terça-feira, setembro 18, 2018

Por que teledramaturgia da Globo está assombrada com o Tempo e a História?


Dois temas parecem assombrar a atual teledramaturgia da Globo: o Tempo (viagem no tempo, déjà vus, vidas passadas, reencarnações etc.) e a História (pastiches da Idade Média, releituras do Brasil do Império etc.). Algo que se distingue das tradicionais “novelas de época” que marcaram a história do gênero na TV brasileira. Nunca se verificou essa recorrência temática em tantas telenovelas, apresentadas simultaneamente ou em sequência nos diferentes horários. Sabe-se que em ano eleitoral o laboratório de feitiçarias semióticas da emissora funciona em tempo integral. O que essa recorrência pode significar dentro desse contexto? Nova bomba semiótica? Ou o sintoma do temor de uma emissora hegemônica que sabe da importância do atual cenário eleitoral? – é matar ou morrer. É o momento de entendermos a célebre afirmação de George Orwell: “Quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente, controla o passado”.

Do laboratório de feitiçarias semióticas das organizações Globo podemos esperar qualquer coisa. Principalmente em ano eleitoral. Especialmente nesse ano, já que para o grupo hegemônico de comunicação é vida ou morte – principalmente após a velada ameaça do candidato petista Fernando Haddad em plena arena do JN, disparando que, investigado por investigado, a Globo também é, e pela Receita Federal.

Além das tradicionais manipulações no jornalismo e criações de “balas de prata” sempre após o último debate que antecede em questão de horas as eleições (uma coisa tão previsível quanto o “Roberto Carlos Especial” de final de ano), chama também a atenção a teledramaturgia.

Desde o ano eleitoral que levou à vitória Fernando Collor em 1989, a Globo prima por produção de novelas ou minisséries que procuram através da ficção dar apoio à pauta do candidato que naquele momento seja a “esperança branca” da poderosa emissora.

Por exemplo, no cenário da primeira eleição após o regime militar em 1989, as novelas “O Salvador da Pátria” e “Que Rei Sou Eu?” foram nítidos produtos ficcionais cujos temas no mínimo pretendiam pegar uma carona na atmosfera política do momento. No primeiro caso, o título acabou virando um bordão político que alimentou um imaginário sebastianista ou messiânico em torno da figura de Fernando Collor - do “caçador de marajás” à “única bala que tenho na agulha” para justificar o sequestro da liquidez do Plano Collor.

"Que Rei Sou Eu?": a História a serviço dos propósitos eleitorais da Globo

Já a novela “Que Rei Sou Eu?” tínhamos um jovem revolucionário lutando contra uma monarquia corrupta (Edson Celulari). Foi a preparação imaginária da chegada de um jovem político desconhecido (aos poucos turbinado em aparições rápidas como em programas como o do Chacrinha) chamado Collor de Mello. O bordão “povo de Avilã” passou a ser usado por ele em palanques.
Na complicada eleição de 2014, no logo da telenovela “Geração Brasil” havia uma nítida sugestão do número 45 (do então candidato Aécio Neves, do PSDB) em “internetês” (ou “Leet”): “G3R4Ç4O BR4S1L” – sobre isso clique aqui.

Em 2012 na telenovela de cunho político “O Brado Retumbante” o protagonista era muito parecido com o candidato à presidência Aécio Neves. Enquanto a série “Questão de Família” do canal GNT, no ano eleitoral de 2014, mostrava um juiz justiceiro (Eduardo Moscovis), reforçando o imaginário alimentado diariamente pela pauta midiática da Lava Jato e pela imagem justiceira de Sérgio Moro e juízes congêneres.

Variações do tema Tempo

Se a recorrência (busca repetições, padrões que por serem recorrentes vão além da mera coincidência, tornando-se um fato linguístico de significação, um sentido) é um dos métodos da linguística ou da semiologia, temos que ficar atentos a mais uma recorrência que marca a teledramaturgia: a repetição tema do tempo em diversas variações – História, viagem no tempo, personagens do século XIX que aparecem no século XXI, déjà vu, vidas passadas etc.


Elementos de ficção científica e do fantástico explorados de forma incomum na teledramaturgia da Globo. Na história do gênero televisivo, são esparsos os exemplos de abordagem desses elementos: “Saramandaia” (1976, realismo fantástico), “Fera Ferida” (1993, Alquimia, Pedra Filosofal e misticismo), “O Fim do Mundo” (1996, apocalipse bíblico), “O Clone” (2001, esparsos elementos sci-fi sobre um clone humano que não conhece sua origem como experimento científico) entre outros poucos exemplos.

Porém, esse ano experimentamos um ponto fora da curva. Se não, vejamos...

Depois de doze anos numa sequência de novelas ambientas na atualidade, "Deus Salve o Rei" é lançada no início desse ano como alguma coisa entre as séries de sucesso Games of Thrones e Vikings. Imediatamente comparada com “Que Rei Sou Eu?”, que também possuía tema medieval e tramas políticas em pleno ano eleitoral – aqui, a disputa pelo trono por dois reis. Uma Idade Média com todos os clichês ficcionais, com pitadas de magia e feitiçaria.

Para depois ser substituída pela telenovela “O Tempo Não Para” – uma família inteira do século XIX é encontrada em um grande bloco de gelo que se aproxima de uma praia de Guarujá/SP. Um empresário engajado em causas sociais e que surfa (empresário, causas sociais, surf... o que o imaginário do empreendedorismo não consegue juntar...) é o primeiro que avista o bloco. A família dos tempos do Império é de um poderoso proprietário de terras que explorava ouro e minério.

