingo passado por que os clubes se negaram
a jogar devido ao impedimento da transmissão do jogo ao vivo, exclusivamente
pelos seus canais no Facebook e YouTube, pela Federação Paranaense.
(b) A absolvição do presidente do Corinthians
Roberto de Andrade e o arquivamento do pedido de impeachment feito pelo
Conselho Deliberativo do clube.
(c) O crescimento dos blocos de carnaval de
rua nas grandes cidades brasileiras. Em consequência, grandes marcas estão
trocando os camarotes dos sambódromos pelas ruas. Depois de 26 anos de presença
cativa no sambódromo carioca, a Ambev anunciou o fim das suas marcas
(Antarctica, Skol, Bhrama etc.) nos camarotes VIP. Prefere agora desconcentrar
a verba publicitária, dividindo-a pelo maior número de cidades e blocos de
carnaval de rua.
O
leitor deve ter matado a charada: o que há em comum é que essas três histórias
narram três derrotas sequenciais da Rede Globo. Três derrotas que abrem
perigosas fissuras no monopólio global de comunicações.
A mais importantes fissuras são a (a) e (c)
pois têm a ver com o crescimento das tecnologias de convergência e redes sociais,
cujo monopólio da Globo vem, a todo custo, tentando frear ou desmerecer
principalmente pelas pautas negativas - para a emissora, Internet é sinônimo de
crimes, vício, piratas e pedófilos.
Assim
como fez nos anos 1990 com a ameaça dos canais por assinatura: monopolizou o
mercado da TV fechada (ao custo do endividamento em dólares que quase a
destruiu, não fosse o financiamento do BNDES dos tempos de FHC) e evitou a sua
expansão, tornando o serviço caro e ineficiente. Literalmente, sentou em cima
do futuro daquela mídia – aliás, muitos telespectadores passaram a assinar a TV
fechada apenas para melhorar o sinal do canal aberto da Globo.
Abordaremos
essas questões mais abaixo. Vamos começar pela história (b).
Fissura 1 – derrota no impeachment corintiano
Desde que as articulações políticas de Lula
levaram à construção da Arena Corinthians, a Globo vive com o clube uma relação
conflituosa: seus jogos são a principal audiência na grande São Paulo, maior
praça comercial do País. Conta com a segunda maior torcida do futebol
brasileiro, o Corinthians torna o futebol, ao lado das telenovelas, um dos
principais produtos da emissora.
Por outro lado, dentro da atual tabelinha com
a Operação Lava Jato e a liderança da Globo no movimento do impeachment, as
relações de Lula com a chamada “nação corintiana” tornam-se problemáticas,
principalmente com a proximidade das eleições de 2018 e a necessidade de
torna-lo inelegível.
Desde o ano passado, uma pauta negativa em
relação ao clube foi posta em prática: queda de parede, vídeos de vazamentos,
queda de placas, supostos perigos aos torcedores ou qualquer coisa negativa
envolvendo a Arena Corinthians. E mais estranho: do noticiário local a pauta
foi transferida para o programa esportivo Globo Esporte.
O crescendo negativo chegou com uma das
delações de Emílio Odebrecht, sempre divulgada em programas esportivos: o
estádio teria sido um presente para Lula, que é torcedor do time. A construtora
pertence ao consórcio que administra a Arena.
TV Globo faz previsível aproximação do impeachment no Corinthians com Operação Lava Jato. |
E culmina com a tentativa de impeachment do
presidente Roberto de Andrade por supostas irregularidades no contrato do
estacionamento com uma empresa, com todo estardalhaço no noticiário esportivo.
A absolvição de Roberto de Andrade, após todo
estardalhaço do noticiário da emissora com direito a infográficos e os
indefectíveis testemunhos com áudio alterado com o rosto do entrevistado à
contra-luz para impedir identificação, foi a derrota para uma emissora que
pretende, a todo custo, negativar todo legado de Lula no clube.
Nesses 35 anos como jornalista, professor
universitário e pesquisador de mídia, esse humilde blogueiro nunca viu um
noticiário esportivo dar tanto espaço à política interna de um clube. Mas,
sabemos, que Lula fez parte do Conselho Deliberativo corintiano até 2016, então...
Fissura 2 – o histórico cancelamento do Atletiba
“O Grupo Globo continua respeitando os clubes
e trabalhando para a melhoria do futebol brasileiro”. Essa foi a resposta
tautista (autismo + tautologia – sobre o conceito clique aqui) da emissora ao
cancelamento do clássico Atletiba: uma nota da emissora sem as imagens dos
times reunidos do centro do gramado aplaudindo os 20 mil torcedores presentes
que gritavam protestos contra a Federação de Futebol e a Rede Globo.
A torcida aplaudiu um jogo que não aconteceu,
compreendendo a importância histórica daquele ato frente ao monopólio de
federações e Rede Globo.
