sábado, maio 14, 2016
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Um dos filmes mais estranhos de 2015. O
filme alemão “Der Samurai” faz uma releitura da fábula de Chapeuzinho Vermelho
onde é explicitado aquilo que sempre foi latente e simbólico nos contos de
fadas originais: sexualidade e violência. Uma pequena cidade na fronteira entre
Alemanha e Polônia tenta solucionar problemas com lobos. Mas
isso será apenas o prenúncio de algo mais sombrio: a chegada de um estranho
samurai em vestes femininas empunhando uma katana – o sabre samurai. Ele
chegou para acabar “com as rolhas feias que aprisionam nossas almas”. E um
jovem policial passa a persegui-lo em uma cruzada para acabar com as mortes
aparentemente arbitrárias. Mas ele descobrirá que algo escondido está sendo
desencadeado por aquela bizarra figura. “Der Samurai” é também uma oportunidade
de compararmos as adaptações dos velhos contos de fadas com asfeitas para o cinema dos super-heróis das
HQs, verdadeiros contos de fadas modernos.
Um filme que está lista do Cinegnose dos 10 filmes mais estranhos de 2015. A produção alemã Der Samurai poderia se resumida da
seguinte maneira: um samurai travesti persegue um policial em uma floresta. Um
argumento bizarro que poderia sugerir um filme trash ou slasher.
Lendo melhor a sinopse do filme conseguimos mais
detalhes:
“Jakob é um jovem policial em uma pequena cidade que é constantemente
aterrorizada por lobos. Quando um misterioso pacote é entregue na delegacia,
Jakob sai a procura do remetente na floresta”
É uma típica abertura de um argumento do gênero suspense
ou terror. Mas vamos ler a continuação da sinopse:
“Em uma cabana, encontra um homem com olhar selvagem trajando uma
vestimenta feminina branca que abre o pacote e revela uma katana – a espada dos
samurais. Tem início então um jogo de gato e rato entre o samurai e o policial
que tenta a todo custo conter o que aquela estranha figura está ofertando:
fantasias transgressoras”.
Lendo essa segunda parte da sinopse, o filme parece
tender para o conceito dos slasher movies
onde algum tipo de psicopata persegue um grupo aterrorizado em um território
estranho e hostil.
Mas Der Samurai
oferece ao espectador violentas quebras de expectativas do começo ao fim.
Percebemos que o filme não dá para ser enquadrado em nenhum desses gêneros: não
só temos o inverso, onde é o policial que persegue o samurai, como a própria
ideia de perseguição não é exata. Na verdade o policial nutre sentimentos
ambíguos de ódio e fascinação pela bizarra figura de um samurai travesti que
surge em plena floresta numa cidadezinha pacata em algum lugar na fronteira
entre Alemanha e Polônia.
Na verdade Der
Samurai nos oferece uma estranha releitura da fábula do Chapeuzinho
Vermelho, mas sem o final moralizante da narrativa. Ao invés disso, amplia as
simbologias de violência e transferência sexual da narrativa original como tão
bem analisou o austríaco Bruno Bettelheim no seu livro clássico A Psicanálise dos Contos de Fadas.
Tudo isso com alusões a Twin Peaks de David Lynch com Kill Bill de Tarantino.
Além disso, o filme nos oferece uma oportunidade de
compararmos as adaptações feitas pelo cinema dos antigos contos de fadas em
contraste com as dos super-heróis das HQs como Homem de Ferro e Os
Vingadores, verdadeiros contos de fadas contemporâneos.
O Filme
Jakob é um tímido e jovem policial em uma pequena
cidade alemã que enfrenta problemas com lobos que invadem casas, matam animais
de estimação e reviram quintais. Estranhamente Jakob os alimenta com carne crua
ao invés de tentar mata-los, estratégia criticada pelo seu superior. Até que um
dia recebe pelo correio um estranho pacote cujo remetente é o “Sr. Lobo” que
pede que seja devolvido.
No meio da noite ele leva o pacote ao endereço, uma casa aparentemente abandonada onde
Jakob encontrará uma estranha e selvagem figura: o samurai travesti que
empunhará a katana e sairá pela cidade para desafiar a moralidade conservadora
e a hipocrisia daquele provinciano lugar.
A partir desse insólito encontro a narrativa
destaca o contraste entre os protagonistas: enquanto o samurai é selvagem,
violento e sensualmente homoafetivo, Jakob mora com sua avó – passa as noites
de sábado jogando baralho com ela para depois dar continuidade à metódica
construção de uma maquete da cidadezinha onde mora.
Jakob é reprimido moral e sexualmente enquanto o
estranho samurai lhe propõe fantasias de transgressão com incômodas perguntas que
Jakob não consegue responder: por que ele alimenta os lobos? Por que se dispôs
a sair no meio da noite para entregar um pacote a um desconhecido? Por que
Jakob sente repulsa e ao mesmo tempo atração pelo samurai travesti?