"O Tempo Não Para" - o Brasil do Império vem para a atualidade

A nova telenovela do horário das 18h é “Espelho da Vida”, com temática mista de presente e futuro:  um espelho permite viajar a 1930 para a protagonista descobrir que é a reencarnação de uma vítima de crime passional.

E no horário das 21h, temos “Segundo Sol”, ambientada na Bahia (marco inicial da história brasileira) cuja narrativa se inicia em 1999 para depois voltar para a atualidade.

Telenovelas "de época"?

Essa recorrência de variações em torno do tema Tempo não pode ser confundida com “novela de época”, tradicional na teledramaturgia brasileira. Mas mesmo se considerarmos essa recorrência nada mais do que o subgênero “de época”, ainda assim encontraríamos uma outra recorrência – revisitar o período do Império da História brasileira. As novelas “Novo Mundo” (com uma continuação prevista para 2019, dessa vez em torno da figura de D. Pedro II) e “O Tempo Não Para”, cuja família congelada veio diretamente de 1886.

 Mas a essa “nostalgia” global soma-se à iniciativa no ano passado de criar remakes com sósias de Os Trapalhões e da Escolinha do Professor Raimundo no canal fechado da Globo “Viva”. Na oportunidade, o mote do humor com bordões e gags eram idênticos dos programas originais de até 30 anos atrás: a eterna crise brasileira com carestia, inflação, desemprego etc. – sobre isso clique aqui.

Em postagem passada sobre esses remakes, este humilde blogueiro considerou uma espécie de wishfull thinking da TV Globo, uma espécie de sintoma do desejo de que tudo no País permanece como sempre esteve. Afinal, quanto maior a crise econômica, desemprego, desesperança e baixo astral, melhor para a poderosa emissora – mantém os telespectadores presos nas suas casas e cativos da TV pela limitação financeira. Além de manter a necessidade por fantasias escapistas, especialidade do modelo de entretenimento global.

Poderíamos considerar essa recorrência de variações em torno do tema “Tempo” na teledramaturgia como outro sintoma desse desejo pelo eterno retorno, principalmente num ano eleitoral? O temor de que não se consolide um novo golpe dentro do Golpe de 2016 e o País não consolide o retrocesso planejado?

"Os Flintstones" - o passado é uma projeção do presente

Quem controla o passado...

Mas há um evento sincrônico (para não dizer irônico) paralelo a essa teledramaturgia tão interessada sobre o Tempo: o incêndio e destruição do Museu Nacional no Rio de Janeiro, junto com o seu patrimônio histórico e científico.

A insistente repetição de cenas da produção “Novo Mundo” nos telejornais da emissora carioca para ilustrar que naquele prédio histórico fora assinada a Independência do Brasil pode representar mais do que um esforço didático.   

“Quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente, controla o passado”, escreveu George Orwell em seu livro “1984”. Ao lado da aliança jurídico-policial-midiática, a Globo possui um outro projeto que, afinal, não é propriamente dela – mas da própria indústria cultural desde o pós-guerra com a ascensão da sociedade do espetáculo: fundir a própria História com a narrativa ficcional. A Hiper-história.

 É mais do que coincidência a História nacional ter sido reduzido a cinzas enquanto a Globo turbina o tema do Tempo (História e viagens no tempo). O objetivo simbólico é projetar o presente no passado, para que o presente se estenda incólume até o futuro.

Por exemplo, durante a Guerra Fria, a necessidade ideológica dos EUA irradiar o chamado american way of life para todo o planeta com a comercialização dos “enlatados” (pacotes de desenhos animados, minisséries e filmes americanos) para a indústria do entretenimento mundial.

Além de Walt Disney, as animações da Hanna-Barbera desempenharam esse papel imaginário de perpetuar o presente tanto no passado quanto no futuro. Produções como Os Flintstones, Os Mussarelas ou Os Jetsons projetavam o estilo de vida de uma família nuclear na moderna sociedade de consumo na Idade da Pedra, na Roma da Antiguidade ou em algum lugar no futuro. Para subliminarmente reforçar a eternidade do presente, como se os princípios políticos e econômicos que o regem fosse naturais e indiscutíveis.

Hiper-história: fundir a História brasileira com a cenografia do Projac

Assim como os EUA hiper-realizaram sua própria História com os filmes hollywoodianos de faroeste e parques temáticos como Disneylândia e Epcot Center.

Só que em países (ex)emergentes como o Brasil, esse processo é mais dramático e trágico – enquanto a pesquisa científica da História é destruída brutalmente, uma rede monopolista de comunicação impõe sua própria releitura da História.

Por isso é também sintomático que um museu que lidava com fontes primárias da História tenha desaparecido, enquanto um museu midiatizado (o “Museu do Amanhã” – realizado em conjunto com a Fundação Roberto Marinho, no RJ) esteja presente nas telas da TV: um museu que não faz Ciência, mas apenas espetaculariza efeitos de Ciência, como uma espécie de parque temático de entretenimento para aqueles que querem respirar uma “atmosfera de Ciência e Conhecimento”.

Mas em um ano eleitoral decisivo para a sobrevivência política e financeira das Organizações Globo, essa recorrência do Tempo e da História na teledramaturgia pode ser sintomática: o desejo de que tudo permaneça onde sempre esteve.

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