Os times recusaram a proposta da TV Globo e
RPCTV (afiliada da Globo no Paraná) com valores menores que do ano passado. E
decidiram transmitir a partida pelos seus canais no Facebook e YouTube. Como
represália, a federação se apegou a questões burocráticas e notificou que a
transmissão pela Internet estava proibida porque os técnicos e jornalistas que
trabalhariam no estádio não estavam “credenciados”.
No dia seguinte, na CBF, mais retaliações: em
reunião técnica de planejamento do Brasileirão 2017, foram vetados campos com
grama sintética. O que atinge diretamente a Arena da Baixada em Curitiba, local
onde Atlético Paranaense manda seus jogos.
A resposta tautista
A Globo diz cinicamente que nada tem a ver
com tudo isso. Porém, o que chama a atenção é a flagrante resposta tautista da
emissora anunciada pela SporTV, na qual praticamente afirma aquilo que nega:
O Grupo Globo é, de longe, o maior incentivador do futebol brasileiro. Tanto dando visibilidade ao seu conteúdo em programas, telejornais e nas próprias transmissões esportivas, quanto no aspecto financeiro, adquirindo os direitos dos principais campeonatos, como o Brasileiro, os Estaduais, a Copa do Brasil, a Libertadores da América, as Eliminatórias da Copa e a Copa do Mundo de futebol – clique aqui.
É
flagrante o tautismo da emissora: mas, é exatamente devido ao monopólio (que a
Globo considera como “incentivo”), por ter em suas mãos os principais
campeonatos, que episódios como o do cancelamento do Atletiba ameaçam se
repetir no futuro. A emissora sabe que concentra o mercado publicitário
brasileiro e que, por isso, a velha TV aberta, com seu ultrapassado conceito de
“grade de programação” é o que sustenta toda a pesada e cara infraestrutura global.
Por
isso, iniciativas com as do Atlético e Coritiba são uma séria ameaça que deve
ser punida exemplarmente, assim como na Idade Média o senhor feudal empalava
aldeões desobedientes e os deixavam expostos nas estradas para servir de
exemplos a todos os vassalos.
Conteúdos
de vídeo do YouTube concorre diretamente com a TV aberta. E o segundo maior
destino de publicidade no Brasil é o Google, proprietária da plataforma que
mais cresce nas mídias sociais.
Mas o
curioso é que essa perigosa fissura que se abriu no monopólio global é cercado
por uma série de ironias. Para começar,
a TV Globo, cujos telejornais e colunistas defendem raivosamente o
empreendedorismo, competição é mérito como ética civilizatória para o País, é a
primeira que reage violentamente a qualquer ameaça ao seu monopólio que teme
qualquer episódio de concorrência ou evolução tecnológica.
Outra
ironia é tudo isso ter acontecido em Curitiba, sede da Operação Lava Jato
liderada pelo heroico juiz Sérgio Moro sob os holofotes e aplausos diários do
telejornalismo da Globo. E, tão irônico que beira à perversidade, é o fato de
que muitos daqueles torcedores que gritavam “Globo vai se fudê!” na Arena da
Baixada saíram às ruas nas manifestações pelo impeachment e apoiando a Lava
Jato. Vestindo camisetas da CBF, a mesma que agora inicia o ritual de
“empalamento” do Atlético Paranaense ao vetar o gramado sintético aprovado pela
Fifa.
Fissura 3 – Os blocos de rua
Ninguém mais assiste à Fórmula 1 da TV
Globo, cuja categoria não possui mais piloto brasileiro competitivo. O evento
esportivo foi jogado para a TV fechada (aquela que a Globo senta em cima) para
que melancolicamente acabe. E as transmissões dos desfiles das escolas de samba
prometem ter o mesmo triste fim.
E novamente as tecnologias de convergência
estão por trás. Para o jornalista e sociólogo Bruno Fillippo, o atual
crescimento exponencial do carnaval de blocos de rua reflete a era tecnológica
na qual os jovens se organizam através de redes sociais para melhor aproveitar
os dias de folia:
É, em primeiro lugar, uma nova geração de foliões, que não se interessam muito pelas escolas de samba. As mudanças tecnológicas da comunicação acabaram por interferir na organização do carnaval de rua. Hoje há blocos temáticos em homenagem a cantores como Michael Jackson e Beatles, que foram organizados por pessoas que não são tradicionais do samba e do universo do carnaval e que arregimentam um grande público através das redes sociais – clique aqui.
As escolas de samba se tornaram reféns da
grade horária e elitização de um evento que, para os que ficaram de fora, resta
ficar passivamente assistindo na TV entre um cochilo e outro nas madrugadas...
Resta, porém, a diversão de assistir à apuração dos votos dos juízes e o indefectível grito de algum representante de escola de samba protestando: "É roubo, porra!".
Resta, porém, a diversão de assistir à apuração dos votos dos juízes e o indefectível grito de algum representante de escola de samba protestando: "É roubo, porra!".
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