segunda-feira, setembro 24, 2018

Bolsonaro X Haddad no segundo turno? Guerra híbrida continua vencendo


Mais uma vez a sabedoria desconfiada do velho Leonel Brizola. Acostumado com os truques da geopolítica dos EUA, em 1989 Brizola acusava Lula de ser inflado pela direita para mais facilmente a própria direita, representada então por Collor, vencer. Tudo leva a crer que Bolsonaro e Haddad irão ao segundo turno. Otimismo e ufanismo ganham a esquerda, saudando o gênio político de Lula, mesmo com todo massacre midiático e “lawfare”. Como sempre, a esquerda apenas compreende a superfície da atual guerra híbrida brasileira, em ação desde 2013. Para além do impeachment e a prisão de Lula, há um objetivo semiótico mais insidioso: polarização (petismo X anti-petismo) e despolitização (o jargão do empreendedorismo e moralismo travando qualquer debate de macro-conjuntura) - infantilização o debate político através do ódio e irracionalidade de uma opinião pública que se acostumou a odiar a Política. E nesse momento, a grande mídia busca mais uma “bala de prata” para turbinar a polarização. Será que o velho Brizola tem mais uma vez razão? (ilustração: Felipe Lima, "Gazeta do Povo")

Dias antes da eleições que levariam Lula ao Segundo turno, contra Fernando Collor,  em 1989, Brizola foi ao ar alertando as “forças democráticas” de que “a direita tinha feito muito esforço junto a Lula e ao seu movimento... encheram o balão de Lula para leva-lo ao segundo turno... Por que? Pois nós estamos vendo: será muito mais fácil derrota-lo do que qualquer um de nós...”.

O notável crescimento de Fernando Haddad nas últimas pesquisas e a consolidação da ultrapassagem sobre Ciro Gomes é comemorada como praticamente uma definição do cenário do segundo turno: Bolsonaro (o “coiso”) contra Haddad, visto agora como uma esperança civilizatória à beira do abismo da barbárie.

Alguns ainda mais ufanistas vislumbram um crescimento escalar do candidato petista com a transferência integral dos votos que pertenciam a Lula,  podendo o candidato do PT até vencer a eleição já no primeiro turno. E muitos saúdam o gênio político de Lula capaz de, dos cárceres da PF de Curitiba, reger o script e de colocar Haddad na cabeça da chapa no cenário mais oportuno.

Nesse momento vêm à mente aquele longínquo vídeo em tom conspiratório de Leonel Brizola. Lá nos anos 80 Brizola via a si mesmo como um legítimo herdeiro da luta contra o “entulho autoritário” que ainda persistia após a ditadura militar. E para ele, Lula era nada mais  do que um inocente útil usado para travar as “forças democráticas”, conduzido ao segundo turno para uma derrota anunciada diante de Collor.

Sobre este vídeo, o jornalista Paulo Henrique Amorim fez uma críptica observação: “Collor preferia Lula a Brizola. Deu no que deu... Quem ganhou foi a direita; confiscou a poupança e se entregou aos americanos”.

O perigo da simplificação


Mais do que Lula e o PT (haja vista a facilidade com que foi defenestrado do Poder pela guerra híbrida), Brizola era muito sensível às manobras da logística norte-americana no Brasil – afinal, viveu toda a cena da desestabilização do governo João Goulart pelas estratégias do complexo IPES-IBAD (o Instituto Millennium da época), apoiado pela inteligência dos EUA, de 1962 a 64, preparando a opinião pública para a inevitabilidade e necessidade de um golpe militar.

Outra vez a sabedoria do velho Brizola pode revelar que o atual otimismo da esquerda de retornar ao governo dois anos após o golpe pode ser simplificador e perigoso. E que, mais uma vez, continua a não compreender os movimentos da guerra híbrida. Agora, em sua fase decisiva depois de impregnar o psiquismo nacional com a despolitização e polarização – “Guerra Híbrida”: a continuidade da guerra convencional por meios semióticos. Articulação entre grande mídia, Judiciário, ONGs, spin doctors, paid experts e técnicas de ação diretas nas ruas para acender o rastilho de pólvora.

