Disponível no Netflix,
a série “Colony” (2016-) subverte de diversas maneiras a típica história de
invasão alienígena: os humanos podem ser tão amorais e cruéis quanto os aliens
e também não há uma metrópole distópica, sombria e em ruínas, mas uma Los
Angeles ensolarada sob um persistente céu azul. Mas principalmente, os
invasores não criam guerras de extermínio com suas naves ou máquinas
monstruosas, como em clássicos do gênero. Apenas exploram as principais
fraquezas humanas por meio de ferramentas que a própria humanidade criou para
subjugar as fraquezas de outros seres humanos: meios de comunicação, religião,
ensino e propaganda que arrancam o pior de nós – ambição, traição, ganância,
egoísmo e desejo por poder. Eles não são mais “aliens”: agora são “RAPs” ou
“hospedeiros”. Invasores “low profile” que apenas jogam os homens uns contra os
outros, tirando seu lucro disso. Uma invasão “demasiado humana”, assim como nas
atuais Guerra Híbridas nas quais o poder global invade países conquistando
corações e mentes.
Por que nos filmes sci-fi os
aliens (sejam eles monstros ou invasões organizadas por inteligências
superiores) que tentam invadir a Terra são sempre derrotados? Desde Terra versus
Discos Voadores (1953), aliens são derrotados depois de encontrarem um planeta
unido em torno da alta tecnologia e liderança dos EUA. Isso quando não são
destruídos pelos microorganismos do nosso meio ambiente, como em Guerra dos
Mundos.
Com exceção dos filmes em que
seres de outro planeta chegam até aqui em missões pacifistas (mesmo o pacífico ET
do Spielberg teve que de confrontar com as conspirações científicas da NASA),
as civilizações extraterrestres beligerantes parecem sempre nos subestimar:
entram em nosso mundo em uma verdadeira blitzkrieg, mas acabam sendo surpreendidos
com a inteligência, coragem e mobilização coletiva humanas.
De A Invasão dos Discos Voadores (Earth Vs. The Flying Saucers, 1956) a Independence
Day (1996), sempre há um subtexto patriótico (o contexto da Guerra Fria e os aliens
como a metáfora da ameaça comunista) ou de apologia à Globalização como no
filme de 1996 – claro, uma nova ordem mundial liderado pela NASA.
Mas a série Netflix Colony (2016-) subverte a típica
narrativa sobre aliens invasores. Uma invasão extraterrestre sem frotas de
discos voadores ou naves-mães sobrevoando as grande cidades e enfrentando
exércitos e Força Aérea. Os alienígenas agora são “RAPs” ou também conhecidos
como “hospedeiros”. Sua invasão passou a ser conhecida como “A Chegada” e nada
mais fizeram do que aproveitar a estrutura política pré-existente de dominação
do homem pelo próprio homem.
Mais inteligentes, os “RAPs”
transformaram a invasão em um fato consumado, converteram as grandes cidades em
“colônias” cercadas por muros de 100 metros de altura e subornaram autoridades
com aquilo que é bem familiar para os humanos: poder, luxo, prestígio e
ambição.
Paradoxalmente, os seres humanos
deixam de ser a espécie dominante na Terra por meios das próprias armas que por
séculos a elite humana subjugou, dominou e explorou a humanidade.
Dessa forma, a série Colony assume a forma de uma metáfora
dos tempos atuais: de uma lado, os muros onipresentes em cada episódio que se
tornaram ícones do momento político da Era Trump; e do outro, um sintoma dos
tempos das guerras híbridas que atualmente expandem a ordem mundial da
Globalização: a invasão de países não mais por tropas ou bombas jogadas por
aviões-caça. Mas agora por estratégias semióticas de exploração dos meios de
comunicação, religião e propaganda.
E a exploração das fraquezas da
natureza humana tão diversas como o medo e a vaidade.
A série
Atualmente nove em cada dez
séries começam da maneira como Colony
iniciou no primeiro episódio da primeira temporada: começamos em plena ação sem
sabermos os antecedentes que fizeram a narrativa chegar naquele ponto.
Vemos Will Bowman (Josh Holloway da série
Lost) em sua rotina familiar despedindo-se da família para mais um dia de
trabalho. Sabemos que ele está tentando escapar de Los Angeles através de um
gigantesco muro que cerca a cidade. Ele tenta encontrar seu filho chamado Charlie
que está em algum lugar em Santa Mônica, fora dos limites do muro. Tenta
escapar clandestino em um caminhão para atravessar a fronteira fortemente
vigiada e militarizada.
Até que uma bomba colocada por
terroristas das forças de Resistência explode, para depois Will ser levado sob
custódia dos “capacetes vermelhos”, uma força militar humana (a chamada “Força
de Segurança Nacional”) que colabora com os “hospedeiros” ou “RAPs” – algum
tipo de invasores alienígenas que no dia conhecido como “A Chegada”
transformaram a cidade em uma “Colônia”, cercada posteriormente por um
gigantesco muro.
Descobrimos que no passado Will
foi um soldado e depois um agente do FBI especializado em rastrear e capturar
criminosos. Snyder (Peter Jacobson - o governador colaborador dos RAPs)
convence Will a colaborar com as forças policiais locais: rastrear os membros da
Resistência, principalmente um suposto líder chamado “Gerônimo”.
