Um filme “trash” como “Uma
Noite de Fúria” (Santa’s Slay, 2005) trás muito mais verdades do que toda a
filmografia que pretende trazer fé e esperança por meio de uma figura tão
controvertida como Papai-Noel. A recorrência de filmes que apresentam uma visão
“pagã” ou “satânica” do mito natalino, confirma as origens histórico-políticas de Papai-Noel: Santa Claus e Satã são os dois lados de uma mesma
moeda criada pela Igreja para que o Cristianismo ganhasse hegemonia sobre
culturas dominadas por rituais de fertilidade que relembravam os ciclos da
natureza, morte e renascimento.
Em postagem anterior, ao analisarmos o filme finlandês “Rare
Exports: A Christmas Tale”, cujo diretor foi buscar no folclore finlandês as
origens pagãs do Papai-Noel (selvagem, sem nenhuma boa vontade e perseguidor de
crianças), discutíamos a existência de um imaginário subterrâneo no mito
natalino, muito recorrente no cinema. Um imaginário bem diferente e menos
altruísta do que a tradição cristã que credita as origens de Papai-Noel a São
Nicolau (século IV DC).
A lista de filmes que apresenta essa visão “alternativa” do
Papai-Noel (ou “Santa Claus”) é imensa. Só para listar alguns: Bad Santa (2003), Black Christmas (1974),
Christmas Evil (1980), Silent Night, Deadly Night (1984), Jack Frost (1996),
Don´t Open Till Christmas (1984) etc. Definitivamente, não são filmes recomendáveis para serem assistidos na noite de Natal, mas dão o que pensar:
porque essa recorrência dessa figura maligna do Papai-Noel no cinema? Apenas exemplos da estética
trash? Filmes que simplesmente querem romper com a monotonia da figura do bom
velhinho? Ou simplesmente diversão sadomasoquista?
Se acreditarmos que os filmes são muito mais do que mero
entretenimento, mas documentos primários para estudarmos a sensibilidade, o
imaginário ou os sintomas culturais de uma época, então temos que levar a sério
a recorrência de certos temas, simbologias ou iconografias nas narrativas
fílmicas. Evitar o julgamento simplista que pretende descartar filmes sob rótulos como "comercial", “trash” ou "de entretenimento". Em outras palavras, recorrências no cinema sempre são sintomas de sérios conteúdos
antropológicos ou culturais da espécie (mitos, arquétipos, imaginários,
mitologias etc.).
O filme “Uma Noite de Fúria” (Santa’s Slay, 2005) é mais um
exemplo de filme que explora esse imaginário subterrâneo do Papai-Noel. Mesmo para
quem não gosta do gênero, o filme vale pela sequência inicial: uma família vai
iniciar a ceia de Natal (com participações especiais de James Caan, Fran Drescher, Chris Kattan etc.) entre
diálogos ríspidos e cínicos com acusações veladas e ironias sobre infidelidade,
preconceitos e um peru que virou “sola de sapato” de tão duro. De repente, eis
que desce pela chaminé, destruindo todos os tijolos da lareira, um Papai-Noel
com a aparência de um viking enlouquecido que inicia uma bizarra série de
assassinatos, massacrando toda a problemática família.