domingo, maio 22, 2016

Cérebros humanos podem ser ressuscitados no projeto pós-humano "ReAnima"


Longe de Frankenstein e mais próximo de filmes pós-humanistas e tecnognósticos como “A Ilha”, “Ex-Machina” ou “The Machine”. A realidade está cada vez mais próxima da ficção. Estamos falando sobre o Projeto ReAnima da empresa norte-americana Bioquark que pretende ressuscitar cérebros de pacientes dados como clinicamente mortos e ainda mantidos vivos por meio de equipamentos. A ideia é encontrar na mente o botão de “reiniciar” e encarar o cérebro como um HD que poderia ser reformatado. Sem as memórias, de quem seria essa mente ressuscitada? Ou a questão mais sombria: para quê? Guerra, mercado e a imortalidade de uma elite poderiam estar por trás dessa agenda tecnocientífica.


Um sonho anima a Ciência atual, um projeto  que combina misticismo com racionalidade: fazer a completa cartografia e topografia da mente humana para solucionar o mistério da consciência humana. E com isso, realizar o sonho tecnognóstico, a ambição de nos livrarmos da carne e do orgânico através da transcendência espiritual e imortalidade possibilitada pela tecnologia.

Em postagem anterior discutíamos como o cinema atual reflete essa agenda em filmes que abordam o tema do pós-humano como The Machine (2013), Lucy (2014), Ex-Machina (2015) entre outros – sobre isso clique aqui. Também discutíamos que esse sonho que anima a Ciência atual tem simultaneamente uma motivação mística (transcendência) e política (engenharia e controle social). Fazer um mapeamento completo da mente realizaria não só o sonho cartesiano de localizar a “alma” (ou “consciência”) no cérebro, mas também uma total reengenharia social a partir da conjunção das neurociências, ciências cognitivas, Cibernética e ciências computacionais - sobre isso clique aqui.

Agora parece que esse projeto de mapeamento chega a um novo estágio: a engenharia reversa do funcionamento da mente – encontrar um “botão de reboot” do cérebro como se reformatasse o HD de um computador para entender como o sistema funciona a partir do zero.
Quem faz essa afirmação é o Dr. Ira Samuel Pastor, pesquisador e CEO da empresa norte-americana Bioquark que atualmente realiza o projeto ReAnima – projeto cujo objetivo imediato é tentar ressuscitar cérebros de pacientes que foram declarados clinicamente mortos.

Isso parece lembrar o recente filme sci-fi Renascida do Inferno (The Lazarus Effect, 2015). Mas o projeto da Bioquark, sediada em Philadelphia, EUA, é real. Com a aprovação do Instituto Nacional de Ciências e Saúde Ambiental dos EUA, o Projeto ReAnima está iniciando o recrutamento de vinte pacientes com morte cerebral.


Com a cooperação de seus familiares, os pacientes serão mantidos vivos por máquinas e serão ministrados uma série de procedimentos para alavancar a regeneração celular – será injetado um coquetel de células-tronco com peptídeos no sistema nervoso central e em áreas do cérebro ao longo de seis semanas.

“Apagar” o cérebro


A esperança é de que dentro desse período seja induzida a regeneração e reparação eficaz. Para o Dr. Ira Pastor “seria como se encontrássemos um botão de reiniciação do corpo humano. O cérebro seria capaz de “apagar” sua história e começar a viver de novo.

O Projeto ReAnima utilizará técnicas da “terapia genética”, uma tecnologia conhecida como CRISPR/Cas9 que busca a imortalidade humana. Alguns dos homens mais ricos do mundo estão investindo bilhões de dólares nessa pesquisa, incluindo Peter Thiel (co-fundador da PayPal), Ray Kurzwell do Google, Larry Ellison (co-fundador do Oracle Corporation) e o multimilionário russo Omitry Itskov.

Os vinte pacientes serão monitorados por seis meses usando equipamento de imagem do cérebro que rastreia e mapeia sinais de regeneração da medula espinhal superior, que é a parte mais baixa do cérebro e que controla a respiração e o batimento cardíaco independente.

Mas a experiência não será realizada nos EUA: ela ocorrerá no Hospital Anupam na cidade de Rudrapur, norte da Índia. Segundo Dr. Pastor, naquele país os custos por paciente serão menores – de US$ 10 mil para US$ 1000.


Dilemas éticos


Embora afirme que “dilemas éticos não têm cabimento”, os questionamentos começam a ocorrer nesse campo. Se esses pacientes voltarem à consciência, serão ainda a mesma pessoa? Afinal, as vias neurais que os tornaram ser como eram podem ainda estar lá, incompletas. O que poderá representar um pesadelo para suas famílias: você deixaria seu amado morrer em paz ou o traria de volta, mas de uma forma que talvez ele não reconhecesse totalmente seus familiares?

E mais: se uma pessoa acorda sem a memória da sua vida anterior e com uma personalidade diferente, ainda são legalmente a mesma pessoa? E quanto a suas propriedades, esposa ou filhos?

