O cinema e o audiovisual parecem ter o
estranho poder de prever cenários futuros: a eleição de Donald Trump, o
atentado ao WTC em 2001, o atentado na Maratona de Boston em 2013, a hegemonia
econômica da China etc. em filmes e séries como “”Os Simpsons, “Americathon” ou
“Lone Gunmen”. No auge do neoliberalismo de Reagan e Thatcher nos anos 1980,
filmes como “Robocop” e “Max Headroom” apresentavam futuros distópicos, efeitos
colaterais das políticas de austeridade e privatizações que agora acompanhamos
ao vivo nas ruas do Estado do Espírito Santo – no vazio do poder público
sucateado, as ruas são dominadas por crimes, saques e assassinatos. O Exército
chegou para ocupar as ruas. Mas será que o próximo passo, seguindo a cartilha
neoliberal, é a privatização das forças de segurança, assim como a OCP
(“RoboCop”), MNU (“Distrito 9”), Tetravaal (“Chappie”) ou a NYPC (“From The
Future With Love”)? Acompanhe a lista de sete filmes que anteviram cenários
futuros nos quais o Brasil está entrando.
Cidadãos presos nas suas casas, estocando
comida diante dos monitores de TV acompanhando as declarações do governador e
ministros perplexos e aparvalhados. Lá fora, nas ruas, os mortos já ultrapassam
quase uma centena, enquanto supermercados são saqueados à luz do dia. Vê-se
famílias de classe média empurrando nas ruas carrinhos de supermercado apinhados
com produtos dos saques – alimentos e eletrodomésticos. Ao mesmo tempo, pessoas
são arrancadas de dentro dos seus carros. Automóveis que serão usados para a
próxima ação de grupos armados.
O Exército chega para tentar controlar o caos.
Soldados armados podem ser vistos fazendo blitz aleatórias. Tanques e veículos
blindados surgem nas ruas para tentar manter a lei e a ordem. Demonstram estar
tão perdidos quanto a população.
Parece que estamos descrevendo alguma
sequência de um filme catástrofe como Guerra
dos Mundos ou pós-apocalíptico como Mad
Max. Mas tudo isso está acontecendo nesse momento no Estado do Espírito
Santo, efeito do aquartelamento da polícia militar, impedidos de sair dos
batalhões pelas suas famílias que protestam pelo não pagamento de salários e
benefícios.
O Espírito Santo era uma Estado que seguia à
risca a cartilha neoliberal da “austeridade” (eufemismo para cortes de
investimentos para tudo que tenha a ver com saúde, segurança, educação e
cultura), um exemplo de responsabilidade fiscal vendido para o restante do
País. Mas agora está imerso numa espécie de guerra civil.
Familiares de policiais de outros estados,
como Rio de Janeiro e Pará, começam a seguir o exemplo capixaba e protestam
diante dos quartéis, ameaçando estender o caos para o restante do País.
Ao
vivo acompanhamos as consequências do neoliberalismo que, mesmo os países que
deram origem a essa doutrina econômica (o thatcherismo britânico e os chamados
“Chicago Boys” nos EUA), estão relativizando a implementação ao pé da letra das
suas políticas.
Os "Chicago Boys" nos anos 1950: nem eles imaginavam sua cartilha aplicada ao pé da letra |
A cartilha literal e selvagem
Enquanto isso no Brasil, querendo ser mais
realista que o próprio rei, aplica-se a cartilha de forma selvagem e
irrefletida.
A partir dos anos 1980, em pleno auge da
doutrina neoliberal com Ronald Reagan nos EUA e Margareth Thatcher no Reino
Unido, Hollywood produziu muitos filmes que apresentavam uma crítica a essa
ortodoxia econômica: futuros distópicos nos quais as corporações eram mais
fortes do que o próprio Estado, enquanto nas ruas a polícia privatizada tentava
manter o caos em cidades que caiam em pedaços pela ausência do poder público.
Robocop (1987) e Max
Headroom (1985) são exemplos de filmes que já antecipavam o futuro que
estamos apenas começando a experimentar. O pior é que no nosso caso brasileiro,
como país periférico, é onde a receita neoliberal será aplicada de forma mais
literal e selvagem como começamos a acompanhar com coisas como “PEC do fim do
mundo” e toda uma geração que será condenada a morrer sem jamais ver benefícios
trabalhistas e previdenciários.
