Longe de Frankenstein e mais próximo de
filmes pós-humanistas e tecnognósticos como “A Ilha”, “Ex-Machina” ou “The
Machine”. A realidade está cada vez mais próxima da ficção. Estamos falando
sobre o Projeto ReAnima da empresa norte-americana Bioquark que pretende
ressuscitar cérebros de pacientes dados como clinicamente mortos e ainda
mantidos vivos por meio de equipamentos. A ideia é encontrar na mente o botão
de “reiniciar” e encarar o cérebro como um HD que poderia ser reformatado. Sem
as memórias, de quem seria essa mente ressuscitada? Ou a questão mais sombria:
para quê? Guerra, mercado e a imortalidade de uma elite poderiam estar por trás
dessa agenda tecnocientífica.
Um sonho anima a Ciência atual, um projeto que combina misticismo com racionalidade:
fazer a completa cartografia e topografia da mente humana para solucionar o
mistério da consciência humana. E com isso, realizar o sonho tecnognóstico, a
ambição de nos livrarmos da carne e do orgânico através da transcendência
espiritual e imortalidade possibilitada pela tecnologia.
Em postagem anterior discutíamos como o cinema
atual reflete essa agenda em filmes que abordam o tema do pós-humano como The Machine (2013), Lucy (2014), Ex-Machina (2015) entre outros – sobre
isso clique aqui. Também discutíamos que esse sonho que anima a Ciência atual
tem simultaneamente uma motivação mística (transcendência) e política
(engenharia e controle social). Fazer um mapeamento completo da mente
realizaria não só o sonho cartesiano de localizar a “alma” (ou “consciência”)
no cérebro, mas também uma total reengenharia social a partir da conjunção das
neurociências, ciências cognitivas, Cibernética e ciências computacionais - sobre isso clique aqui.
Agora parece que esse projeto de mapeamento chega a
um novo estágio: a engenharia reversa do funcionamento da mente – encontrar um
“botão de reboot” do cérebro como se reformatasse o HD de um computador para
entender como o sistema funciona a partir do zero.
Quem faz essa afirmação é o Dr. Ira Samuel Pastor, pesquisador e
CEO da empresa norte-americana Bioquark que atualmente realiza o projeto
ReAnima – projeto cujo objetivo imediato é tentar ressuscitar cérebros de
pacientes que foram declarados clinicamente mortos.
Isso parece lembrar o recente filme sci-fi Renascida do Inferno (The Lazarus Effect, 2015). Mas o projeto
da Bioquark, sediada em Philadelphia, EUA, é real. Com a aprovação do Instituto
Nacional de Ciências e Saúde Ambiental dos EUA, o Projeto ReAnima está
iniciando o recrutamento de vinte pacientes com morte cerebral.
Com a cooperação de seus familiares, os pacientes
serão mantidos vivos por máquinas e serão ministrados uma série de
procedimentos para alavancar a regeneração celular – será injetado um coquetel
de células-tronco com peptídeos no sistema nervoso central e em áreas do
cérebro ao longo de seis semanas.
“Apagar” o cérebro
A esperança é de que dentro desse período seja
induzida a regeneração e reparação eficaz. Para o Dr. Ira Pastor “seria como se
encontrássemos um botão de reiniciação do corpo humano. O cérebro seria capaz
de “apagar” sua história e começar a viver de novo.
O Projeto ReAnima utilizará técnicas da “terapia
genética”, uma tecnologia conhecida como CRISPR/Cas9 que busca a imortalidade
humana. Alguns dos homens mais ricos do mundo estão investindo bilhões de
dólares nessa pesquisa, incluindo Peter Thiel (co-fundador da PayPal), Ray
Kurzwell do Google, Larry Ellison (co-fundador do Oracle Corporation) e o multimilionário
russo Omitry Itskov.
Os vinte pacientes serão monitorados por seis meses
usando equipamento de imagem do cérebro que rastreia e mapeia sinais de
regeneração da medula espinhal superior, que é a parte mais baixa do cérebro e
que controla a respiração e o batimento cardíaco independente.
Mas a experiência não será realizada nos EUA: ela
ocorrerá no Hospital Anupam na cidade de Rudrapur, norte da Índia. Segundo Dr.
Pastor, naquele país os custos por paciente serão menores – de US$ 10 mil para
US$ 1000.
Dilemas éticos
Embora afirme que “dilemas éticos não têm
cabimento”, os questionamentos começam a ocorrer nesse campo. Se esses pacientes
voltarem à consciência, serão ainda a mesma pessoa? Afinal, as vias neurais que
os tornaram ser como eram podem ainda estar lá, incompletas. O que poderá
representar um pesadelo para suas famílias: você deixaria seu amado morrer em
paz ou o traria de volta, mas de uma forma que talvez ele não reconhecesse
totalmente seus familiares?
E mais: se uma pessoa acorda sem a memória da sua
vida anterior e com uma personalidade diferente, ainda são legalmente a mesma
pessoa? E quanto a suas propriedades, esposa ou filhos?
