Em 2015 o
escritor Pablo Villaça ironizou a proliferação do adjunto adverbial de
concessão no bordão “Apesar da crise” repetido pela grande mídia como uma deliberada tática de repetição para criar uma crise autorrealizável e desestabilizar o governo Dilma. Na época, depois de décadas de “jornalismo
adversativo”(“porém”, “mas” etc.) a mídia dava uma guinada gramatical para os
advérbios. Agora, no momento em que o desinterino Temer virou “chefe de
quadrilha” depois de ser incensado como uma espécie de novo Winston Churchill
da ponte para o futuro, a mídia corporativa dá outra guinada
gramatical: retorna ao velho jornalismo das conjunções adversativas: “há crise
política, MAS a economia dá sinais de recuperação”, rezam os articulistas da
Globo, tentando divorciar a política da economia. Essas guinadas gramaticais
não são meras mudanças de estilo na máquina retórica de destruição da Globo.
Sua engrenagem é um verdadeiro sismógrafo que repercute o movimento das placas
tectônicas da política e economia, movimentos preocupantes para a Globo na luta
para a manutenção do seu monopólio. E principalmente o porquê, de repente, a
Globo querer jogar o desinterino Temer ao mar.
Os discursos da
máquina retórica da mídia corporativa são um verdadeiro sismógrafo para
detectarmos os movimentos das placas tectônicas da economia e política. Por
exemplo, a forma como são utilizadas conjunções ou adjuntos adverbiais nos
textos e falas jornalísticas são como aquelas canetas que traçam em rolos de
papel o sismograma, revelando a amplitude das ondas sísmicas.
Como
discutíamos em postagem anterior, por décadas a grande mídia praticou o que
chamamos de “jornalismo adversativo”, no qual proliferavam conjunções “como”,
“porém”, “contudo” etc. Eram épocas em que os telejornais corporativos
procuravam minimizar os impactos econômicos das medidas da agenda neoliberal
dos anos 1990.
Em plena
maxidesvalorização do Real, depois da reeleição presidencial de Fernando
Henrique Cardoso, o helicóptero da TV Globo sobrevoava os pátios lotados de
veículos das montadoras do ABC paulista resultante na crise do mercado
automobilístico. Enquanto isso, no estúdio Chico Pinheiro minimizava o impacto:
“MAS quem ganhará é o consumidor com os descontos que as concessionárias
oferecerão...” – clique aqui.
Observávamos que essas conjunções permaneceram durante os governos petistas, na época
do boom do neodesenvolvimentismo brasileiro: o PIB aumentou? MAS... o
desemprego aumentou. A economia aqueceu? PORÉM... não há estradas suficientes
para escoar a produção... Ou seja, as conjunções adverbiais permaneceram,
apenas com o sinal trocado.
De tanto
martelar uma suposta crise econômica autorrealizável, o País conheceu o abismo
do desemprego e desmonte da linha produtiva da economia. E a grande mídia
começou a cair junto no abismo com perda de anunciantes, audiência e
depreciação do espaço publicitário.
A primeira guinada gramatical
Com esses novos
movimentos sísmicos, ocorreu uma verdadeira guinada gramatical: as adversativas
foram substituídas por adjuntos adverbiais de concessão (“apesar de”, “embora”,
“em que pese”, “mesmo que” etc.). “Apesar da crise, cresce a venda de ovos de
páscoa...”; “Embora o desemprego seja elevado, o setor de informática é o que
mais contrata...”. Bordão que rendeu até memes e ironias nas redes sociais pelo
abuso da expressão “apesar da crise”.
Expressão que
indicava a necessidade conciliar cavalgada da grande mídia em direção ao golpe
político com a manutenção da normalidade do fluxo das inserções publicitárias.
Nesse momento
observamos uma nova mudança no sismógrafo retórico: retornam as conjunções
adversativas.
Tudo começou
quando repentinamente o desinterino Michel Temer, tido até então como um
espécie de novo Winston Churchill capaz de “modernizar” o País com as reformas,
tornou-se líder de uma quadrilha que assalta o butim de Brasília. Repórteres e
âncoras ao vivo, esbaforidos e gaguejantes, todos pegos de surpresa com a guinada
“editorial” da família Marinho, obrigados a bater o bumbo das delações da JBS.
Segunda virada gramatical
A partir desse
momento, colunistas e comentaristas passaram a andar numa corda bamba entre a
necessidade de derrubar o desinterino Temer e sustentar a normalidade da agenda
das reformas trabalhistas e previdenciária. Entre um novo golpe dentro do golpe
e a necessidade de figurar a normalidade da aplicação das medidas econômicas
neoliberais.
Esse retorno
forçado do jornalismo adversativo trouxe momentos bizarros. Como a ginástica
retórica do comentário ao vivo de Tereza Heredia da Globo News, tentando mostrar o “lado bom” da queda da inflação
motivada pela deflação causada pela recessão econômica e desemprego: “PORÉM...
aumentou o poder de compra dos brasileiros...”.
Nesse momento
em que a reforma trabalhista passou pelo Senado e o texto-base vai para a
sanção do desinterino Temer, a linha retórica da grande mídia é adversativa: a
reforma trabalhista foi aprovada, mas a crise política permanece.
A cada comentário
sobre a pauta política ou econômico percebe-se um esforço retórico em
desvincular a agenda das reformas neoliberais da contagem regressiva para a
queda do presidente desinterino Michel Temer. Através do jornalismo
adversativo, agora a grande mídia faz de tudo
para desvincular uma suposta força política de Temer com as aprovações a
toque de caixa das reformas.
