Devo reconhecer que esse humilde
blogueiro resistiu muito a assistir ao filme “Extinção” (Extinction, 2018).
Vendo o pôster promocional e assistindo ao trailer, tudo levava a crer que o
filme seria mais do mesmo nesse subgênero sci-fi sobre aliens invadindo a
Terra. Afinal, maniqueísmo e patriotismo marcaram as produções por décadas.
Porém, “Extinção” é a prova definitiva sobre as mudanças atuais nesse subgênero
– no caso do filme, uma narrativa com interessante ponto de virada que
claramente remete à chamada “Teoria Gnóstica da Intrusão Alienígena”. A mais
antiga teoria sobre aliens no planeta, 1.600 anos anterior a atual onda de
teorias sobre aliens e OVNIs no planeta, iniciada em 1947. Antiga teoria
baseada nos textos gnósticos raros derivados das Escolas de Mistérios da
antiguidade pré-cristã que se convencionou chamar de “Biblioteca de Nag
Hammadi”. Um protagonista com pesadelos recorrentes sobre uma violenta invasão
alienígena no planeta, até que a realidade parece materializar seus terríveis
sonhos. Mas nada será o que parece. Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.
Em duas postagens anteriores (uma sobre o curta Final Offer e outra sobre a série Colony) alertávamos que algo estava mudando na clássica narrativa fílmica
sci-fi sobre invasões alienígenas – agora temos o que poderíamos chamar de
“invasões híbridas”. Ao invés de massivas, agora temos invasões furtivas que
exploram a ignorância e falhas de caráter humanas: traição, ambição etc.
São produções que abandonam o maniqueísmo e patriotismo
para ingressarem na ambiguidade da mitologia gnóstica: alianças corruptas de
uma elite humana com elites aliens, iludindo a humanidade que se transforma em
matéria-prima a ser explorada por fábricas ou sistemas extraterrestres.
O filme Extinção
(Extinction, 2018) é uma produção que
traz mais novidades para as narrativas de invasões alienígenas. Aqui, a
novidade da dupla de roteiristas Spenser Cohen e Brad Kane é claramente terem
se inspirado na “Teoria Gnóstica da Intrusão Alienígena”.
Com o início da onda OVNI a partir de 1947 especula-se
cada vez mais sobre a existência de uma suposta invasão alien no planeta Terra.
Desde então, diversas teorias dominam o debate. Mas uma delas não surgiu em
1947, mas a cerca de 1.600 anos antes.
Evidência dessa antiga teoria foi descoberta no Egito em
1945, pelo estudioso francês Jean Dorosse na cidade de Nag Hammadi: um conjunto
de “evangelhos apócrifos”, textos gnósticos raros derivados das Escolas de
Mistérios da antiguidade pré-cristã que se convencionou chamar de “Biblioteca
de Nag Hammadi”.
Arcontes e alienígenas
Essa biblioteca gnóstica contém relatos de
experiências dos iniciados sobre
encontros com os seres inorgânicos chamados Arcontes.
Os ensinamentos
gnósticos explicam que essas entidades surgiram no estágio inicial de formação
do sistema solar, antes que a Terra fosse formada. “Archons” habitam o
sistema solar, o reino extraterrestre como tal, mas eles podem interferir na
Terra.
Os Arcontes criariam um “sistema de controle espiritual”,
um fenômeno que “se comporta como um processo de condicionamento. Eles
poderiam afetar nossas mentes por técnicas de condicionamento
subliminar. Suas principais táticas são erros mentais (falsas ideologias
ou doutrinas especialmente religiosas) e simulação.
Os gnósticos ensinaram que essas entidades nos invejam e
se alimentam de nosso medo. Acima de tudo, eles tentam nos impedir de
conhecer e evoluir a nossa “luz interior”, o dom da inteligência divina dentro
de cada um de nós.
Arcontes nos manteriam no “sono do esquecimento”: o fato
de que também a humanidade é “alienígena”, prisioneira nesse cosmos. Seríamos
como exilados de uma outra dimensão, à qual poderíamos reconectar redescobrindo
essa “luz interior”.
As
descrições físicas dos Arcontes estão em vários códices gnósticos de Nag
Hammadi. Dois tipos são claramente identificados: um recém-nascido, do
tipo embrionário, e um tipo draconiano ou réptil. Obviamente, essas
descrições se encaixam nos “Greys” e “Reptilianos” das descrições conspiratórias
ufológicas atuais.
Extinção explora
muitos aspectos dessa mitologia gnóstica, inovando uma estória transformada em
clichê pelos tons maniqueístas e patrióticos por décadas de indústria do
entretenimento.