 A articulação da guerra híbrida com as bombas semióticas diárias da grande mídia (bombas linguísticas que explodem fragmentos de significação para impregnar a opinião pública de diversas maneiras – medo, ódio, insegurança, dúvida etc., sem nunca conseguir concatenar causa e efeito) é de uma complexidade de longo prazo, com diversas fases que, muitas vezes, se sobrepõem como camadas. Atuando simultaneamente.

Se não, vejamos. O rastilho foi aceso com as ações diretas nas ruas nas manifestações iniciadas em 2013 no sentido de se criar uma “Revolução Popular Híbrida” – sobre a receita para fazer uma RPH, clique aqui.


Jovens liberais e até a extrema-esquerda (PSOL, PSTU etc.) seduzidos para criar uma espécie de “Primavera Brasileira”, seguindo passo a passo a cartilha de “Ação Direta” (táticas de promoção de “ação não violenta”) das pesquisas do cientista político Gene Sharp, financiadas pela Fundação Ford. Essa era a primeira fase: iniciar a desestabilização do Governo, principalmente às vésperas de eventos de repercussão mundial: Copa do Mundo e Olimpíadas.

A segunda fase, simultânea e perpassando todas as fases posteriores, a judicialização da política e do atual processo eleitoral – prisão de Lula, fake news e STE etc. Subliminarmente reforçada pelo “meganhamento” da Justiça – diariamente, a grande mídia gritando o mantra “policiais federais nas ruas!” para dar destaque de portas sendo colocada abaixo pelos policiais, homens de preto com toucas ninja e armados até os dentes levando políticos e empresários algemados em prisões preventivas.

O que torna a grande mídia numa narrativa monofásica: corrupção e moralismo, pautando Lava Jato, Polícia Federal, MPs e STF.

Claro que o objetivo imediato era, através do lawfare, derrubar o governo Dilma, retirar as lideranças de esquerda, em particular Lula, para abrir espaço à implementação das medidas econômicas neoliberais. Mas, principalmente, desarticular à política externa de cooperação Sul-Sul que, ao lado do Pré-sal, representava uma ameaça à geopolítica aos EUA.

Impregnação semiótica


Mas há algo mais insidioso, uma impregnação semiótica em corações e mente dos brasileiro a longo prazo nesses últimos cinco anos, cujos panelaços, camisetas verde-amarelas e “coxinhas” tirando selfies ao lado de policiais militares de choque nas manifestações anti-Dilma eram apenas a superfície de um movimento generalizado: polarização e despolitização, os dois lados de uma mesma moeda.

Segundo Antônio Martins, em análise no Jornal GGN sobre os gráficos da pesquisa Ibope de intenção de voto divulgada em 19/09, a pesquisa mostra que as eleições 2018 estão polarizadas (uma disputa rasa entre petismo X anti-petismo) e despolitizadas – um nítido descolamento entre as tendências políticas na sociedade (civilização X barbárie, perda das históricas conquistas sociais etc.) e as opções pelos candidatos.

Martins sintetiza da seguinte maneira:
A discrepância é clara, mas é preciso enunciar seu significado com todas as letras: a polaridade petismo x antipetismo não expressa a tensão política real em curso na sociedade brasileira. Ao contrário: falseia-a; e – muito pior – abre um espaço inesperado para a direita, agora representada por sua fração extrema. Em termos concretos, significa que dezenas de milhões de brasileiros contrários à agenda de retrocessos imposta nos últimos dois anos estão sendo levados a defendê-la. Fazem-no porque, no momento, veem o PT como inimigo principal a ser batido MARTINS, Antônio “Quem pode nos livrar de Bolsonaro”, Jornal GGN, 19/09/2018.
O intenso meganhamento da pauta da grande mídia e a judicialização da política é uma evidente  manobra metonímica: ao tomar a parte pelo todo, rejeitar em bloco a Política. Uma situação parecida com as eleições de 1989: a crise econômica e hiperinflação (hoje, desemprego e disparada do dólar), a repulsa ao presidente Sarney (hoje, Temer) e a dramaticidade social tanto lá como aqui. Lá havia a rejeição aos políticos e Collor como a energia da juventude aliada ao appeal antissistema.


