A destruição de Nova York já se transformou em um verdadeiro arquétipo
contemporâneo depois de pouco menos de um século com filmes onde vemos monstros, terroristas,
cometas e marcianos tirando a “Big Apple” do mapa. Por isso, de Hollywood esse
tema recorrente espalha-se para o mundo, tornando-se também uma fixação global.
Uma evidência é o curta alemão “Wrapped” (2015) realizado por estudantes de
cinema de Ludwigsburg usando efeitos em time-lapsed e CGI: um pequeno rato morre em uma rua da cidade, espalhando
uma espécie vegetal viral (heras mutantes) que se espalha engolfando prédios, ruas e
carros. Mas suas lindas flores guardam uma ameaça. Wrapped combina
pós-modernidade com hermetismo gnóstico – de um lado a figura da monstruosidade
viral; e do outro a narrativa em loop que sugere o princípio hermético da
correspondência: “tal como em cima é abaixo”.
Quantas vezes Hollywood destruiu Nova York no
cinema? Monstros, epidemias, terroristas... Essa obsessão da indústria
cinematográfica dos EUA em colocar a chamada Big Apple em constantes situações
apocalípticas e pós-apocalípticas já foi tema de postagem do Cinegnose para entender o porquê desse
fenômeno cultural – clique aqui.
Essa obsessão já ultrapassou as fronteiras daquele
país, como podemos perceber nos atentado às torres gêmeas do WTC em 2001 onde
terroristas islâmicos parecem simplesmente ter colocado em prática uma situação
tantas vezes encenada por Hollywood.
Agora esse verdadeiro arquétipo contemporâneo
manifesta-se na Alemanha: um trio de estudantes de cinema da Film Academy
Baden-Württemberg (Roman Kaelin, Falko Peaper e Florian Wittman) produziram o
curta Wrapped onde mais uma vez Nova
York é devastada, desta vez a partir da morte de um pequeno camundongo em um
meio fio qualquer da cidade. Algo penetrou na corrente sanguínea do rato que
será o gatilho para a disseminação de espécies de plantas trepadeiras mutantes (heras - hedera helix) que envolverão ruas, carros e prédios até dominar toda a cidade.
Combinando efeitos em time-lapsed e animação em CGI,
além de um impecável design de áudio, Wrapped
procura a princípio explorar o que aconteceria quando forças inesperadas da
natureza colidissem com as estruturas existentes na nossa civilização.
E com uma intrigante narrativa em loop onde parece
explorar os efeitos do tempo e da mudança em mundos cujos ciclos parecem não
ter fim.
Wrapped também atualiza a forma de destruição: não
temos mais monstros, terroristas ou algum tipo de catástrofe climática ou
cósmica – as formas clássicas do mal e da monstruosidade: o disforme, o mau e o feio. Nesse paradigma clássico, a
monstruosidade tem uma forma e causa aparente ou, pelo menos, por ser
descoberta.
Monstruosidade Pós-Moderna
O curta adota a monstruosidade pós-moderna – a disformidade é substituída pela informidade e a sua manifestação virótica
por excelência: a contaminação viral no sangue de um rato inicia um processo
exponencial onde poderosas plantas trepadeiras envolvem estruturas de prédios e
ruas. Há um suspensão morfológica: o mal assume a forma do hospedeiro para,
então, destruí-lo.
Outra característica dessa monstruosidade
pós-moderna é a ausência de qualquer julgamento moral: as plantas são apenas
manifestações viróticas, exemplar de eficiência evolutiva e adaptação ao meio
ambiente. Ao contrário da monstruosidade ou maldade clássicas, essas plantas
viróticas são inimputáveis de qualquer julgamento moral.
Ao contrário dos tentáculos dos tripods marcianos
do filme Guerra dos Mundos serem a
manifestação da maldade (o imperialismo marciano que quer exterminar os
humanos), em Wrapped as raízes que se
ramificam como tentáculos envolvendo os prédios de Nova York são fascinantes
modelos de evolução e adaptação.
Lei da Correspondência
Mas apesar de pós-moderno, curta Wrapped traz em sua narrativa em loop o
antigo simbolismo hermético da lei das correspondências e analogias: “tal como
em cima é abaixo”.
Como o
leitor perceberá, o curta sugere um cosmos gnóstico onde uma série de mundo se
interpenetram e coexistem. Ou como o ocultista e fundador do gnosticismo
samaeliano Samael Aun Weor (1917-1977) falava que o nosso organismo planetário conteria
“nove céus” correlacionando-se inteligentemente com outros mundos nas “nove
zonas profundas do planeta Terra”. Somas e restos de dimensões que se penetram
e compenetram mutuamente sem se confundir.
Esse parece ser o simbolismo hermético presente em
todas as narrativas em loop como em filmes O
Triângulo do Medo, Donnie Darko, O Predestinado, Os 12 Macacos etc – o
final cria o paradoxo temporal de terminar sendo a sequência causal que dá
início à narrativa.
Mas em Wrapped
esse paradoxo é resolvido do simbolismo hermético da correspondência: mundos se
interpenetram onde o nível superior corresponde ao inferior.
Resta saber se em uma hipotética continuação de Wrapped, as heras mutantes
levariam outros mundos para o mesmo final em uma infernal repetição. Ou
poderíamos adotar a estratégia do filme O
Feitiço do Tempo (1993) onde pequenas mudanças em cada repetição do mesmo
dia conseguiu tirar o protagonista Bill Murray da cilada temporal.
De qualquer forma, o sombrio final do curta assume
um gosto bem gnóstico: um cosmos onde os sucessivos mundos ou “céus” estão
prisioneiros em um gigantesco eterno retorno.