Com o impeachment da presidenta Dilma
aproxima-se o desfecho de uma campanha iniciada ha dez anos com as denúncias do
mensalão. Mas em 2013 teve uma virada que acelerou o processo: a nova
estratégia semiótica de engenharia de opinião pública com a implementação no
Brasil da “guerra virtual” e da “social engineering”. Naquele ano, a grande
mídia brasileira levou algum tempo para fazer a ficha cair, acostumada que estava com velhas estratégias hipodérmicas dos tempos do IPES-IBAD nos anos 1960 - surgia no País a "primavera brasileira" com manifestações tomando as ruas. A multipolarização criada pelos BRICS forçou
os EUA a implementar estratégias resultantes de uma longa tradição acadêmica de pesquisas sobre engenharia social naquele país: a Mass Communication Research de Lazarsfeld,
Agenda Setting de McCombs e Shaw e as pesquisas em “ações não violentas” do cientista político
Gene Sharp. Logo a grande mídia brasileira entrou em sintonia com a geopolítica
dos EUA ao criar as “bombas semióticas” a partir da matéria-prima das
manifestações que começaram por “apenas” 20
centavos.
O ônibus da Linha 1 do Festival Tomorrowland saiu
lotado do Sambódromo de São Paulo levando jovens adeptos da música eletrônica
para o evento na cidade de Itu. No meio de caminho, começou uma discussão entre
os animados passageiros sobre o impeachment da presidenta Dilma e a legitimidade
do vice Michel Temer: “Se pelo menos ele fizer alguma coisa para tirar o País
do buraco, já vai estar valendo!”, disse alguém mais exaltado.
Esse é o clima de opinião resultante do bombardeio
sistemático e diário de bombas semióticas pela grande mídia nos últimos três
anos, desde a “primavera brasileira” de 2013 – a série de manifestações de rua
que tão inesperadamente como surgiram, também desapareceram.
Uma estranha percepção de “buraco” em que o País
estaria metido expressada por aquele jovem,
apesar de todos naquele ônibus estarem rumando para um evento da cena
eletrônica mundial onde uma latinha de Skol Beat ou uma garrafinha de água
custavam dez reais, unindo tanto jovens da elite sócio-econômica como
remediados egressos da chamada Classe C e os chamados “cibermanos” – jovens de
regiões urbanas periféricas fãs da música eletrônica.
Em plena explosão das manifestações nas ruas em
2013 e a extensiva cobertura midiática, esse blog Cinegnose iniciou a série de análises do
que chamamos de “bombas semióticas”, procurando mapeá-las e, através de uma
engenharia reversa, entender o mecanismo de funcionamento e as ondas de choque
na opinião pública em cada detonação – sobre a série clique aqui.
Naquela oportunidade percebemos um elemento novo
entrando em cena: uma nova estratégia semiótica, bem diferente das anteriores
fundamentadas em longas “suítes” jornalísticas como “caos aéreo”, “mensalão”,
“gripe suína”, “o escândalo do dossiê”, o “escândalo dos aloprados” etc.
Estratégia hipodérmica de simples repetição onde articulistas, âncoras de
telejornais, editorialistas e colunistas martelavam a pauta tentando formar a
opinião pública.
Bombas semióticas versus estratégia hipodérmica
Essa estratégia era ainda tributária das velhas
táticas comportamentais (repetir até convencer) do antigo IPES-IBAD (Instituto
de Pesquisas e Estudos Sociais e Instituto para Ação Democrática) onde de 1962
a 1964 desestabilizou o governo João Goulart através de massiva propaganda no
cinema, TV e mídia impressa além da ação direta por meio de rede
suprapartidária que barrava qualquer projeto do governo no Congresso. Mobilizou
a opinião pública para torna-la receptiva ao Golpe Militar que viria mais
tarde.
