segunda-feira, janeiro 24, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Quem assiste ao filme “O Paraíso é Logo Ali” (Henry Poole is Here, 2008) pensa estar diante de um filme com tema espiritual ou religioso. Nem uma coisa nem outra. Embora estejam presentes elementos como a imagem de Cristo, fé, milagres e um padre, o filme é uma abordagem tragicômica sobre o tema da esperança. Dessa forma, esse filme é um flagrante exemplo de como roteiristas de Hollywood trabalham com elementos religiosos e espirituais: os convertem em cenários ou signos que evocam a vida espiritual, quando na verdade o filme trata da vida interior – a fé convertida em pensamento positivo. É a influência da filosofia do Pragmatismo americano ao converter o espiritual e o religioso ao “inspirador” e “motivacional”. A fé em Cristo não salva. Ela apenas funciona.
Henry Poole (Luke Wilson) é o protagonista do filme. Ele é um homem desiludido que tenta se isolar em uma casa no subúrbio degradado na periferia de Los Angeles. Desenganado por um médico, Poole acredita que morrerá em breve. Tudo o que ele quer é se isolar, acumulando várias garrafas de vodka e muitos sacos de salgadinhos, melancolicamente à espera da morte. Mas, para o seu incômodo, os vizinhos se recusam a deixá-lo sozinho.
A mais persistente é uma viúva e tagarela mexicana Esperanza (Adriana Barraza). Ela é a primeira a notar uma mancha na parede externa da casa de Poole. Ela está certa que essa mancha forma o rosto de Cristo. E para reforçar a sua convicção religiosa, surge na imagem/mancha um filete de uma substância vermelha, parecida com sangue. Esperanza chama o padre Salazar (George Lopez) para inspecionar e dar o aval da Igreja para o milagre.
Para desespero de Poole, a partir daí a mancha passa a se tornar objeto de culto e passa a receber visitas de toda a localidade. Tudo é surreal e bizarro para Henry Poole, já que ele nada vê, a não ser uma mancha em uma parede. A coisa se complica quando uma vizinha de oito anos de idade, que não dizia uma palavra desde o divórcio de seus pais, é atraída pela mancha na parede e volta a falar.
Tudo irônico: supostos milagres começam a ocorrer no quintal da casa de um homem sem esperanças. Henry Poole trava furiosas batalhas verbais com os crentes na inútil tentativa de garantir uma morte solitária e quieta. Parece que tudo ao redor tenta lhe passar a mensagem de que deve ter fé e esperança (a começar pelos nomes das pessoas mais próximas a ele: Esperanza, Patience – “paciência” – e Dawn – “alvorecer”).
“O Paraíso é Logo Ali” é interessante como um flagrante exemplo de como no cinema hollywoodiano a vida espiritual se converte em vida interior e a fé em pensamento positivo e convicção. A vida espiritual (toda a dimensão no qual se insere a fé – transcendência, metafísica, teologia, salvação, sacrifício etc.) é substituída pela vida interior (autoconhecimento, subjetividade, emoções, sentimentos etc.). O resultado é uma espécie de filosofia de auto-ajuda travestida em religiosidade pessoal. Algo assim como um “Personal Christ”.
Em uma entrevista concedida pelo escritor e roteirista do filme “O Paraíso é Logo Alí”, Alberto Torres, ele explicou o processo de elaboração criativa do roteiro:
“A idéia de fé nesse filme foi secundária. O principal foi a ideia de esperança. Você sabe, o aspecto religioso da necessidade de você ter que acreditar em algo ou o que quer que seja. Acho que isso foi o veículo para contar a estória. Não importa que o rosto seja o de Cristo. Não é necessariamente importante que um padre católico esteja lá. Essas foram apenas ferramentas dramáticas para contar a estória de um homem desesperado tentando uma saída de uma situação terrível e encontrando uma maneira de estar esperançoso novamente pela vida. (...) Fiquei fascinado com a ideia de algo assim... de as pessoas olharem para uma imagem e fazer crer que o que as pessoas viam fosse o quê elas acreditavam ver.” (Clique aqui para ler a íntegra da entrevista)
Essa declaração é bem elucidativa. Propositalmente o filme cria uma ambiguidade em relação aos milagres e à imagem na parede da casa de Poole. Não vemos (assim como Poole) imagem alguma, mas as pessoas veem. Porém, as curas acontecem, inexplicavelmente.
