O que separa um trem desaparecido em uma anomalia espacial de um homem perdido em um corredor infinito de azulejos brancos? A resposta está na Fita de Möbius, o conceito matemático que une o clássico argentino “Moebius” (1996) ao recente thriller japonês “The Exit 8” (8-ban deguchi, 2025). Mais do que ficção científica, essas obras operam como espelhos de uma sociedade hiperconectada, porém solitária, onde a percepção da realidade é constantemente desafiada por deepfakes, bolhas virtuais e a monotonia do cotidiano. Nestes labirintos modernos, a saída depende da nossa capacidade de olhar além das telas e identificar as anomalias de uma vida vivida em modo automático. Em “The Exit 8” um homem se vê prisioneiro em um loop infinito topológico em um trecho dos labirínticos corredores subterrâneos do metrô de Tóquio.
Essa é uma locução em off que abria um filme argentino de 1996
chamado Moebius, inspirado na enigmática figura topológica da "fita
de Möbius", interpretando-a como um portal dimensional. Um trem
desaparece no metrô de Buenos Aires. A rede do metropolitano ficou tão complexa
que assumiu a forma da "fita de Möbius" - figura geométrica paradoxal
que não possui o lado de "dentro" e de "fora". Sem saber os
engenheiros projetaram um portal por onde o trem passou. E ele continua
viajando, invisível e prisioneiro de uma anomalia espacial.
Esse filme argentino dos anos noventa foi emblemático por explorar
um argumento que ia na contramão da ficção científica, até então preocupada
unicamente com os paradoxos temporais – influenciada pelo impacto da mecânica
quântica.
Moebius desenvolvia um inédito paradoxo
topológico inspirado da famosa “Fita de Möbius” - matemático que no século XIX
criou uma subdivisão na área da Topografia: a Topologia. Ele trabalhou com
superfícies sem escalas ou dimensões, tratando superfícies elásticas que
resistem a deformações de tal forma que todas as suas propriedades métricas e
projetivas são perdidas.
Sua principal contribuição foi o paradoxo espacial criado pela
“fita de Möbius”, uma figura paradoxal cujas propriedades abolem o principal de
orientação (não possui o lado de “dentro” e de “fora” como uma fita normal).
Sua convergência e continuidade formam um paradoxo espacial onde a torção cria
uma fita de apenas um lado.
Essa figura espacial paradoxal e impossível de ser expressa por
meio de uma equação inspirou trabalhos do artista plástico M.C. Escher e a
exploração topológica do ego feita por Lacan (o descentramento do sujeito pela
subversão do espaço explorado culturalmente pelas manifestações artísticas do
século XX).
Por isso, o filme argentino Moebius foi muito além da
ficção científica, entrando no campo da literatura do Realismo Fantástico
latino-americano.
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Não por acaso a famosa ilustração da Fita de Möbius de Escher é
uma referência onipresente no filme japonês The Exit 8 (8-ban deguchi,
2025). O filme dirigido por Benki Kawamura é mais do que uma simples
adaptação mecânica de um popular videogame homônimo. Ele se tornou um espelho
nítido das ansiedades contemporâneas, transformando o conceito de
"simulador de caminhada em primeira pessoa" dos games em um thriller
psicológico existencial.
O conceito do popular videogame de exploração "Exit 8",
da desenvolvedora Kotake Create, era tão espartano que chegava a ser quase
monástico. O jogador (representado olhar em ponto de vista, em primeira pessoa)
estava perdido em um túnel labiríntico e excessivamente iluminado do metrô
japonês, e a única maneira de encontrar a saída de sua construção em loop
infinito, semelhante a uma obra de Escher sobre a Fita de Möbius, é identificar
suas "anomalias" — pequenos desvios deliberados da norma previamente
estabelecida.
O filme The Exit 8 é ainda mais simples, mais direto
e menos preocupado em explicar a premissa. Em vez disso, o truque aqui é que,
na ausência da perspectiva em primeira pessoa do jogo original, Kawamura e o
co-roteirista Kentaro Hirase adicionam um componente psicológico à narrativa em
terceira pessoa. Aqui, o dilema do protagonista é desencadeado pelo fato de ele
estar em um ponto de virada em sua vida.
Indo além do videogame, The Exit 8 desenvolve o conceito de
"espaço liminar" — locais de transição (corredores, salas de espera,
metrôs) que, quando vazios, geram um desconforto onírico. Isso reflete a
sensação moderna de desorientação urbana. Em um mundo hiperconectado, o vazio
desses corredores brancos espelha a solidão paradoxal das metrópoles.
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E esse paradoxo da desorientação urbana com hiperconectividade
seria ampliado com o fenômeno cultural da situação cotidiana de pessoas imersas
no individualismo desses espaços subliminares com a atenção afundada nas telas
dos smartphones. Imersas em suas próprias bolhas virtuais, nas redes sociais,
como se quisessem criar uma realidade alternativa ou paralela.
