domingo, julho 07, 2019

Super-herói do mal revela amoralidade dos super-heróis da América no filme "Brightburn"

Talvez poucos conheçam a primeira versão do icônico super-herói norte-americano Superman: no começa da década de 1930, ele era um vilão com poderes psíquicos usados para dominar a humanidade. Mais tarde foi repaginado, cujos poderes passaram a ser usados para o “Bem”, e utilizado depois como herói da propaganda política na Segunda Guerra Mundial. O terror/sci-fi “Brightburn – O Filho das Trevas” (“Brightburn”, 2019) vai não só se inspirar nessa antiga versão do Superman como, através da iconografia heroica (com máscara e capa, só que agora vestindo o “Mal”}, jogar com a essência da galeria dos super-heróis dos EUA: a amoralidade, como uma “vontade de potência” que está acima do Bem e do Mal – tudo que é feito com uma boa intenção, não pode ser mau. É apenas o “destino manifesto”. Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.

sexta-feira, julho 05, 2019

Mídia omite suicídio de empresário e ultrapassa fronteira entre jornalismo e propaganda

Telejornais da mídia corporativa simplesmente omitiram ou relegaram à categoria de "fatos diversos" a notícia mais relevante da última quinta-feira. Uma notícia que à opinião pública avaliar o atual estágio de crise social e econômica: diante do ministro de Minas e Energia e do governador do Estado, um empresário se matou com um tiro na boca em Simpósio do setor em Sergipe. Ato extremo diante da insolvência da sua empresa diante das dívidas do fornecimento de gás natural. Com os terremotos semanais da Vaza Jato, a grande mídia cruzou as fronteiras que separam o jornalismo da propaganda – passou a omitir tudo que, ou esteja fora do script da guerra semiótica criptografada (a usina produtora de crises Bolsonaro/Mídia e geradora de notícias dissonantes), ou que contradiga a atual estratégia de enaltecimento moral do empreendedorismo na massa de desempregados e desalentados: a fé de que é possível a força de trabalho se transmutar em capital com “otimismo”, “determinação” e superação”.

quinta-feira, julho 04, 2019

Onde acabam nossos sonhos em "O Homem Que Matou Dom Quixote"


Muitos críticos consideram um filme sem foco, confuso e bagunçado. Mas é uma bela bagunça. Depois de tentar realiza-lo por quase 30 anos em meio a mortes, processos e separações, finalmente Terry Gilliam conseguiu apresentar “O Homem Que Matou Dom Quixote” (2018), a mais autobiográfica produção de Gilliam. Um narcísico diretor de filmes publicitários reencontra com atores de um velho filme de conclusão de curso da faculdade sobre Dom Quixote, no interior da Espanha. Para reviver, entre delírios e realidade, a trajetória do herói de Cervantes com um velho ator que nunca mais saiu do personagem. O filme faz uma grande metáfora do destino dos nossos sonhos e fantasias nas linhas de montagem da Indústria Cultural. E como Terry Gilliam vê-se a si próprio como um Dom Quixote que usa a arte e a imaginação para tentar derrotar monstros e moinhos de vento da indústria do entretenimento.

terça-feira, julho 02, 2019

Como fugir da barbárie sem celulares e tablets em "À Espera dos Bárbaros"


Um grupo de seis pessoas está com medo: souberam através das redes sociais que os bárbaros estão chegando. Eles batem à porta da casa de um casal de magos, pedindo para se esconder do perigo iminente. Mas os magos impõem uma condição: deixar seus celulares e tablets num cesto na entrada, para iniciarem uma viagem iniciática e mística no presente e para o passado. Sem wi-fi e Internet, o grupo sente-se nas trevas – como saberão do avanço dos bárbaros sem Internet? Esse é o filme francês “À Espera dos Bárbaros” (“En Attendant Les Barbares”, 2017), de Eugène Green, uma experiência ao mesmo tempo documental e ficcional sobre nossa condição em um mundo tecnológico: a mídia está para nós assim como o peixe está para a água. Sem nossos dispositivos tecnológicos nos sentimos fora d’água. Mas esta não seria a oportunidade de nos religar com o outro e com a realidade? Filme sugerido pelo nosso leitor Fernando Câmara.