É claro que esse é mais um exemplo de como a tecnociência está forçando os limites éticos e morais da sociedade, principalmente no que se refere ao conceito de humano. Além do mapeamento da mente humana para criar um modelo virtual para fins de controle, a agenda tecnognóstica tem uma meta ainda mais sinistra: a criação do pós-humano.

Filmes como Ex-Machina e Transcendence mostram essa ambição humana da imortalidade pela superação do orgânico, do mortal, da própria carne, considerada um mero receptáculo para a consciência, alma ou espírito.

Mas essa engenharia reversa do Projeto ReAnima (ao contrário de mapear um cérebro vivo, fazer o caminho inverso da consciência) parece mostrar que essa ambição pelo pós-humano tem outro aspecto: depois que a consciência transcender o orgânico, o que fazer com o seu antigo receptáculo?

A resposta está no velho paradigma cartesiano que acredita que a alma mora no cérebro e que, do alto, dominaria o restante do corpo: a alma é a elite social e o corpo o restante da sociedade que precisa ser controlado e submetido a uma engenharia social.


Bioquark e a opinião pública


É sintomático que o Projeto ReAnima esteja ocorrendo na Índia: depois de oferecer mão-de-obra barata para empresas de telemarketing de todo o mundo, agora um chamado país emergente fornecerá cérebros mortos para serem ressuscitados por terapia genética.

É claro que o projeto da empresa Bioquark segue o script dos discursos de relações públicas para que um projeto com evidentes implicações éticas possa ser aceito pela opinião pública: “O benefício do ReAnima será compreender o mecanismo da morte cerebral, o que possibilitará conexões com os estudos sobre as severas desordens de consciência como o estado de coma, estados vegetativos assim como as doenças degenerativas, incluindo o Mal de Parkinson e Alzheimer”, defende o Dr. Ira Pastor.

 Isso poderá até ser verdade, mas como um efeito residual para poucos. Para pesquisadores como o francês Paul Virilio, a prioridade de aplicação do avanço tecnocientífico está na guerra, seja ela militar ou de mercado – disputa por patentes, por exemplo. O avanço do pós-humanismo e tecnognosticismo sobre os limites éticos e morais convergiriam para duas possíveis sombrias aplicações.


1 - Transcendência militar da humanidade


Nesse momento o DARPA (Defense Advanced Research Projects Agency, uma espécie de laboratório secreto do Pentágono) possui 39 mil engenheiros e cientistas trabalhando em laboratórios militares tentando aproveitar diversos avanços tecnocientíficos para a guerra. Há um interesse crescente do Pentágono na aplicação militar das neurociências e terapias genéticas – manter o soldado dias sem dormir pela cognição ampliada por intervenção neurológica, controle mental de veículos, neuropróteses e pesquisas e pesquisas transgênicas na recuperação acelerada de órgão e tecidos humanos – “DARPA to Support Development of Human Brain-Machine Interfaces”.

E por que não ressuscitar soldados mortos? Criar um botão de reinício, reformatar o HD cerebral para um soldado recomeçar a batalha sem traumas, temores ou arrependimentos? Um exército de zumbis? Teóricos da conspiração falam em bizarras experiências campos de concentração nazis na II Guerra Mundial (na verdade seminais e primitivos laboratórios de manipulação genética e neurológica) visando ressuscitação e aprimoramento racial.

Um controvertido vídeo institucional sobre supostos experimentos soviéticos nos anos 1940 (liberado dentro dos chamados “Prelinger Archives”) de ressuscitação de animais e de cabeças decapitadas comprovaria esse interesse militar-científico – veja o vídeo abaixo.

Filme "A Ilha": a realidade imita a ficção?

2 – Elite imortal


O pesquisador e documentarista Tom Horn em seu documentário Inhuman (2015) alerta para que o foco da pesquisa de empresas como a Bioquark em torno da morte cerebral  esteja em torno da possibilidade de manutenção de pacientes vivos para a posterior colheita de órgãos para o mercado de transplantes.

O que lembra o filme A Ilha (2005) onde humanos clonados são mantidos prisioneiros para mais tarde serem sacrificados para doar órgãos para clientes milionários que os patrocinam.

Projetos radicais como o ReAnima, livremente divulgado pela grande mídia como um spin para provocar polêmica e discussões, objetivam empurrar as fronteiras ética, morais e religiosas para aos poucos a opinião pública aceitar como fato consumado a agenda pós-humana e tecnognóstica. Diante dos supostos benefícios no tratamento de doenças como Alzheimer e Parkinson, acharíamos natural o corpo humano ser não só um fornecedor de peças de reposição como também um HD que pode ser reformatado a qualquer momento.

E a consciência, alma ou espírito? Estaria na elite, agora imortal cuja consciência teria migrado para o ciberespaço ou ainda nos seus corpos com a vida estendida graças a países emergentes transformados em fornecedores de órgãos de reposição.


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