Se a estratégia semiótica hipodérmica funcionou nos
anos 1960 (épocas mais “duras” dentro da polarização da Guerra Fria), agora no
século XXI já apresentava sinais de que o prazo de validade tinha terminado –
principalmente num contexto de multipolarização com o surgimento dos BRICS e
globalização econômica.
De nada adiantava a repetição diária de sucessivos
escândalos e crises nos governos petistas nas primeiras páginas dos jornais
diários e escaladas de telejornais: Lula não só foi reeleito como fez seu
sucessor que ainda seria reeleito, para desespero dos “aquários” das redações
da grande imprensa.
A “primavera brasileira” de 2013 iniciou uma nova
estratégia semiótica tão diferente e sofisticada que muitos formadores de
opinião da grande imprensa levaram algum tempo para fazer a ficha cair – por exemplo,
Arnaldo Jabor vociferava na TV Globo que as manifestações nas ruas eram “uma
grande ignorância política misturado com rancor sem rumo”.
Foi o início de uma nova estratégia semiótica
sofisticada demais para ter sido planejada pela grande mídia brasileira: a
engenharia de opinião pública ou, como alguns analistas definem, a chamada
“Guerra Híbrida” – Hybrid Warfare.
Embora diferentes “primaveras” estivessem pipocando
pelo planeta (árabe, egípcia, ucraniana etc.), a vetusta mídia brasileira ainda
acreditava que tudo era por causa dos 20 centavos de aumento nas tarifas de
ônibus. Houve um gap de alguns dias,
mas logo a grande mídia nacional entrou em consonância com a nova tática
planejada bem longe daqui e que não é assim tão nova.
Ligações Perigosas
Aqui começam evidências de ligações perigosas entre
as origens das diversas “primaveras” nacionais pelo mundo e o know how
norte-americano iniciado a partir das pesquisas acadêmicas como a Mass
Communication Research de Paul Lazarsfeld nos anos 1940 na Universidade de
Stanford e as pesquisas em Agenda Setting de Donald Shaw e Max McCombs
(Universidades de Virgínia e Texas) até chegar à aplicação política direta:
(a) A Social
Engineering: coordenação de front
groups (ONGs), spin doctors
(técnicos de comunicação a serviço de partidos e lobbies) e paid experts (profissionais de diversas
áreas que se tornam informações de pauta privilegiados para a grande imprensa)
– articulados e sempre disponíveis para fornecedor de informações de primeira
mão para a mídia - veja abaixo o fluxograma de uma ação de engenharia de opinião pública;
(b) Ação Direta: táticas de promoção de “ação não
violenta” (mobilização através de blogs, redes sociais, música, arte, táticas
de não-colaboração, ocupações etc.) em conflitos ao redor do mundo a partir de
pesquisas do cientista político Gene Sharp (Universidade do Estado de Ohio e
Instituto Albert Einstein) financiadas pela Fundação Ford. Cursos baseados em
suas técnicas ocorrem atualmente eu Universidades como Yale e na Embaixada dos
EUA. O próprio juiz Sérgio Moro, que conduz a Operação Lava Jato, participou em
2007 de um curso no Departamento de Estado nos EUA de formação de Novas
Lideranças;
(c) Black blocs (estranhos personagens que tão
inesperadamente como apareceram também sumiram): na “primavera brasileira”
foram financiados por ONGs ligadas a causas ambientais (sobre isso clique aqui) que costumavam depredar
lugares escolhidos a dedo como, por exemplo, no episódio de uma concessionária
da Caltabiano de veículos de luxo em São Paulo: revenda controlada pelo grupo
americano McLarty cujo chefe, Thomas McLarty, foi Chefe da Casa Civil do
Presidente Clinton. Ou então depredavam os clássicos estabelecimentos de
grandes marcas (MacDonald’s, bancos etc.) para renderem fotos e vídeos
impactantes para a grande mídia brasileira. Quer dizer, depois que a ficha já
tinha caído nos “aquários” das redações e perceberam a intencionalidade por trás
de todas essas ações “espontâneas”.