É claro que esse é mais um exemplo de como a
tecnociência está forçando os limites éticos e morais da sociedade,
principalmente no que se refere ao conceito de humano. Além do mapeamento da
mente humana para criar um modelo virtual para fins de controle, a agenda
tecnognóstica tem uma meta ainda mais sinistra: a criação do pós-humano.
Filmes como Ex-Machina
e Transcendence mostram essa ambição
humana da imortalidade pela superação do orgânico, do mortal, da própria carne,
considerada um mero receptáculo para a consciência, alma ou espírito.
Mas essa engenharia reversa do Projeto ReAnima (ao
contrário de mapear um cérebro vivo, fazer o caminho inverso da consciência)
parece mostrar que essa ambição pelo pós-humano tem outro aspecto: depois que a
consciência transcender o orgânico, o que fazer com o seu antigo receptáculo?
A resposta está no velho paradigma cartesiano que
acredita que a alma mora no cérebro e que, do alto, dominaria o restante do
corpo: a alma é a elite social e o corpo o restante da sociedade que precisa
ser controlado e submetido a uma engenharia social.
Bioquark e a opinião pública
É sintomático que o Projeto ReAnima esteja
ocorrendo na Índia: depois de oferecer mão-de-obra barata para empresas de
telemarketing de todo o mundo, agora um chamado país emergente fornecerá cérebros
mortos para serem ressuscitados por terapia genética.
É claro que o projeto da empresa Bioquark segue o
script dos discursos de relações públicas para que um projeto com evidentes
implicações éticas possa ser aceito pela opinião pública: “O benefício do
ReAnima será compreender o mecanismo da morte cerebral, o que possibilitará
conexões com os estudos sobre as severas desordens de consciência como o estado
de coma, estados vegetativos assim como as doenças degenerativas, incluindo o
Mal de Parkinson e Alzheimer”, defende o Dr. Ira Pastor.
Isso poderá
até ser verdade, mas como um efeito residual para poucos. Para pesquisadores
como o francês Paul Virilio, a prioridade de aplicação do avanço tecnocientífico
está na guerra, seja ela militar ou de mercado – disputa por patentes, por
exemplo. O avanço do pós-humanismo e tecnognosticismo sobre os limites éticos e
morais convergiriam para duas possíveis sombrias aplicações.
1 - Transcendência militar da humanidade
Nesse momento o DARPA (Defense Advanced Research
Projects Agency, uma espécie de laboratório secreto do Pentágono) possui 39 mil
engenheiros e cientistas trabalhando em laboratórios militares tentando
aproveitar diversos avanços tecnocientíficos para a guerra. Há um interesse
crescente do Pentágono na aplicação militar das neurociências e terapias
genéticas – manter o soldado dias sem dormir pela cognição ampliada por
intervenção neurológica, controle mental de veículos, neuropróteses e pesquisas
e pesquisas transgênicas na recuperação acelerada de órgão e tecidos humanos – “DARPA to Support Development of Human Brain-Machine
Interfaces”.
E por que não ressuscitar soldados mortos? Criar um
botão de reinício, reformatar o HD cerebral para um soldado recomeçar a batalha
sem traumas, temores ou arrependimentos? Um exército de zumbis? Teóricos da
conspiração falam em bizarras experiências campos de concentração nazis na II
Guerra Mundial (na verdade seminais e primitivos laboratórios de manipulação
genética e neurológica) visando ressuscitação e aprimoramento racial.
Um controvertido vídeo institucional sobre supostos
experimentos soviéticos nos anos 1940 (liberado dentro dos chamados “Prelinger Archives”) de ressuscitação de animais e de cabeças decapitadas comprovaria
esse interesse militar-científico – veja o vídeo abaixo.
Filme "A Ilha": a realidade imita a ficção? |
2 – Elite imortal
O pesquisador e documentarista Tom Horn em seu
documentário Inhuman (2015) alerta
para que o foco da pesquisa de empresas como a Bioquark em torno da morte
cerebral esteja em torno da
possibilidade de manutenção de pacientes vivos para a posterior colheita de
órgãos para o mercado de transplantes.
O que lembra o filme A Ilha (2005) onde humanos clonados são mantidos prisioneiros para
mais tarde serem sacrificados para doar órgãos para clientes milionários que os
patrocinam.
Projetos radicais como o ReAnima, livremente
divulgado pela grande mídia como um spin para provocar polêmica e discussões,
objetivam empurrar as fronteiras ética, morais e religiosas para aos poucos a
opinião pública aceitar como fato consumado a agenda pós-humana e
tecnognóstica. Diante dos supostos benefícios no tratamento de doenças como
Alzheimer e Parkinson, acharíamos natural o corpo humano ser não só um
fornecedor de peças de reposição como também um HD que pode ser reformatado a
qualquer momento.
E a consciência, alma ou espírito? Estaria na
elite, agora imortal cuja consciência teria migrado para o ciberespaço ou ainda
nos seus corpos com a vida estendida graças a países emergentes transformados
em fornecedores de órgãos de reposição.
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