Como já discutimos em postagem recente, o
cinema e o audiovisual parecem ter uma incrível capacidade para antecipar
cenários futuros como, por exemplo, atentado de Nova York (The Lone Gunmen, 2001), eleição de Donald Trump (Os Simpsons, 2000), atentado na Maratona
de Boston (Family Guy, 2013), o
colapso do Comunismo e a atual supremacia econômica da China (Americathon, 1979) entre outras
produções – sobre isso clique aqui.
Esse humilde blogueiro preparou uma lista de
sete filmes que anteveem as visões distópicas que começam a se materializar no
Brasil. Estamos às portas das distopias neoliberais previstas por (pasmem!)
Hollywood e a indústria audiovisual dos EUA.
1. Robocop (1987)
O filme é uma dura crítica ao urbanismo
neoliberal. Numa pós-industrial e decadente Detroit, o poder público cai aos
pedaços, criminalidade e drogas dominam as ruas e policiais são assassinados,
trabalhando sobrecarregados e com parcos salários mantendo forças de segurança
sucateadas pelo Estado. Policiais ameaçam greve depois do assassinato de outro
oficial.
Mas a corporação Omni Consumer Products (OCP)
tem outros planos: substituir o poder público e, sob os escombros da velha
Detroit, construir “Delta City”, uma comunidade com segurança, limpeza e ordem
para aqueles que disponham de dinheiro para pagar.
Mas a pedra no sapato da OCP são as forças
policiais e sua irritantes exigências por direitos trabalhistas. Um jovem
executivo yuppie tem a solução: privatizar a segurança através do programa
RoboCop com autômatos fortemente armados que substituirão a velha força
policial. Afinal, robôs são mais confiáveis – não têm famílias, não fazem
greves, não têm sindicatos e nem direitos como a exigente força de trabalho
humana.
RoboCop é a metáfora entre o policial humano público
e a máquina corporativa privada. Numa velha Detroit dominada por gangues,
traficantes e saqueadores enquanto o poder público é propositalmente
desmantelado para que a OCP reconstrua a cidade. Para aqueles que têm dinheiro.
Bem vindo ao futuro brasileiros!
2. Max Headroom: 20 Minutos no Futuro (1985)
Novamente o urbanismo neoliberal da era
Reagan-Thatcher: uma cidade distopica com ruas apinhadas de lixo, sem tetos,
gangues punks e traficantes sob céus poluídos. A única coisa que se distingue
imponente no skyline de ruínas á o prédio da emissora de TV Rede 23.
Amedrontados, os cidadão não saem de casa.
Com o altíssimo desemprego, os cidadãos passam seus dias assistindo à
hegemônica Rede 23. Até que misteriosamente um telespectador morre: sua cabeça
explode diante da TV.
O repórter Edson Carter descobre que a
poderosa Rede 23 está testando um invento subliminar chamado “blipvert” para
evitar troca de canal ou, simplesmente, impedir que o telespectador desligue a
TV. Com as ruas dominadas pelo caos, já que não se vê a mínima atuação de algum
poder público, os cidadãos estão vulneráveis aos terríveis efeitos colaterais
dos blipverts.
Qualquer semelhança com a aliança entre o
sucateamento do poder público brasileiro e o sistema de comunicação hegemônico
da TV Globo não será mera coincidência. Max Headroom anteviu a perversa aliança
entre neoliberalismo e mídia. Sobre o filme clique aqui.
3. Batman (1989)
Em pleno auge da aplicação da cartilha
neoliberal nos EUA e Reino Unido, o cinema dos anos 1980 foi próspero em
apresentar paisagens urbanas em ruínas pela decadência do poder público diante
das corporações e do crime organizado.
Batman de Tim Burton apresenta o futuro: o
Estado Gotham City, o paroxismo dos sonhos neoliberais. Uma cidade escura e
sombria na qual o Estado sumiu, a polícia é corrupta e o crime organizado
apavora os cidadãos para que se isolem nas suas casas, deixando as ruas livres
para a ação do crime.
Quem salvará Gotham City? O poder público
entrega os destinos da cidade ao milionário Bruce Wayne e a sua Fundação de
caridade que leva seu nome. Secretamente ele é Batman, um mascarado vigilante,
justiceiro e atormentado que parece não buscar justiça, mas vingança.
