Premiado com
Oscar de melhor animação em 1983, o curta metragem polonês “Tango” (1981) é uma
curiosa experiência de percepção, tempo e memória por meio de efeitos de edição
com a incipiente tecnologia digital da época: em um quarto acompanhamos ações
em “loop” de personagens que aos poucos vão entrando em cena, até que 36
pequenos contos paralelos (uma mulher troca de roupa, um homem tenta trocar uma
lâmpada, um ladrão rouba um pacote etc.) preenchem o pequeno espaço em um plano
ininterrupto de oito minutos. “Tango” foi uma profética experimentação:
antecipou as principais características atuais das nossas relações com o
ciberespaço – simultaneidade, instantaneidade e ubiquidade. Mas principalmente
o destino das telas (da TV aos smartphones) no futuro: de janelas que deveria
estar abertas para o mundo real se transformaram em simulacro que esvazia a
permanência e a memória.
O curta Tango de 1981, do polonês Zibigniew
Rybczynski, ganhou o Oscar de melhor animação em 1983. São oito minutos de um
plano ininterrupto. Nele, a cada instante um novo personagem entra em cena. Até
que 36 personagens preencham um único quarto com ações sobrepostas e em loop.
São ações de rotina - trocar de roupa, colocar um bebê em um berço, um ladrão
que rouba um pacote, alguém que tenta trocar a lâmpada e toma um choque etc.
As
inacreditáveis sobreposições criam camadas de diferentes gêneros que
gradualmente torna-se hipnótico, acompanhando o ritmo do tema musical. A certa
altura os personagens parecem interagir para ainda permanecerem cada qual nas
suas bolhas temporais e fantasmagóricas.
Tudo através do
poder da edição e prestidigitação digital em uma época cuja tecnologia ainda era
incipiente. O diretor explora os efeitos da repetição, rotina e condensação do
tempo e espaço.
O curta Tango tornou-se um curioso estudo de percepção
e memória do espectador diante de um produto fílmico, com novos personagens
emergentes em primeiro plano e fundo. Tentamos manter o controle mental do
acompanhamento das ações, mas eventualmente as sobreposições sobrepujam
qualquer tentativa de controle.
Zibigniew Rybczynski |
Hipertexto e interatividade
Olhando daqui
do século XXI, podemos entender o curta como uma das primeiras experimentações
de interatividade em uma época em que os primeiros vídeo jogos começavam a
aparecer e a passividade da recepção das mídias tradicionais ainda era
dominante – em Tango, cabe ao
espectador decidir por onde seus olhos devem vagar.
Por isso, é
impossível assisti-lo uma única vez: cada nova recepção cria novas
experiências, como fosse um seminal hipertexto. São pequenos contos paralelos
condensados em um único plano para aos poucos descobrirmos seus finais, as
intenções de cada personagem e como, de alguma maneira, eles podem se interagir
no tempo.
Algo como uma
quadro expressionista abstrato de Jackson Pollock: numa primeira vista o
conjunto parece um movimento caótico e aleatório de formas. Mas aos poucos
percebemos que há uma espécie de caos coreografado com surpreendentes padrões
que saltam repentinamente dos movimentos.
Se em Tango podemos encontrar os princípios da
interatividade e do hipertexto do futuro ciberespaço e Internet, o curta pode
ser também considerado uma metáfora do mundo eletrônico e digital: nele tudo
pode se localizar em um mesmo lugar e ao mesmo tempo. A tela como um recipiente
infinito, sem limites para o que pode conter.
Se o espaço
físico impede que tudo esteja simultaneamente no mesmo lugar, a tela é o seu
contrário. Aqui a noção de espaço foi abolida.
Ciberespaço e memória
O que o curta Tango antecipou em 1981 foi a ontologia
do ciberespaço – o espaço físico foi abolido pela instantaneidade,
simultaneidade e ubiquidade. Passamos a viver o tempo real, enquanto para nós o
espaço se transformou em obstáculo, estorvo, perda de tempo.
Na metáfora do
curta, está desde o efeito zapping (a
ansiedade do espectador que salta de canal em canal de TV sem querer escolher qual
atração assistir) está o efeito atual da dupla tela com nossos smartphones e
dispositivos móveis – somos capazes de gerenciar diversos eventos simultâneos
em um único “espaço”. Espaço físico, aliás, no qual nunca estamos totalmente
devido a constante navegação no ciberespaço.
Por isso, o
curta Tango também antecipa o futuro
mal estar do mundo digital – a ansiedade de parecer que sempre estamos perdendo
algo, alguma informação, algum evento, algum bite de dado do qual poderemos nos
arrepender no futuro. A obrigação compulsiva de estarmos 24 horas plugado,
conectado, on line.
Deixamos de
habitar o espaço para tentar viver no tempo. A permanência e memória são
consumidos pela aceleração do tempo real.
Mas também em Tango há uma crítica latente dessa
aparência da variedade e riqueza de informações do ciberespaço, como um
contraponto à lentidão e ausência de acontecimentos no espaço real, na
geografia – o aparente caos e aleatoriedade daquele pequeno quarto esconde
padrões, repetição, um reencenar tedioso de situações cotidianas.
No final, o
ciberespaço é vazio de conteúdo. Os acontecimentos no fundo são fáticos,
repetitivos, servem apenas para nos manter conectados sob o pânico de perdermos
alguma novidade. Tão entediante quanto ficarmos diariamente cabisbaixos olhando
para as telas dos smartphones na esperança de algum acontecimento, game ou um
link compartilhado nas redes sociais possam acrescentar algo para nós mesmos.
Ainda assistido
no século XXI, Tango de 1981 é um
curta surpreendentemente atual: não apenas por explorar o potencial artístico
da edição e linguagem digital, mas também por condensar em uma narrativa de
oito minutos tudo o que viria nas próximas décadas – o destino da tela: de
janela que deveria estar aberta para o mundo real para se transformar em
simulacro que esvazia a permanência e a memória.
Ficha Técnica
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Título: Tango (curta-metragem)
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Diretor: Zibigniew Rybczynski
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Roteiro: Zibigniew
Rybczynski
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Elenco: animação
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Produção: Film Polski, Studio Se-Ma-For
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Distribuição: Vimeo
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Ano: 1981
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País: Polônia
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