quinta-feira, setembro 28, 2017

Globo vive da crise com sósias de "Os Trapalhões" e "Escolinha do Professor Raimundo"


Parece que o tempo parou ou estamos presos em algum infernal eterno retorno. É essa a sensação ao vermos o canal fechado “Viva” da Globosat: ao assistirmos às reapresentações de novelas e programas de humor dos anos 1980 e 1990 temos uma estranha sensação de atualidade nos personagens, gags e bordões do passado inspirados na crise política e econômica daqueles tempos: desemprego, preconceito, desesperança, corrupção, violência de classes. Tudo continua o mesmo! E para aumentar essa atmosfera de realismo fantástico, agora o canal "Viva" exibe remakes de “Os Trapalhões” e “Escolinha do Professor Raimundo” com atores sósias dos personagens originais revelando uma bizarra dialética: o presente que repete o passado, também recorre aos mesmos bordões e gags anteriormente trágicas, mas que agora ecoam como farsa, fazendo-nos dar amargas risadas pela sensação de que o tempo parece não andar para frente, pelo menos por essas plagas. Mas também revela o “tautismo” da Globo: os Marinhos sabem que o monopólio da emissora está fundamentado na forçada recorrência brasileira da crise e inércia política e econômica.

Assistir ao canal Viva do grupo Globosat é, em primeiro lugar, uma experiência nostálgica. O canal é apresenta principalmente antigas novelas, séries e programas de humor da Rede Globo e GNT – por exemplo, a telenovela Vale Tudo (1988-89), os humorísticos Estados Anysios de Chico City (1991) e Sai de Baixo (1996-2002).

Mas revendo essas produções e relembrando o pano de fundo político e econômico brasileiro da época dessas produções (explorado tanto pela teledramaturgia quanto pelos roteiros humorísticos de cada momento) temos uma surpresa: há uma estranha sensação de atualidade, apesar de serem programas de respectivamente 30, 21 e 27 anos atrás. Temas de telenovelas, gags de humor, bordões etc. poderiam muito bem ser relacionados com o Brasil atual... mas foram atrações exibidas em um país de décadas atrás.

Uma estranha sensação de que o Brasil está parado no tempo ou, no mínimo, prisioneiro em alguma espécie de loop temporal ou num infernal eterno retorno: temas como corrupção, achincalhamento da política, moralismo, intolerância, a síndrome de vira-lata, a niilista ausência de futuro, lamentos sobre a interminável crise, o desemprego etc.

A mesma sensação de esgotamento, inércia e incapacidade de pensar o futuro, tanto lá em décadas atrás, como aqui, nesse momento em que assistimos essas reapresentações do canal Viva.

E para tornar ainda tudo surreal, criando uma atmosfera de realismo fantástico, o canal agora apresenta remakes de dois programas humorísticos antigos: Os Trapalhões e Escolinha do Professor Raimundo. Mais do que remakes – produções com atores praticamente sósias dos originais, sob a égide de ser uma “respeitosa homenagem” a ícones do passado.


Atemporalidade bizarra


Estranha dialética: programas que repetem como farsa gags e bordões do passado inspiradas em um País que tanto lá, como aqui, continua com as mesmíssimas mazelas.

Alguns exemplos dessa bizarra atemporalidade: no Estados Anysios de Chico City de 1991, finalmente o personagem de Chico Anysio, Justo Veríssimo (político populista e corrupto que odeia pobres), chega à presidência no país metafórico do programa (“Estados de Chico City”) cuja abertura mostrava um sósia de Fernando Collor de Melo, presidente naquele momento.

Ele recebe um parlamentar em seu gabinete que traz denúncias de superfaturamento na compra de vacinas. O parlamentar quer medidas para apurar o escândalo, sob pena de não dar a base parlamentar necessária para Justo Veríssimo governar. O presidente promete “SAMnear” os custos das vacinas, e o parlamentar sai feliz. Veríssimo fala para os seus assistentes (familiares, em corriqueiro nepotismo...) que “SAMnear” refere-se não a “sanear”, mas atender às exigências do Tio SAM...

Estranha atemporalidade num País cujo presidente continua antenado com Tio Sam e preocupado em manter a base parlamentar para se safar da Justiça.


Ou ainda a novela Vale Tudo (1988-89): para além da crítica moralista de que a raiz de toda a crise brasileira estaria na “Lei do Gérson” (levar vantagem em tudo pela corrupção), a novela contrapõe a decadência moral da nação com o “empreendedorismo” (que eu me lembre, esse conceito não existia na época) da honesta Raquel Accioli (Regina Duarte) que, de vendedora de sanduíches nas praias do Rio, virou dona de uma rede de restaurantes industriais.

Atemporalidade brasileira: o destino dos desempregados atuais em virarem “empreendedores” como o caminho honesto (e sem garantias sociais futuras) de um País que “dá certo” e que rejeita a corrupção e o “jeitinho”. Melhor: agora temos maquininhas de crédito e débito, bem diferente de um passado no qual cheques borrachudos infestavam o comércio.

Isso sem falar nos problemas que o autor, Gilberto Braga, teve na época com personagens homossexuais na novela. Nada mudou, 30 anos depois... Apenas ficou mais organizado: se no passado tínhamos esparsas “velhinhas de Taubaté”, hoje temos os jovens universitários do MBL cuja logística é financiada por fundações educacionais privadas.