É a síntese dos sonhos neoliberais: uma
sociedade autorregulada pelo darwinismo social enquanto uma fundação privada
cuida dos excluídos, doentes e abandonados à sorte.
Sintomaticamente exemplares de Batman
apareciam nas grandes manifestações de 2013-14 e nos panelaços da Avenida
Paulista, em São Paulo. Assim como justiceiros armados nas ruas do Estado do
Espírito Santo, contribuindo com o centenário número de mortos.
4. Distrito 9 (2009)
O filme é uma grande metáfora de como a
Globalização das políticas neoliberais produz exclusão, precarização do
trabalho, tráfico de armas e drogas. Uma gigantesca nave alienígena chega à
Terra e paira imóvel sobre Joanesburgo, África do Sul. A nave tráz milhares de
extraterrestres artrópodes que se transformam em refugiados, destinados a um
campo do governo chamado “Distrito 9”.
Incapaz de lidar com o problema, o governo
sul-africano contrata uma empresa privada chamada Multinational United (MNU).
Mas na verdade a empresas está interessada nas armas alienígenas, pensando na
privatização da guerra em escala mundial através de mercenários da MNU.
Racismo, apartheid e segurança urbana
precarizada são os temas de Distrito 9. Novamente o viés das distopias como
Robocop: sucateamento do poder público e a entrada em cena dos interesses
corporativos privados. Sobre o filme clique aqui.
5. Chappie (2015)
Do mesmo diretor de Distrito 9, Neill Blomkamp. Diferente de Distrito 9, agora o lixão,
favelas e pobreza se estenderam por toda Joanesburgo dominada por uma opressiva força
policial mecanizada da empresa paramilitar chamada Tetravaal.
Com a ausência do poder público, robôs
armados da Tetravaal têm que impor a lei e a ordem numa cidade dominada pelo
crime organizado por máfias que combinam ritos tribais com alta tecnologia.
As cenas introdutórias do filme com imagens
da CNN e telejornais locais mostrando choques policiais nas ruas e imagens
aéreas de grandes áreas de favelas com os robôs armados entrando em ação dão
uma forte sensação de atualidade nessa ficção-científica. Na cidade, não
conseguimos identificar um mínimo de presença de organização pública. Apenas a
força paramilitar privatizada para reprimir aqueles que foram excluídos de
qualquer direito ou cidadania – sobre o filme clique aqui.
6. Tokyo Gore Police (2008)
Nessa co-produção EUA e Japão, agora os
efeitos neoliberais do desaparecimento do poder público estão na cidade de
Tóquio, uma cidade caótica, violenta e totalmente privatizada. Por isso, a
Força Policial de Tóquio tem total liberdade para lidar com os criminosos, já
que o poder Judiciário desapareceu: transforma-se em juiz, júri e executor.
No interior da força policial há um grupo
paramilitar que se utiliza da violência, sadismo e execuções de rua para manter
a lei e a ordem. Como em Batman, a cena pública vira campo de lutas por
vingança e acertos de contas pessoais.
Solitária e problemática, uma ninja chamada
Ruka busca a vingança do assassinato do seu pai, um velho oficial morto nas
ruas em plena luz do dia.
Enquanto os serviços públicos foram
privatizados por corporações, a Justiça foi substituída pelo ressentimento e
vingança pessoal.
7. From the Future With Love (2013)
Num futuro próximo o New York Police
Department (NYPD) será substituído pela New York Police Corporation (NYPC) que
compete com outras empresas do setor. Porém, é a que domina a maior extensão de
áreas públicas.
O curta abre com uma garçonete desesperada
que busca ajuda de policiais que almoçam no restaurante. Alguém fugiu sem pagar
a conta. “Nada podemos fazer. O seu plano de segurança é básico e não cobre
incidentes desse tipo...”, responde calmamente o policial enquanto morde o seu
sanduíche.
Como uma empresa qualquer, a NYPC vende
planos de proteção para a população: o Básico, o Silver e o Premium, com uma
promoção de 5% de descontos nos planos fechados até o Natal.
Crime organizado e segurança privada se
confundem nessa Nova York distópica. Concorrência e empreendedorismo, bem ao
gosto do projeto neoliberal de sociedade: máfia e empresas de segurança pública
privatizada concorrendo para ver quem oferece os melhores planos e descontos...
e quem consegue eliminar a tiros a concorrência.
Assista ao curta abaixo.
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