domingo, junho 30, 2019

Curta da Semana: "Dolls Don't Cry" - Somos fantoches em um mundo simulado


Premiado por melhor roteiro no Festival de Animação de Ottawa, o curta-metragem em “stop-motion” canadense “Dolls Don’t Cry” (Toutes Les Poupées Ne Pleurent Pas, 2017) nos apresenta a clássica cosmologia gnóstica ao convergir duas teses: o esotérico fascínio humano por fantoches, bonecos, robôs e autômatos e a hipótese do Universo como uma gigantesca simulação. Desde a antiga Alquimia, passando pelo cinema e animação, até chegarmos aos games de computador o homem simula a criação de mundos. Como se tentasse imitar Deus, simulando vidas. Por que esse fascínio? Será que tentamos nos tornar sencientes dentro de um Universo simulado no qual somos prisioneiros?

quinta-feira, junho 27, 2019

Vaza Jato, "aerococa" e a última cruzada da grande mídia



Tal como os violinistas do Titanic, a grande mídia sabe que terá que tocar a música até o fim – as instituições entraram em acelerado estado deterioração: o “aerococa” da comitiva de Bolsonaro, pego pela polícia espanhola, é apenas um pequeno indício. Diante da audiência com Glenn Greenwald na Câmara (verdadeira aula de jornalismo investigativo que valeu mais do que todos os congressos da Abraji), na qual o jornalista alertou que nenhuma intimidação evitará as publicações do site “Intercept” porque está amparado pela Constituição, a grande mídia sabe que chega rápido ao seu “vanish point” – as máscaras terão que desaparecer e o jornalismo ser rifado. Por isso que, paralelo à bomba relógio que representa a Vaza Jato, a grande imprensa vem se “ajustando” ao que está por vir: a última cruzada – afastamentos, demissões em massa e ameaças nas redações para manter os jornalistas firmes nas rédeas e antolhos.

terça-feira, junho 25, 2019

O Mal e o "pressuposto da privada" no filme "Aterrorizados"



Como todo bom filme de terror não falado em inglês, logo Hollywood se interessa rapidamente em fazer um remake. É o caso da produção argentina “Aterrorizados” (“Aterrados”, 2017) na qual acompanhamos o que poderiam ser espíritos e fenômenos poltergeist infernizando a vida dos vivos. Mas agora, não é uma casa mal-assombrada. É uma rua inteira em uma tranquila rua de classe média de Buenos Aires. E não o mal como aparentemente conhecemos: surge de ralos, canos e fendas de paredes. O filme joga com uma interessante metáfora de uma sociedade que acredita que se eliminar tudo aquilo que é incômodo, ele desaparece. Assim como quando apertamos o botão da descarga do vaso de um banheiro. Mas o reprimido retorna numa espécie de “pressuposto da privada”.

domingo, junho 23, 2019

Filme "I Am Mother" é o "Matrix" do século XXI?

“I Am Mother” (2019) é o “Matrix” do século XXI? Novamente vemos a humanidade se confrontando com sombrias inteligências artificiais. Dessa vez não estamos mais prisioneiros num mundo virtual. Mas agora numa “instalação de repovoamento” subterrânea após a extinção da espécie humana. Milhares de embriões congelados gerenciados pela “Mãe”, um androide com funções de criar, educar e amar os novos humanos que reiniciarão a História. A Mãe cria a primeira “Filha” que aos poucos descobrirá que nada é o que aparentar ser: Por que um androide “Mãe” com um design militarizado análogo a um Robocop? Por que a “Mãe” possui parâmetros morais tão utilitaristas? Por que apenas um embrião foi descongelado entre milhares? Mas a verdade virá lá de fora, do novo “deserto do real”.

sábado, junho 22, 2019

Do thriller ao horror gnóstico no filme "Um Grito na Noite"


Do título em português às sinopses, o filme holandês “Um Grito na Noite” (“Kristen”, 2015) parece mais do mesmo: um claustrofóbico thriller/horror sobre uma frágil mulher que, ao limpar a bagunça da festa de Ano Novo em um café, é ameaçada por telefone por um desconhecido que tenta invadir o estabelecimento para matá-la. Ela tem que descobrir quem está fazendo isso e o porquê? “Um Grito da Noite” parece mais um filme do subgênero “home invasion”. Mas tudo é uma aparência proposital do diretor Mark Weistra, enganando tanto o espectador quanto a protagonista – do horror de um corriqueiro thriller, aos poucos o tom da narrativa deriva para o fantástico e o surreal. O horror metafísico se impõe, com fortes elementos gnósticos: a inconsistência da realidade e um Demiurgo que apenas busca veneração das próprias vítimas.