A carga semântica da Política


E, como sempre, os candidatos a “antissistema” procuram um discurso livre da carga semântica do discurso político – falam em “gestão”, “choque de eficiência”, “visão empresarial”, “investidores”, “parceria”. Termos que fazem qualquer jovem dono de alguma startup achar que o empreendedorismo puro e vestal substituirá a Política suja e corrupta.

O que conduz à polarização. Ou mais precisamente, o anti-petismo, síntese de tudo aquilo que o silogismo midiático levou a opinião pública: a repulsa à corrupção e à Política.

A polarização despolitiza e impede qualquer debate político racional: entre os candidatos não há mais qualquer debate macro (economia política, política econômica, relações externas) ou micro (políticas sociais). Há apenas a replicação das pautas da grande mídia: reformas, cortes de gastos, corrupção, segurança e violência. E o monofásica exigência de Haddad fazer uma mea culpa à Nação e pedir desculpas pelos esquemas de corrupção dos governos petistas.

Tudo parece apontar para um segundo turno Bolsonaro X Haddad. O que significa mais um desdobramento bem sucedido da guerra híbrida: o reforço da polarização, a verdadeira cortina de fumaça que esconde a real tensão política brasileira – entre a implementação à força das medidas neoliberais (nem que seja pela via dos fascismo, tendência histórica) e a sujeição de qualquer candidato ao onisciente “mercado” contra uma política de governo social e trabalhista.

Como de costume, em polarizações emerge o candidato antissistema que quer “mudar tudo isso que tá aí”: Collor em 1989 e Bolsonaro em 2018. Lá no passado, a polaridade entre o baderneiro Lula X o verde e amarelo de Collor. E agora, as polaridades voto masculino X feminino; Nordeste X Sudeste, anti-movimento identitários X pró-movimentos identitários. Enquanto a tensão real civilização X barbárie, fascismo X democracia, neoliberalismo X trabalhismo ficam em segundo plano.
Qual será a próxima "bala de prata"? Façam suas apostas...

Mídia quer turbinar polarização


   E tudo leva a crer que a grande mídia está nesse momento tentando encontrar alguma “evidência” ou “indício” que leve mais uma vez ao jornalismo metonímico que costuma criar “balas de prata” a poucas horas antes das eleições para turbinar a polarização.

Mais uma vez o programa Fantástico desse último domingo volta à mala de dólares e relógios cravejados de pedras preciosas apreendidos no aeroporto de Cumbica da comitiva do vice-presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Mang. Há dias o episódio ronda os telejornais com o mote de uma dúvida bem marota: “No entanto há uma questão em aberto: o destino dos US$ 16 milhões em espécie apreendidos. A Polícia Federal investiga PARA ONDE seriam levadas as malas...”.

Detalhe: nos primeiros dias da cobertura, foto em destaque de Lula sentado em um trono ao lado do presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Mbasogo, pai do vice-presidente.

Assim como a Polícia Federal pediu “mais tempo” para concluir a investigação sobre o agressor de Jair Bolsonaro, Adélio Bispo – abriu “nova frente de investigação” que tentará descobrir se houve a participação de OUTRAS PESSOAS... Isso, a 15 dias das eleições, em timing perfeito para um “não-acontecimento”. Enquanto isso, a Justiça dá permissão de que "Veja" e "SBT" entrevistem Adélio na prisão às vésperas das eleições...

Claro, não há preço para o prazer da revanche de ver colunistas e os solertes jornalistas de ponto eletrônico da Globo News tendo que engolir mais uma vez o PT chegando a um segundo turno, mesmo com todo massacre midiático, lawfare, juízes e ministros do STF subitamente elevados a condição de celebridades televisivas por manter Lula no cárcere de Curitiba.

Porém, o que vemos é mais do mesmo: a guerra híbrida alcança seu objetivo mais profundo, para além de tirar Dilma e Lula do poder – infantilizar o debate político com ódio e irracionalidade para uma opinião pública que se acostumou a odiar a Política. Cujo resultado é uma eleição decidida não positivamente pelo voto, mas negativamente pela rejeição

E a decorrência perfeita para os interesses geopolíticos norte-americanos: ingovernabilidade, seja lá para quem ganhar essas eleições.

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