O Filme
Michael Peña é Peter, um pai e marido em algum lugar no
futuro (o espectador aos poucos vai descobrindo evidências disso) atormentado
por pesadelos sobre algum tipo de invasão alienígena que põe em risco sua
esposa Alice (Lizzy Caplan) e as duas filhas – Lucy (Lilly Aspel) e Hanna
(Amelia Crouch). São imagens violentas que os faz despertar para deixa-lo sem
conseguir dormir cada noite. Nos pesadelos Peter vê pessoas inocentes sendo
atingidas por objetos voadores que repentinamente descem do céu destruindo
prédios e perseguindo tudo que é vivo.
Tenha certeza que essas visões não estarão muito longe do
que realmente acontecerá meia hora depois: literalmente o fogo começará a
baixar sobre a Terra, com objetos voadores e aliens que pretendem matar
qualquer ser vivo que tente se esconder. Por todos os lados surgirão soldados
alienígenas fortemente armados emitindo sons semelhantes a insetos e uniformes
com bolhas verdes sobre o corpo – eles invadem o edifício no qual vive a
família de Peter que terá de correr para salvar suas vidas.
Tudo parece seguir a clássica e maniqueísta invasão
alienígena de tantos e tantos filmes hollywoodianos, não fosse a violenta
reviravolta dos pressupostos da narrativa (exatamente em uma hora, seguindo a
fórmula clássica dos pontos de virada em roteiro), mostrando que o espectador
não está diante de uma estória de invasão alien qualquer.
Tudo parece apontar para os clichês clássicos:
o início começando pela rotina do dia-a-dia (trabalho, família, esposa etc.),
pesadelos que invadem essa paz, a invasão (ou terremoto, catástrofe geológica,
climática, cósmica) inesperada e a luta de uma família para sobreviver em meio
ao caos – nove em cada dez filmes-catástrofe tem essa story line.
Mas o ponto
de virada é a surpreendente atualização de muitos elementos míticos da Teoria
Gnóstica da Intrusão Alienígena da Biblioteca de Nag Hammadi.
E se
rompermos com toda forma de maniqueísmo narrativo, figurando tanto invadidos
quanto invasores como aliens? E se os “humanos” tiverem perdido suas memórias
sobre tudo que realmente aconteceu no passado, levando suas vidas rotineiras de
trabalho e família até o momento em que a “invasão” revela a verdadeira natureza
ilusória da vida terrestre?
O Gnosticismo de “Extinção”
Extinção nos prega
uma peça desde o pôster e o título – tudo leva a crer que estamos diante de
mais um produto do subgênero. Na verdade, a narrativa do filme não está
relacionada com o habitual imaginário sci-fi que explodiu desde a suposta queda
de um OVNI em 1947 em Roswell, Novo México, EUA.
O filme está
diretamente relacionado com os mistérios cosmológicos e psíquicos dos textos
gnósticos de Nag Hammadi e sua descrição do mito da Criação.
De início, Extinção trabalha com os elementos
clássicos gnósticos: a realidade como uma ilusão, a perda da memória como o
principal fator que confere realismo a ilusão na qual vivemos. Mas a principal:
assim como no filme Prometheus de
Ridley Scott, nossos criadores são como deuses enlouquecidos – querem destruir
a própria criação após terem erguido todo um sistema cosmológico que perpetua a
ilusão e o esquecimento.
É
interessante perceber como aos poucos a mitologia gnóstica também está
contaminando e renovando esse verdadeiro subgênero dos filmes de invasões
aliens. Como o cinema vem se relacionando com os antigos Mistérios de quase
2.000 atrás e que as modernas teorias conspiratórias sobre “greys” e
“reptilianos” tentam emular desde 1947: descobrir quem são os “ETs”, de onde
vieram, o que querem de nós e, principalmente, como devemos nos relacionar com
eles.
Os
ensinamentos gnósticos sobre os Arcontes (os invasores aliens da Antiguidade)
pode se revelar um campo fértil para a renovação das narrativas sobre
alienígenas em nosso planeta. Não pelos seus poderes de fogo e destruição
massiva através de discos voadores ou exércitos com armas laser.
Mas
principalmente pela sua capacidade de simulação, sedução e esquecimento,
desviando a espécie humana do seu curso verdadeiro e da própria evolução.
Ficha Técnica
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Título: Extinção
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Diretor: Ben Young
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Roteiro: Spenser Cohen,
Brad Kane
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Elenco: Michael
Peña, Lizzy Caplan, Amelia Crouch, Erica Tremblay, Mike Colter, Israel
Broussard
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Produção: Good
Universe Mandelville Productions
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Distribuição: Netflix, Universal Pictures International
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Ano: 2018
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País: EUA
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