quinta-feira, junho 20, 2019

Livro "A Morte da Verdade: a culpa é dos russos e pós-modernos

A Internet era um sonho do Vale do Silício, um paraíso inspirado na fé pela natureza humana criado por pioneiros tecnológicos. Então, apareceram “agentes mal-intencionados” que deturparam tudo com o pecado – fake news, pós-verdades, obscurantismo e preconceitos. Na capa do livro que nos conta essa história bíblica vemos uma serpente que se esgueira para fora de um balão de HQ. Essa serpente é Donald Trump e a chamada “direita alternativa”, ajudados por hackers russos. Mas também inspirados nos pensadores pós-modernos como Baudrillard e Derrida que teriam destruído a âncora filosófica da Verdade – a noção de Realidade, fazendo o Paraíso decair no niilismo e relativismo.  A crítica literária norte-americana Michiko Kakutani vai encontrar o pecado original das fake news nos hackers russos e pensadores do pós-modernismo no seu livro “A Morte de Verdade”. Kakutani revela um discurso que transforma não só a teoria das fake news em um novo rótulo do jornalismo corporativo no mercado das notícias. Também é uma forma ideológica de varrer para debaixo do tapete as mazelas da financeirização global, das "machine learnings" e algoritmos do Vale do Silício – a culpa é sempre dos russos e franceses...

terça-feira, junho 18, 2019

Vaza Jato do Intercept desperta o "demasiado humano" nacional


Finalmente o Brasil se moveu. Na falta das ruas ocupadas de forma contundente e com uma oposição confortável no “wishful thinking” do “quanto pior melhor”, foi preciso o jornalista norte-americano Glenn Greenwald, com a retaguarda bilionária do gênio tech franco-americano Pierre Omidyar, para balançar as peças do xadrez político nacional. Por isso, a Vaza Jato parece ter despertado o nietzschiano “demasiado humano” naqueles que foram tirados do torpor: agora tenta-se encaixar aquilo que se vê na opinião que cada um tem de si - ou colocam sob suspeita o mensageiro, ou ansiosamente tentam criar teorias sobre a misteriosa fonte da equipe do Intercept Brasil. E se esquece da principal oportunidade que se abre: o conteúdo do vazamento e a investigação coletiva.
“O indivíduo quer geralmente por meio da opinião dos outros, certificar e fortalecer diante de seus olhos a opinião que tem de si”, escrevia o filósofo alemão Nietzsche na obra de 1878 “Humano, Demasiado Humano”. Texto que não só marcou a sua ruptura com o romantismo de Richard Wagner como também com o pessimismo de Schopenhauer, buscando libertar o espírito da “cupidez insatisfeita”.
Os vazamentos publicados pelo site Intercept Brasil, liderado pelo premiado jornalista Glenn Greenwald, não só revelaram as perigosas relações promíscuas entre Justiça, grande mídia, procuradores e Polícia Federal. Também despertou o “demasiado humano”, a que se referia Nietzsche, quando a bomba explodiu e espalhou estilhaços para todos os lados. 
                  Jornalistas, grande mídia, governo e os, outrora, super-heróis Moro e Dallagnol, todos agora tentam puxar “a brasa para sua sardinha”. Isto é, encaixar o “ruído” que perturbou a paz de cemitério da (a)normalidade nacional dentro das narrativas de cada um. Isto é, transformar o escândalo da Vaza Jato em oportunidade reforçar a opinião que cada um tem de si mesmo. 



Quem é o “Garganta Profunda”?

