Por que “La La Land - Cantando Estações” é o
grande favorito ao Oscar? Porque está sintonizado com o espírito do tempo desse
início de século: nostálgico, vintage, metalinguístico e com um amargo
realismo. O filme capta a essência do gênero musical clássico, levando o clichê
de “quebra e retorno a ordem” (pessoas que dançam, cantam e sonham, mas que
depois voltam à realidade como se nada tivesse acontecido) ao limite. A nostalgia pela era de ouro de Hollywood
e do jazz são o consolo para um casal que vê seus sonhos desapontados. Misturando
alusões a filmes musicais clássicos, “La La Land” é uma fábula de como o amor
nos dá força para realizar o possível. Mas, ao mesmo tempo, pode entrar na
contabilização dos sacrifícios de termos perdido tudo aquilo que era desejável.
Certamente o leitor deve se lembrar da
sequência mais famosa do musical Cantando
na Chuva (1952) com Gene Kelly e Debbie Reynolds: Kathy despede-se de Don
em uma noite chuvosa. Feliz por estar amando e pelo sucesso em um projeto
cinematográfico, Don não se contém e começa a cantar e dançar na rua enquanto
cai uma forte chuva. Don vive um sonho, dança, gira, salta, pouco se importando
com o aguaceiro.
No final, aparece um policial que cruza os
braços e olha feio para ele. A música para e, quase se desculpando, Don sai de
cena envergonhado e entrega seu guarda-chuva para a primeira pessoa que está
passando.
Cena simbólica e chave dos filmes musicais:
diante da lei, da ordem e da moral, é preciso retornar ao mundo. E mais: como
se nada tivesse acontecido.
Grande favorito ao Oscar, La La Land – Cantando Estações repete
essa mesma fórmula à exaustão em duas horas de filme. Em um mix nostálgico de
clássicos como Casablanca, Rebelde Sem Causa e do próprio Cantando na Chuva,
com constantes alusões à era de ouro de Hollywood dos grandes estúdios e do
jazz clássico de Charlie Parker e John Coltrane, La La Land compreendeu muito bem a essência dos filmes musicais:
narrativas com personagens cheios de sonhos, mas que, às vezes, é preciso
encontrar um parceiro ou alguém para amar para que os sonhos se tornem
realidade.
Porém, esses sonhos devem ser constantemente
interrompidos, assim como na sequência de Gene Kelly descrita acima. La La Land leva essas interrupções, ou o
que esse humilde blogueiro chama de clichê da
“quebra-da-ordem-e-retorno-a-ordem”, ao paroxismo. Até o retorno final à ordem,
amargo, como se preparasse o espectador a voltar à sua realidade assim que
sejam acesas as luzes do cinema.
Espírito do tempo
Dessa maneira La La Land conecta-se ao espírito do tempo desse início de século -
por isso, a produção levará o Oscar. Um
mescla de nostalgia, estética vintage, realismo amargo (no qual o desejável é
sempre substituído pelo possível) e visão niilista de futuro. Um realismo
amargo traduzido pelas sucessivas cenas musicais nas quais sonhos, desejos e
fantasias são cessados assim que a música abruptamente acaba, fazendo os
protagonistas retornarem à dura realidade sem permitir que os sonhos se
desenvolvam.
Claro que essa é a essência dos filmes
musicais clássicos: não permitir o desenvolvimento dos sonhos até que tudo
termine no happy end estereotipado. Porém,
em La La Land até mesmo esse happy end clássico é suspenso numa
espécie de alusão hiper-real do final de Casablanca: “Mas... e quanto nós?”,
pergunta Ilsa (Bergman). “Nós sempre teremos Paris”, fala Rick (Bogart).
Para La
La Land, os protagonistas sempre terão a velha Hollywood: as saudades do
amor perdido misturado com a nostalgia da velha Hollywood e do jazz clássico,
derrotado pelos teclados dos sintetizadores pop.
O Filme
A primeira sequência já demonstra para quê
veio o filme: vemos carros presos no horrível tráfego de Los Angeles até que,
de repente, os motoristas decidem sair dos carros e cantar e dançar “Another
Day of Sun”. Uma música otimista que exorta o espectador a se reerguer toda vez
que estiver decepcionado. Por que amanhã será mais um dia de sol! Não mais que
de repente tudo para e os motoristas voltam a buzinar em seus carros como se
nada tivesse acontecido.
Devo confessar que os musicais sempre me
incomodaram por isso: como assim! A música termina e sonhos e desejos cantados
voltam à rotina e... nada aconteceu?
A introdução musical é a preparação para a
estória que vamos acompanhar sobre a vida de mais um daqueles que se
decepcionam e esperam o sol nascer no dia seguinte: o pianista de jazz
Sebastian (Ryan Gosling) e a atriz Mia (Emma Stone).
Mia está cansada de procurar oportunidades em
Hollywood. É balconista em um café dentro dos estúdios da Universal: tão perto
e tão longe – só consegue fazer audições com produtores que mal levantam os
olhos para ela.
Sebastian é um purista do jazz: seu sonho é
abrir um clube de jazz clássico, enquanto vive de bicos como tecladista em
festas nas colinas de Hollywood, tocando sucessos do synthpop dos anos 80.
A vida deles é cercado de alusões
nostálgicas: no quarto de Mia um imenso pôster de Ingrid Bergman e no
apartamento de Sebastian discos de vinil de jazz antigos e pôster de John
Coltrane.
