Hoje todos nós possuímos câmeras nos celulares e podemos produzir imagens e distribuí-las na Web a todo
momento. Inspirado nisso, o arquiteto, designer e diretor Keiich Matsuda fez uma
trilogia de curtas ("Hyper-reality", "Augmented (Hyper) Reality" e "Augmented City 3D", 2014-15) onde imagina uma cidade de Medelin, Colombia, customizada pelos usuários da Web:
um protagonista imerso em um mix de realidade aumentada e Google Glass num
inferno de ícones, pop-ups e animações que pulam de cada objeto, pessoa ou
gestos em ruas, supermercado ou no simples ato de prepara um chá. É a
hiper-realidade que chegará a tal ponto onde o mapa ficará do tamanho do
próprio território – a vida inteira imersa em um Google Maps ou Google Earth com infinitos aplicativos “powered”
por uma empresa qualquer que acompanhará tudo como uma onipresente marca
registrada.
Era uma vez a Arte onde o homem se esforçava em
representar a realidade por meio das imagens (arte figurativa), criava imagens
sintéticas (arte abstrata) ou expressava sentimentos (arte
expressionista). Mas sempre o que chamávamos de “real” estava lá, como
matéria-prima ou ponto de partida para a criação de imagens.
Hoje vivemos na pós-modernidade onde as imagens
tecnológicas ultrapassaram a realidade, não representam mais nada a não ser a
própria supremacia tecnológica. As imagens se tornaram simulacros da realidade
– cópias da cópia até o original se perder e nem mais sentirmos falta dele.
Mas hoje entramos no paroxismo do simulacro: a hiper-realidade,
onde o simulacro não se contenta mais em fazer sumir o original – o chamado
“crime perfeito” para o francês Jean Baudrillard. O simulacro que tomar conta
da realidade, tornar-se o próprio “real” até a própria noção de “realidade”
ficar tão absurda que esqueceremos de todas as velhas implicações desse
conceito: finitude, ética, tempo etc.
Na série de curtas Hyper-reality, Augmented (Hyper) Reality e Augmented City 3D (2014-2015) de Keiich Matsuda mostra imagina a
cidade de Medelin, Colombia, transformada pela hiper-realidade. Observamos tudo
em câmera de ponto de vista na caminhada da protagonista pelas ruas,
supermercados e . Num mix de realidade aumentada com Google Glass, a
protagonista parece estar on line todo o tempo em uma espécie de Internet das Coisas:
cada objeto possui algum código para quando for varrido pela web cam da
protagonista saltarem dele, em realidade aumentada, pop-ups, menus, animações
etc.
O simples preparar um chá é acompanhado de uma
densa camada de dados, informações e menus que saltam diante dos olhos a cada
gesto. Nos curtas, as únicas referências de que existe uma realidade lá fora,
por trás das camadas da Web são os sons dos objetos batendo, pessoas falando e
carros nas ruas.
Ruas, prédios, pessoas, são customizados pela protagonista,
criando uma Medelin hiper-real.
“Hoje, qualquer um possui uma câmera em seu
celular, e pode produzir e distribuir seu próprio conteúdo”, explica Matsuda.
“Estava pensando sobre como isso poderia ser aplicado na arquitetura, na
criação de espaço. O que aconteceria se uma pessoa qualquer pudesse não apenas
customizar a sua própria casa, mas sua própria rua?”.
No curta, tudo se transformaria em um inferno se
ícones, animações, popups e menus. E o curioso é que percebemos que a própria
identidade do protagonista (no sentido psíquico) confunde-se com o próprio ID
do usuário na Web.
Quando o protagonista anda nas ruas, ele vê a
cidade como estivesse em um enorme Google Maps – círculos marcam cada
transeunte, setas indicam a direção nas ruas e calçadas etc.
Hipertelia: o mapa do tamanho do território
Isso lembra o texto de Jorge Luís Borges “Sobre o
Rigor da Ciência” sobre um império onde a Cartografia alcançou um tal grau de
perfeição que um simples mapa de uma província ocupava a cidade inteira. Até
criar um mapa que coincidia com o tamanho de todo Império. O mapa acabou
coincidindo com o própria extensão do império e se tornou inútil, para depois
ser abandonado, esquecido em um deserto. Para as disciplinas geográficas serem
esquecidas pelas futuras gerações.
A série de curtas de Matsuda mostra esse vanish point de toda a representação e a
utilidade da tecnologia: a hiper-realidade converte-se em hipertelia – um excesso de finalidade que transforma todos os
gadgets em aparelhos e dispositivos inúteis que ameaçam transformar o cotidiano
em um inferno - do grego hypér
“além”, “excesso” e do grego telos
“fim”, “realização”.
Na biologia a hipertelia representa um crescimento desmedido, normalmente
não-harmônico, de parte de um ser vivo ou de um grupo, até o ponto de tornar-se
prejudicial ou contrária aos interesses da espécie conservando mais nenhum
valor de adaptação.
Nos sistemas
tecnológicos a hipertelia surge quando a especialização das funções chega a tal
ponto que, ao ultrapassa-lo, perde a eficácia e torna-se absolutamente
disfuncional. Os sistemas tecnológicos tenderiam a um estado de obesidade, de
excesso generalizado, até inviabilizar a finalidade original que os fez surgir.
É o que
acompanhamos na série de curtas, principalmente em Hyper-reality onde em breves
segundos vemos, quando o sistema trava por uma suposta ameaça de invasão, é
necessário ser reiniciado e podemos ver o supermercado real (as gôndolas e
pessoas) sem a customização das camadas de realidade aumentada.
E principalmente ao
final onde vemos a transcendência (ou fuga) espiritual impossível: a própria
religião cristã tem a sua versão hiper-realizada: o sinal da cruz transforma-se
em gesto para fazer surgir menus e pop-ups com as diversas opções como
“confessar pecados”, “fazer um tour” teológico ou “espelhar a palavra de
Deus”... e claro, tudo powered by Bully!
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