Aos poucos, o espectador percebe que a narrativa
faz diversas alusões à fábula do Chapeuzinho Vermelho: o samurai invade a casa
da avó de Jakob, uiva como um lobo – chegamos a duvidar da existência real
dos lobos ou se tudo não passa de fantasias resultantes da sexualidade ambígua
do tímido policial.
Rolhas que aprisionam a alma
Dentro da psicanálise da fábula do Chapeuzinho
Vermelho, Jakob assume o duplo papel da própria Chapeuzinho (seduzida pelo Lobo
na floresta e que, por isso, contou para ele onde morava a vovozinha) e do
Caçador.
Se a figura do Caçador traz a imagem do Pai protetor
na estória original, em Der Samurai nada disso acontece: Jakob está inseguro quanto
sua própria sexualidade ou até se quer, de fato, que a avó morra para se
libertar. Para complicar, Jakob é ao mesmo tempo caçador e policial – aquele
que supostamente deveria manter a todo custo a Ordem pública e moral.
Em muitos planos de câmera em detalhe, o filme faz
questão de destacar a breguice kitsch e provinciana da cidade: seus anões de
jardim, flamingos decorativos e pequenos canteiros de flores nas janelas. Com seu
sabre, o samurai corta a cabeça dessa figuras decorativas... e também de
pessoas que, segundo ele, são “rolhas que aprisionam as almas” – a
sequência em que o samurai decapita os membros de uma gang de jovens bêbados e
homofóbicos nas suas motos é a mais icônica do filme.
Parece que o samurai travesti assumiu o papel de
mestre de Jakob, contra a vontade de seu discípulo. Quer mostrar para ele como
as diversas “rolhas feias” existentes naquela cidadezinha aprisionam sua alma.
Por isso, a caça de Jakob ao estranho forasteiro transforma-se na verdade em um
jogo de enigmas e violência: o samurai comete chacinas na frente de Jakob,
enquanto discursa novas lições para o discípulo e propondo novos enigmas.
Impotente, mas ao mesmo tempo estranhamente atraído
pelo samurai, assiste às sucessões de mortes.
O filme
parece caminhar para um desfecho convencional do velho clichê da
quebra-da-ordem-retorno-à-ordem – mundo ordinário/quebra da ordem do mundo
ordinário/punição/volta à ordem. Mas o desfecho guarda para o espectador
novas quebras de expectativas com mais bizarrices e estranhezas. Se na fábula
original de Chapeuzinho Vermelho o pai protetor salva os bons e mata o vilão,
nessa releitura o filme vai levar o conteúdo sexual latente no conto de fadas
às últimas consequências.
Contos de fadas e os super-heróis
Ao mesmo tempo que acompanhamos uma série de
adaptações de super-heróis da Marvel e DC Comics para o cinema, também temos
outra série de adaptações dos antigos contos de fadas para a telona: A
Companhia dos Lobos (1984), Snow White: a Tale of Terror (1997), Jack, O
Caçador de Gigantes (2013), Os Irmãos Grim (2005), João e Maria: Caçadores de
Bruxas (2013) e esse filme independente Der Samurai.
A saga dos super-heróis são os novos contos de fadas
modernos. Porém, com naturezas bem diferentes. Ao tratar de temas morais como o
bem e o mal, os contos de fadas ajudavam a criar a personalidade infantil intra-diririgida – introjeção e reforço
de valores morais, além de sublimar a sexualidade e violência com seus
personagens carregados de fantasias.
Ao contrário, os super-heróis surgem num contexto
social de dissolução da família com a ausência simbólica ou mesmo física dos
pais (trabalho, divórcios etc.) – ajudam a formar uma personalidade alter-dirigida, isto é, voltada para
fora sem conseguir introjetar valores. A criança limita-se a se identificar com
o super-herói como substituto do pai ausente.
A discussão do bem e do mal é substituída pela
Justiça, onde para alcança-la vale tudo, até destruir cidades inteiras como um
“efeito colateral” da luta pelo lado do “bem”.
Por isso, enquanto as adaptações cinematográficas
das HQs limitam-se à construção maniqueísta de vilões, o nacionalismo e a luta
amoral da justiça a qualquer custo.
Ao contrário, as adaptações de contos de fadas no
cinema, como o filme Der Samurai, mostram uma ambiguidade inexistente nos
super-heróis. Presentes de forma latente e simbólica nos contos de fadas
originais, sexualidade e violência são explicitados para tornar ambígua a
distinção entre o Bem e o Mal.
Claro que a exceção fica com as adaptações da Walt
Disney onde os velhos contos de fadas tornam-se tão maniqueístas e esquemáticos
quanto os filmes de super-heróis.
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Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, organizado pelo Prof. Dr. Ciro Marcondes Filho e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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