A única semelhança com a estratégia de intervenção
semiótica do IPES-IBAD nos anos 1960 foi o apoio logístico norte-americano
(know how + apoio financeiro). Agora nesse século a criação de revoluções (ou
“primaveras”) graças às táticas de social engeneering não opera mais com o
estardalhaço da massificação, mas agora com viralização através de bombas
cirúrgicas e pontuais: as bombas semióticas.
Enquanto na massificação temos um emissor que
repete informações para milhões de receptores, na viralização todos são ao
mesmo tempo emissores e receptores quando repercutem as ondas de choque das
explosões das bombas semióticas.
Oportunidades perdidas
Essas bombas não visam persuasão ou convencimento
político partidário e/ou ideológico (ao contrário dos anos 1960 dominado pela
doutrinação ideológica anti-comunista), mas através da sedução e percepção produzir
um “clima de opinião” – a irresistível sensação de que estamos todos num
“buraco” tal como o animado grupo que ia para o Tomorrowland percebia a
realidade brasileira. As bombas semióticas são verdadeiras bombas cognitivas.
Mas a sequência das bombas semióticas detonadas
pela grande mídia (cuja matéria-prima estavam nas manifestações) poderia ter se
transformado em guerrilha semiótica – ataques e contra-ataques. Acabou se
convertendo em massacre onde só um lado disparava e o outro (Governo Federal e
PT) apenas tilintava como as bolinhas metálicas de um fliperama num “efeito
pinball”, reagindo timidamente com notas para a imprensa.
A armação e detonação das bombas mostrou seu lado
frágil com acidentes como os episódios “tem alemão no campus” (clique aqui) e “o falso candidato do Enem”
(clique aqui) onde a ansiedade de
repórteres em cumprir a pauta pré-fixada pelos “aquários” das redações criaram
situações engraçadas.
Fossem bem aproveitadas, poderiam facilmente ser
exploradas em táticas de “trolagem” para desmoralizar a grande imprensa tal
como fizeram manifestantes em Lisboa para furar o bloqueio midiático a favor
das medidas austeras da Troika (FMI, Banco Central Europeu e Comissão
Européia): um grupo simulou estar se manifestando a favor da Troika, atraindo a
atenção de ávidos repórteres loucos para reforçar suas pautas pré-definidas.
Diante de câmeras ao vivo gritaram “Que se lixe a Troika!” diante de confusos
jornalistas.
Hoje, o clima de opinião de “buraco”, se não
legitima, certamente tornam “críveis” ou “fatos consumados” o golpe do
impeachment e o seletivo combate à corrupção da Operação Lava Jato, assim como
a histeria anti-comunista embalou o Golpe Militar de 1964 e o clima de opinião
da “última bala na agulha” legitimou o confisco da poupança pelo Plano Collor
em 1990 para conter a hiperinflação.
Mas o que mais surpreende em toda essa história é
como a nova estratégia semiótica geopolítica norte-americana (Guerra Híbrida + Social
Engineering) pegou um governo supostamente de esquerda totalmente rendido.
Principalmente porque muitos dos seus membros militaram sob a repressão da
ditadura militar e conhecem muito bem até onde chegam as estratégias
geopolíticas dos EUA.
Talvez o episódio narrado por Roberto Requião
(PMDB-PR) explique muita coisa. No primeiro mandato de Lula, Requião foi ao
encontro do presidente e relatou o que tinha feito no Paraná: acabou com a
verba publicitária e investiu tudo na TV Educativa do Estado. Lula teria se
animado com a ideia e passou a bola para José Dirceu, na época ministro da Casa
Civil. “Mas Requião, o Governo já tem TV”, interrompeu Dirceu. “Mas que TV,
Zé?”, retrucou Requião. Ao que o então ministro respondeu: “A Globo, Requião”.
Parece que ingenuamente Dirceu acreditava que a mídia
nativa fosse na contra-mão da geopolítica internacional dos EUA de florescer
“primaveras” nos países membros dos BRICS.
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