Embora o roteirista coloque Cristo, padre e milagres na estória, não é sobre isso que ele quer tratar. Para ele, são apenas “ferramentas dramáticas” do roteiro. Sob a aparência desses signos religiosos/espirituais, na verdade o filme nos fala sobre a força do pensamento que fazem coisas acontecerem, como nesse diálogo entre Henry Poole e Patience, logo após ela ter conseguido a cura por meio da suposta imagem de Cristo (voltou a enxergar sem os seus óculos com grossas lentes):
“Patience: Ainda não acredita em tudo isto não é certo?
Henry Poole: Tenho que admitir que... Patience: Conhece um homem chamado Chomski?
Henry Poole: O escritor?
Patience: Sim, é inglês. Mas em uma entrevista disse... "Quando surgem perguntas, as razões de nossas ações ou feitos, usa a ciência humana?" É uma perda de tempo.
Henry Poole: Na realidade acredita nisso?
Patience: Significa que nem tudo precisa de uma explicação. Às vezes as coisas acontecem por escolhermos que aconteçam. Eu escolhi acreditar.”
Percebemos aqui o mesmo ideário de filmes como “O Segredo” ou de toda a literatura de autoajuda e autoconhecimento: o pensamento e a força da vontade têm poderes de fazer as coisas acontecerem. Basta acreditar. Como afirma o roteirista Alberto Torres, a inspiração colocar uma imagem milagrosa de Cristo no filme veio da sua educação católica da infância. Mas preferiu colocar esses elementos religiosos propositalmente ambíguos.
Segundo Stephen Simon (produtor de filmes como “Em Algum Lugar no Passado” e “Amor Além da Vida”), nenhum dos estúdios ou entidades de produção em Hollywood reconhece a espiritualidade ou a religiosidade como um gênero. Para ele, “isso os amedronta ou eles não as percebem, e, muitas vezes, ambas as hipóteses são verdadeiras” (SIMON, Stephen, A Força está com Você: mensagens do cinema que inspira as nossas vidas., Rio de Janeiro: Best Seller, 2007, p. 25.).
Talvez mercadologicamente acreditem que religiosidade e espiritualidade sejam temas restritivos para filmes que buscam um alcance globalizado. Por isso, a vida espiritual deve ser reduzida à subjetividade da vida interior, e noções teológicas como fé e graça convertidas em idéias como “força de vontade” e “pensamento positivo”.
O Prgmatismo Norte-americano
Para além desses aspectos mercadológicos de Hollywood, há nessa redução da espiritualidade e religiosidade ao poder da vontade um reflexo de uma tradição filosófica que impregna a cultura americana: o Pragmatismo.
O movimento do Pragmatismo teve origem nos Estados Unidos, no final do século XIX, em torno de quatro figuras fundamentais: Charles Sanders Peirce (fundador da Semiótica), William James, Ferdinand Canning Scott Schiller e John Dewey. Para eles, ação e pensamento são a mesma coisa. Idéias ou conceitos não precisam ter uma comprovação empírica para sabermos se são falsos ou verdadeiros.
O que importa é a sua aplicação prática, a maneira como as pessoas aplicam na prática: ou seja, se as idéias ou conceitos têm pragmaticamente um resultado bom ou mal, se elas são úteis.
Tomemos o exemplo da conversão mítico-religiosa. Do ponto de vista pragmático pouco importa sabermos se Deus existe ou não. Se a crença Nele trás vantagens em termos de enriquecimento espiritual e expansão vital então é um pensamento válido porque útil.
É verdadeira aquela afirmação que tem êxito, cujo resultado prático é bom. E seu significado é definido pelo uso ou emprego que dela se faz. Desta filosofia tem-se uma implicação moral: o bom é aquilo que é útil.
Portanto, a imagem que aparecia na parede da casa de Henry Poole era realmente a de Cristo? Realmente as pessoas receberam graças divinas? Pouco importa. A lição moral do filme é pragmática: se acreditar em Cristo, em Deus ou em milagres faz as pessoas se sentirem bem, então tudo isso existe. Por que? Porque funciona!
Ficha Técnica:
Título: O Paraíso é Logo Ali (Henry Poole is Here)
Direção: Mark Pellington
Roteiro: Alberto Torres
Produção: Camelot Pictures e Lakeshore Entertainment
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Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, organizado pelo Prof. Dr. Ciro Marcondes Filho e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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