Em 1988 o "empreendedorismo" também era solução para o País em "Vale Tudo"

Monopólio da Globo precisa da crise


O fato é que as Organizações Globo cresceram e monopolizaram a mídia nacional numa crise econômica e política recorrente que até pode mudar os personagens e as narrativas. Mas a essência continua a mesma: desemprego, inflação, sucateamento do Estado e serviços públicos, a política do imponderável e a apatia política pelo divórcio entre parlamento e nação.

O ar que a Globo respira é o da atmosfera pesada da crise crônica na qual não importa se a audiência caia – o BV (o “Bônus por Volume”) permite que a maior remuneração das agências publicitárias venha da Globo, e não dos seus próprios clientes.

Por exemplo, por décadas a Globo fez de tudo para evitar que a evolução tecnológica colocasse em xeque esse sistema publicitário: nos anos 1970, evitava que os anúncios de televisores mencionassem a existência do controle remoto e, o que seria pior, suas funções; nos anos 1980, os filmes publicitários de aparelhos videocassetes se limitavam a divulgar a função “play” para assistir aos filmes das locadoras – a perigosa função “Rec” e a programação de gravações da TV era esquecida para não ameaçar a recepção cativa à grade de programação da emissora; nos anos 1990, através do modelo NET Brasil da TV por assinatura, as Organizações Globo sentaram no mercado da TV a cabo e satélite, evitando uma expansão do setor que poderia ameaçar a galinha dos ovos de ouro da TV aberta.

E no século XXI, a Globo faz de tudo para demonizar Internet e dispositivos móveis – para o seu telejornalismo a pauta sobre essas novas tecnologias é essencialmente negativa: fonte de crimes, violência de torcidas organizadas no futebol, pedofilia, vício, motivo de acidentes de trânsito, forma de comunicação dos líderes do narcotráfico e uma infinidade de mazelas.


Remakes Os Trapalhões e Escolinha: Wishfull Thinking


Diante desse quadro ideal (o mix de crise e inércia política e econômica), para a Globo os remakes de Os Trapalhões e Escolinha do Professor Raimundo ganham um inesperado sentido – é o whishfull thinking da emissora, o desejo de que tudo permanece como está com as mesmas gags e bordões que façam o telespectador continuar a rir da sua própria desgraça – que o pensador alemão Theodor Adorno via como a essência do próprio humor pós-guerra desde as HQs do Pato Donald – sobre isso clique aqui.

É sintomático ver uma geração de humoristas stand up como Dani Calabresa (como sósia da Dona Catifunda) e Marcelo Adnet (fazendo um sósia do Rolando Lero) na nova Escolinha do Professor Raimundo: renovação do humor da geração MTV agora confinado a fazer mais do mesmo – ela como clone de uma personagem dos tempos do banco da Praça da Alegria com Manoel da Nóbrega e, na Globo, com Miéle nos anos 1970; e ele fazendo o humor metalinguístico e chapa branca global no programa Tá no Ar.

Ironicamente, em uma homenagem a Chico Anysio, que morreu ressentido pela Globo tê-lo deixado em segundo plano diante de uma suposta renovação do humor com TV Pirata e Casseta e Planeta – Chico Anysio disparava criticando que era um humor feito não mais por comediantes, mas por atores e roteiristas.

Tudo com os mesmos bordões e gags da conveniente e eterna crise brasileira. Por exemplo, nos “Novos Trapalhões” temos mais piadas sobre a crise e o aumento do custo de vida (histórico mote do humor dos Trapalhões) que condenam os clones do Zacharias, Didi e Mussúm a terem que dividir uma mesma esposa no episódio “Didi Coloca Ordem no Pedaço”.

Ou no episódio “Didi se Atrapalha no Serviço” com risadas arrancadas da submissão do personagens aos patrões (outro histórico clichê da trupe de humor) que termina com o serviçal humilhado quebrando um vaso na própria cabeça.  O reverso do esboço de alguma mudança nas relações de classe no País que há pouco tempo se iniciava, representado pelo filme brasileiro Que Horas Ela Volta? (2015).


O eterno retorno da Globo


Por isso, os atuais remakes de velhos programas de humor da Globo são, mais uma vez, sintomas do crônico tautismo (tautologia + autismo) da Globo, chegando, por exemplo, ao ponto no qual os próprios trapalhões remanescentes (Renato Aragão e Dedé Santana) fazerem metalinguagem de si mesmos como espécie de diretores que orientam seus próprios clones.

 A Globo é o principal arquiteto do eterno retorno em que está mergulhado o País. Capaz de atuar simultaneamente tanto no plano político (apoio logístico a golpes de Estado desde 1964) como no plano imaginário:

(a) Crise econômica e desemprego mantêm os telespectadores presos e cativos à TV pela limitação financeira das opções de lazer;

(b) Quanto maior o baixa astral e desesperança (síndrome de vira-latas), maior a demanda por fantasias escapistas: ver a mesa farta do café da manhã na novela, torcer pelo resultado da Mega-Sena, deleitar-se com as lindas imagens (agora em HD) de paraísos idílicos distantes e dos correspondentes da Globo nas metrópoles civilizadas do Primeiro Mundo;

(c) Quanto mais desesperançado, mais o telespectador fica ressentido, necessitando da catarse de coisas como meganhagem da Justiça transmitida ao vivo com Policias Federais nas ruas armados até os dentes conduzindo acusados de corrupção idosos, gordos e com ar sonolento.

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