Como em todo musical, o primeiro encontro
deles é desajeitado e um passa ter pior impressão do outro. Mas sabemos que a
química do casal vai funcionar nas próximas cenas. Afinal, são dois perdedores
e sonhadores, sob o Sol que sempre renasce em Los Angeles.
Gosling e Emma Stone não são cantores e
dançarinos, mas as sequências musicais são fantasticamente coreografadas,
fluidas. Através da dança cairão no amor.
Quebra e retorno à ordem
Mas as sequências musicais se sucedem sempre
com fantasias e sonhos interrompidos pela dura realidade. Depois de uma cena
musical em uma festa na qual sonha em ser encontrada por alguém e reconhecida,
tudo termina com o carro guinchado por ter estacionado em local proibido.
Sebastian arruma um bico para tocar músicas
bregas em um restaurante. De repente, se empolga e começa a tocar fraseados de
jazz. Logo depois, é demitido pelo patrão por desobedece-lo.
Assistindo ao filme Rebelde Sem Causa, quando Sebastian finalmente vai dar o primeiro
beijo em Mia, a película queima no projetor e as luzes são acesas interrompendo
tudo.
A cena em que o casal está ao piano
celebrando o seu amor termina com Sebastian assinando o contrato para tocar
numa banda de free jazz pop. Tudo que odiava... mas, afinal, precisa ganhar
dinheiro no mundo real. Mesmo ao custo do realismo separá-lo de Mia.
A ideologia dos musicais
Ao lado dos super-heróis nas HQs, os filmes
musicais desempenharam um importante papel ideológico no pós-guerra: numa
incipiente sociedade de consumo com produtos e estilo de vida massificados (o
“sonho americano”) era importante uma produção cultural que inspirasse
resignação e conformismo.
Theodor Adorno apontava a existência de um
duplo vínculo dos espectadores na indústria cultural – produtos culturais
padronizados, mas que ao mesmo tempo permitissem uma escapadela do trabalho
mecanizado.
Aluno de Adorno, Dieter Prokop percebeu como
esse esquema de trabalho com as fantasias e desejos do público foi normatizado
no que ele chamava de “fantasias-clichê”: um esquema abstrato que joga ao mesmo
tempo com o “tédio” e “fascinação”. Sonhos, desejos, loucuras proibidas, etc. são
desenvolvidos nos produtos de massa conseguindo a fascinação, mas vão até certo
ponto. Se passassem desse limite começariam a incomodar o público, quebrariam a
necessidade psicológica por harmonia. Então vem o “tédio”: os sonhos retornam à
realidade com quebras narrativas que preparam o espectador para retornar a sua
vida depois da sessão de cinema ou cochilo diante da TV – sobre isso clique aqui.
E a forma narrativa dos
musicais sempre foi o gênero perfeito por explorar essas quebras narrativas
sem, contudo, romper com o realismo e verossimilhança fílmica.
Na forma clássica dos filmes
musicais, o happy end sempre foi a resignação final através do amor
realizado, no casamento, nos filhos e na vida familiar tal como prescrita pelo
sonho americano da época.
Mas La La Land é um musical pós-moderno: nostálgico, vintage,
metalinguístico – mais um motivo para levar os principais Oscar desse ano. Mas
ao mesmo tempo amargo e realista. Repete ao limite a fórmula da quebra e
retorno a ordem, mas com um happy end
que se adequa a um século XXI no qual o sonho americano se esvaziou de legitimidade.
Happy end invertido e sobrevivencialismo - aviso de spoilers à frente
La La Land apresenta uma espécie de happy
end invertido: se através do amor os sonhos do casal se realizam, ao mesmo
tempo é o motivo da triste separação. Com o sucesso profissional e a agenda
lotada de compromissos, um não tem mais tempo para o outro.
Ao invés do Rick’s Bar do
filme Casablanca, Sebastian construiu
seu clube de jazz clássico: o Seb’s. E lá ocorre o desfecho com uma explícita
alusão ao filme clássico de Humphrey Bogart: ela casou com outro, é atriz bem
sucedida com uma filha. Ele, triste ao piano, vê Mia chegando com o marido.
Mas terão para sempre
Hollywood, os musicais e o jazz... assim como Rick e Ilsa têm até hoje Paris...
Ela com marido e filhos. Ele com o seu museu melancólico do jazz que está
morrendo.
Sociologicamente já não
vivemos o conformismo do pós-guerra. O conformismo atual é de outra ordem: a do
“sobrevivencialismo” – substituir o desejável pelo possível – sobre esse
conceito clique aqui. Depois do filme inteiro repetir à exaustão cenas
de quebra e retorno a ordem, restou apenas o possível.
O século XXI será amargo, e
exigirá uma sobre-força de resignação e conformismo, sob a aparência de
felicidade através de camadas e mais camadas de nostalgia, estética vintage e
metalinguagem.
Ficha Técnica |
Título: La La Land
– Cantando Estações
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Diretor: Damien Chazelle
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Roteiro: Damien Chazelle
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Elenco: Ryan
Gosling, Emma Stone, Rosemarie DeWitt, J.K. Simmons
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Produção: Black Label
Media, Gilbert Films, Summit Entertainment
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Distribuição: Paris Filmes
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Ano: 2016
|
País: EUA
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