Até que o protagonista descobre que inadvertidamente caiu em uma
realidade alternativa, num loop infinito: em uma arquitetura impossível em um
pequeno trecho do labiríntico metrô de Tóquio.
O Filme
Nosso herói, sempre referido apenas como o “Homem Perdido” (o
astro do J-pop Kazunari Ninomiya), está no trem quando presencia um empresário
arrogante importunando uma jovem mãe por causa do choro do seu bebê e nem ele
ou passageiros intervém – todos estão absorvidos pelas telas dos celulares, com
seus fones de ouvido.
Logo depois, ele desembarca e recebe uma ligação de uma recém
ex-namorada que diz estar no hospital, grávida dele, e aguarda sua opinião
sobre o que fazer.
Assim, com a atenção concentrada na ligação, ele leva um tempo
para perceber que, de repente, está sozinho em um labirinto de corredores do
metrô, em um pesadelo retilíneo de corredores subterrâneos revestidos de
azulejos brancos E que seguir a sinalização amarela sem graça do piso em
direção à saída sempre o levará de volta ao ponto de partida, caindo num loop
aparentemente infinito.
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Na verdade, o “Homem Perdido” não está completamente sozinho; um
homem magro carregando uma pasta (Yamato Kochi) passa impassivelmente por ele
sempre que ele chega a um dos corredores. Mais tarde, outros andarilhos também
aparecem, mas suas interações com eles são artificiais, como se fossem
personagens não jogáveis (NPCs) de um videogame.
Assim como no jogo, a única escolha ativa que o Homem Perdido pode
fazer é seguir em frente ou voltar, e logo um cartaz aparece explicando como
exercer esse livre-arbítrio limitado. Sempre que ele avistar uma anomalia
qualquer na ambiência ou mesmo no comportamento dos “NPCs”, deve mudar de
direção. Se não houver nada de errado, deve continuar, e dessa forma conseguirá
navegar pelos oito níveis e chegar a uma saída. Se errar, porém, tudo recomeça
do início e todo o seu progresso é perdido.
Operando com o mesmo princípio cativante que impulsiona milhares
de jogos de objetos escondidos ou de encontrar as diferenças, agora nós, junto
com o Homem Perdido, começamos a analisar obsessivamente cada quadro em busca
de possíveis desvios. Os cartazes do metrô estavam na mesma ordem da última
vez? Aquela porta sempre esteve entre duas saídas de ar? Por que o Homem
Andando de repente virou o Homem Parado, e quando ele começou a exibir aquele
sorriso horripilante?
As anomalias buscadas tanto pelo protagonista quanto por nós
espectadores e a dinâmica da busca por erros é uma metáfora poderosa para a
cultura dos Deepfakes e da desinformação. No século XXI, fomos treinados a
duvidar da nossa percepção: Aquele vídeo é real ou IA? Este rosto é humano ou gerado?
No filme, um detalhe minúsculo (um cartaz que muda levemente ou o
olhar de um NPC) pode significar a perdição, ecoando nossa paranoia constante
em filtrar a verdade em um fluxo infinito de dados.
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Metáforas poderosas
Mas certamente a metáfora mais poderosa é a rotina urbana
representada pelo loop infinito unidimensional, tal como a fita de Möbius. O
corredor que se repete é o trajeto diário do trabalhador (commuting),
uma rotina que se tornou uma prisão. O filme sugere que estamos todos presos em
nossos próprios "exits", repetindo comportamentos e ignorando sinais
de que algo está errado em nossa saúde mental.
E nossos próprios “exits” são as telas dos nossos dispositivos
móveis, nos quais ficamos absorvidos, alienados da realidade – no filme,
representada, no início, no choro do bebê que incomoda a atenção de todos os
passageiros concentrados nos seus smartphones.
E depois na notícia da gravidez indesejada da ex-namorada do
protagonista através de uma ligação. Desencadeando o dilema pessoal e a
armadilha topológica no metrô.
Tal como a fita de Möbius, na qual não conseguimos mais
identificar o lado de fora e de dentro, o interior e o exterior, a alucinação e
a realidade, nas realidades solipsistas das bolhas virtuais nas quais nos
enfiamos, não identificamos mais a realidade (o lado de fora), o futuro, a
posteridade.
Ficha Técnica |
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Título: The Exit
8 |
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Direção: Genki
Kawamura |
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Roteiro: Kotake
Create, Kentaro Hirase, Genki Kawamura |
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Elenco: Kazunari
Ninomya, Yamato Kôchi, Naru Asanuma |
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Produção: AOI Promotion,
Toho |
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Distribuição: Neon |
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Ano: 2025 |
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País: Japão |
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quarta-feira, dezembro 31, 2025
Wilson Roberto Vieira Ferreira





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