Em troca, ele e sua família terão
uma série de regalias (proteção, dinheiro, carro e itens prosaicos como vinhos,
chocolate e outros alimentos numa cidade cujos estoques estão racionados e sob constantes
toques de recolher – sob a ameaçadora vigilância de centenas de drones que
eventualmente matam suspeitos.
De volta para casa, Will revela
para sua esposa Katie (Sarah Wayne Callies) que seu novo trabalho forçado é a
única maneira para conhecer por dentro a máquina repressiva dos colaboradores
dos “Hospedeiros” para encontrar um meio de atravessar o muro da Colônia para
buscar o filho, perdido no momento do traumático evento da “Chegada”.
Ao longos dos episódios das
temporadas, o espectador vai aos poucos entendendo o que foi “A Chegada” e os
propósitos da sofisticada forma de dominação e exploração dos alienígenas.
Will e Katie tentam desesperadamente
dar uma vida normal aos seus outros filhos e manter a família unida. Porém,
Katie guarda um segredo: paralelo a suas atividades de dona de casa e de tentar
tocar o seu próprio negócio (um bar chamado “Yonk”), ela colabora com
guerrilheiros da Resistência. Com a entrada do marido na força policial, Katie
torna-se a informante dos passos das investigações dos colaboracionistas.
Começa por parte de Katie um jogo
de espionagem e de agente duplo, enquanto Will cada vez mais desconfia que há
alguém infiltrado na polícia. Sem saber que o informante está mais próximo do
que imagina.
Los Angeles anti-distópica
A narrativa de Colony também tráz outra novidade em
narrativas sobre distopias e invasões aliens: o cenário não é mais o de uma
grande metrópole escura, chuvosa, com prédios e becos em ruínas ocupada por uma
massa humana sombria e desesperada. Mas
uma Los Angeles ensolarada, na qual as pessoas tentam manter as suas rotinas
normais.
Carros foram proibidos (somente
as forças repressivas e autoridades podem se locomover em autos), restando à
população o saudável hábito de andar de bicicleta ou usar o transporte público.
Paradoxalmente, Los Angeles se transformou numa metrópole ao mesmo tempo
bucólica e ameaçadora, com os onipresentes drones e “capacetes vermelhos”
vigiando e prendendo suspeitos.
Guerra Híbrida alienígena
Porém, assim como em Guerra dos Mundos onde os invasores são
derrotados pelos micro-organismos existentes em nossa atmosfera, a humanidade é
derrotada por outro tipo de disseminação viral que acabou se revertendo dessa
vez contra nós: os meios de comunicação, a religião e o sistema escolar.
O governador colaboracionista
Snyder cria tribunais simulados para serem transmitidos ao vivo pela TV;
igrejas evangélicas e neopentecostais interpretam “A Chegada” como o próprio
eventos do Juízo Final profetizado pelo livro bíblico do Apocalipse e os RAPs interpretados
como a segunda vinda de Jesus para punir os maus e premiar os bons – aliás, uma
elite de colaboracionistas que vive na “Zona Verde” ocupada por mansões nas
colinas de Hollywood; e o sistema escolar revertido em aparelho para educar a
nova geração dentro dos princípios da História humana reescrita pelo ponto de
vista dos “Hospedeiros”.
Em outras palavras, os RAPs utilizam
as mesmas táticas da atual Guerra Híbrida criada pela inteligência
norte-americana: invadir não mais países com soldados e bombas. Mas ao invés
disso, conquistar corações e mentes por meios semióticos - a produção simbólica
e cultural de um país – sobre isso clique aqui.
Esse realismo da série Colony (transformar toda a narrativa
numa grande distopia dos tempos atuais) incomoda o espectador. Principalmente
pela potencial ausência de saídas ou esperanças: é uma invasão alien, mas
paradoxalmente também humana, demasiado humana.
Além disso, a própria Resistência
(os supostos “mocinhos”) adquire aspectos condenáveis com suas táticas amorais
para alcançar objetivos.
Aos poucos vamos descobrindo que
os principais líderes da Resistência foram membros da CIA, soldados mercenários
que venderam seus serviços mortais para diversos países antes da “Chegada” e
espiões sem o menor escrúpulo. Muitas vezes são capazes de sacrificar a vida de
civis e eliminar friamente soldados da Resistência feridos. Para eles são
apenas “efeitos colaterais”, sacrifícios necessários para uma causa maior.
Por isso Colony joga com uma ambiguidade fundamental: os RAPs são invasores
impiedosos, mas parecem explorar a última fraqueza humana – a de ser também
impiedoso com o humano mais próximo.
Colony exibe uma curiosa narrativa noir: sem esperanças, na qual não fica claro quem são exatamente os
mocinhos e os bandidos. E tudo nos dias ensolarados sob o céu azul de Los
Angeles.
Ficha Técnica
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Título: Colony
(série)
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Criadores: Ryan Condal,
Carlton Cuse
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Roteiro: Juan José
Campanella
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Elenco: Josh
Holloway, Sarah Wayne Calles, Peter Jacobson, Amanda Righetti
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Produção: Legendary
Television
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Distribuição: USA Network,
Netflix
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Ano: 2016 -
|
País: EUA
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