Por que essa
guinada gramatical? O que indica esse novo movimento do sismógrafo da máquina
retórica midiática? Por que agora Temer não serve mais para representar o papel
do novo Winston Churchill da ponte para o futuro?
“Follow The Money”
“Siga o
Dinheiro”, como diz a velha máxima do jornalismo investigativo – MAS não
daquele da Abraji, Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo. Para essa
associação investigar e apenas “checar” informações – clique aqui.
O monopólio
midiático da Globo em terras brasileiras fez o grupo dos Marinhos ambicionar
os mercados internacionais de audiovisual desde os anos 1970. É conhecida a tentativa das Organizações Globo
entrar no mercado europeu por meio da Tele
Montecarlo (TMC) na Itália e em Portugal através da participação na SIC –
Sociedade Independente de Comunicação.
Esse movimento
passou a incomodar grupos privados de comunicação europeus, levando o Channel Four a produzir o documentário Muito Além do Cidadão Kane (1993)
detalhando não só como o proprietário da Globo Roberto Marinho construiu o
monopólio das comunicações, como isso se converteu em arma política sem
qualquer controle ou regulamentação.
Desde então
tornou-se obsessão para a Globo desmentir todas as denúncias desse
documentário. Chegando ao ponto de, nas comemorações dos 50 anos, dedicar uma
grande espaço no programa para rebater as críticas – clique aqui.
Sensível à sua
imagem no mercado externo, diligentemente a Globo alinhou o seu jornalismo a agenda
internacional política (guerra ao terrorismo) e econômica (a ortodoxia neoliberal
do chamado Estado Mínimo, desregulamentação dos mercados financeiros,
privatizações e destruição das garantias sociais e trabalhistas).
Transformou
seus correspondentes no exterior em meros tradutores dos releases das agências
de notícias internacionais e vitrine luxuosa de uma suposta internacionalização
da emissora.
Globo internacional: apenas replicando pautas das agências estrangeiras |
Geopolítica antiterror contra a Globo
Porém (oops!,
uma adversativa...), a Globo não esperava que essa política de “guerra ao
terrorismo” implicasse em combate internacional (liderado pelo Departamento de
Estado dos EUA) às “finanças ilícitas” – a lavagem de dinheiro para
supostamente “financiar grupos terroristas”.
Pois o xadrez
geopolítico dos EUA para enquadrar os BRICs através da cooperação internacional
no combate às “finanças ilícitas” levou a Globo a entrar na mira do Departamento
da Justiça dos EUA: junto com o Ministério Público espanhol, as Organizações
Globo foram indiciadas em função da compra dos direitos de transmissão da Copa
do Brasil da CBF de Ricardo Teixeira – iniciada com a prisão do ex-presidente
do Barcelona e ex-executivo da Nike, Sandro Rosell, que atuava em parceria com
o ex-presidente da CBF. Um escândalo com know-how da Globo de criar empresas laranja para
adquirir direitos de transmissão por preços mínimos.
A Globo soube
desse escândalo poucos dias antes do vazamento das delações da JBS, o que fez a
cúpula da emissora dar o sinal verde para o “investigativo” Lauro Jardim repercutir o conteúdo das gravações das
denúncias dos donos da JBS.
De forma
atabalhoada (clique aqui), a Globo deu a guinada
(editorial, gramatical etc. diante de seus incrédulos e inseguros âncoras e
comentaristas) para bater o bumbo das delações, ocultando as repercussões do escândalo da CBF – acabou pautando de toda a grande mídia com a sua tentativa de jogar Temer ao mar.
Em uma clássica
estratégia de agendamento, o tsunami das delações, gravações e vídeos contra
Temer e contra “todos os homens do presidente” soterraram qualquer interesse da grande
mídia em puxar o fio da meada da prisão do ex-presidente do Barcelona, dos escândalos da CBF e o
interesse do FBI no esquema de compra dos direitos de transmissão pela Globo.
Nesse momento
as conjunções adversativas dominam os textos e locuções jornalísticas globais
como uma ginástica retórica para tentar equilibrar, de um lado, a urgência do
andamento das reformas no campo econômico e, do outro, a urgência em derrubar o
desinterino Temer, agora rebaixado a condição de “chefe de quadrilha”.
“Mas”, “porém”,
“entretanto” são conjunções utilizadas para tentar separar a crise política da gestão
“técnica” da economia na aplicações dos “remédios” da ortodoxia neoliberal.
Para os
diligentes comentaristas da Globo News,
por exemplo, há uma crise política, MAS a economia dá sinais de recuperação,
necessitando, portanto, acelerar as reformas tão importantes para criar
empregos... e assim por diante.
Essa guinada
gramatical é tão evidente que seus articulistas, como Miriam Leitão, tentam
substituir a conjunção pelo ponto e vírgula (“;”) para criar um efeito de
conjunção subordinativa – “enquanto”.
“Há
um divórcio entre economia e política. A economia começa a dar sinais de
melhoras cada vez mais consistentes; a política se afunda em crises e decisões
ruins”, diz Leitão defendendo a proteção da “tecnicidade” da equipe de Fernando
Meirelles da contaminação do agora “leproso” Temer.
A guinada da máquina retórica da Globo, dos
adjuntos adverbiais para a volta à conjunções adversativas, é mais do que
modismo discursivo: é um interessante sismograma da repercussão na superfície
midiática do movimento das gigantescas placas tectônicas: o choque entre os
incrustrados interesses do monopólio nacional das comunicações contra o xadrez
geopolítico internacional.
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