O curioso é que por todo o espectro político, da direita à esquerda, poucos parecem se deter no conteúdo das conversas vazadas do aplicativo Telegram. A maioria parece querer mesmo especular sobre quem é o “Garganta Profunda”: alguém a mando do STF querendo cortas as asas de Moro e República de Curitiba? Um hacker russo? Guerra híbrida do Deep State norte-americano para justificar um golpe militar no Brasil? Alguém de dentro da PF que por anos veio montando esse dossiê? Ação dos BRICS, coordenada pela Rússia, para evitar que o Brasil se torne um quintal dos EUA?
Como previsto, principalmente para a equipe do Intercept Brasil, Moro e Dallagnol pautam a grande mídia com a narrativa do crime cibernético. Tanto insistiram na criação desse roteiro que esqueceram de um detalhe: essa insistência estava fazendo-os esquecer do conteúdo das conversas comprometedoras.
O silêncio do ex-juiz e do procurador começava a soar como um atestado de autenticidade das informações vazadas. Então o ministro Sérgio Moro, fazendo sua tradicional cara de paisagem com os olhos perdidos no horizonte, passou a falar que “não vislumbrava nenhuma anormalidade” nas conversas vazadas e fugia de perguntas ou entrevistas.
Mais combativo, o procurador Dallagnol divulgou uma nota alarmista denunciando “invasão de celulares” dos procuradores do MPF. Uma “afronta grave e ilícita contra o Estado”, que a Polícia Federal já estaria monitorando há um mês – o que lembrou o clássico script dos atentados na Europa: sempre a polícia afirmava que “monitorava os suspeitos” há meses. O que não impedia dos supostos terroristas do ISIS explodir suas bombas, atropelar pedestres e largar (providencialmente!) qualquer documento de identificação nas proximidades dos incidentes.
                   Mas, se há uma afronta assim tão grave ao Estado, porque as vítimas Dallagnol e Moro não entregam seus celulares para que a Polícia Federal faça a perícia necessária?



Isso levou-os a mais uma contradição nas tentativas desajeitadas de dar algum tipo de resposta rápida à Greenwald e sua equipe. Sem uma narrativa verossímil, Moro ameaçou partir para as vias de fato: em entrevista publicada na última sexta-feira pelo Estadão, Sérgio Moro sugeriu que o Intercept Brasil estaria na mira da Polícia Federal. 
Em sua tradicional tergiversação em "juridiquês" (sempre tentando encontrar algum álibi para a ação política), Moro falou em “crime em andamento”, muito além do que uma “invasão pretérita” – Moro recorreria ao “estado em flagrante delito” e abriria o menu tão conhecido da Lava Jato: diligências, busca e apreensão, condução coercitiva e prisão preventiva.
O próprio pivô da Vaza Jato mandando prender o mensageiro dos vazamentos? Isso pegaria muito mal... mas, convenhamos, todos esses anos da Lava Jato e as condições que levaram o atual Governo ao Poder provam que o País já atravessou há muito o rubicão...

A aposta da Globo

E a Globo está pagando para ver. Mas não sua tensa equipe de colunistas e analistas, que teme ser sugada pelo rodamoinho dos vazamentos que comprovem as notórias relações promíscuas com fontes judiciárias e policiais. Sob as rédeas do jornalismo de ponto eletrônico, estão sendo obrigados a embarcar numa missão que pode definitivamente acabar com suas credibilidades.
                  Greenwald já havia feito uma parceria com a Globo na divulgação do material das informações vazadas por Edward Snowden. Em 2013 era interessante para a emissora bombar aqueles vazamentos em pleno JN: denunciar que a presidenta Dilma e Petrobrás eram as principais vítimas de espionagem eletrônica da NSA. Para a Globo, mais um ingrediente para acirrar o então clima de desestabilização política – mostrar a tibieza de um governo em descontrole.



Mas agora não. Simplesmente porque a principal arma para a desestabilização política, cuja etapa mais contundente começava naquele ano, era a Lava Jato. Depois de tantos anos, a Globo não pode dar uma guinada de 180 graus na narrativa do combate à corrupção.
Mesmo ao custo de (para criar a percepção popular da ilegalidade da Vaza Jato) inventar o bizarro personagem do senhor Hacker que faria parte de um amplo ataque contra políticos e o próprio Estado. Em rede nacional, com direito a uma caprichada arte, o JN nos apresentou um educado hacker conversando com o hackeado (!), o procurador José Rovalim Cavalcante... um hacker educado, com português corretíssimo, sem ideologias, apartidário e ressaltando o bem que fez ao País a Lava Jato...
                   Além disso, narrativa do crime cibernético se encaixa perfeitamente à natureza tautista da Globo: ameaçada pelas tecnologias e mídias de convergência (ao lado do rentismo, seu ganha-pão ainda é a TV aberta – vender espaço publicitário em troca de entretenimento), costumeiramente em seus telejornais a pauta que envolve Internet e celulares sempre foi negativa: para a emissora, Internet, redes sociais e celulares são sinônimos de crime, vício, piratas e pedófilos.
                    É uma aposta alta. Não só poderá ficar mais uma vez para trás na História (como foi no episódio das Diretas Já nos anos 1980), como também poderá implicar no sacrifício de seus profissionais, pegos com a boca na botija pelos vazamentos do “Senhor Garganta Profunda”. E repetir o episódio da punição ao repórter esportivo Mauro Naves – responsabilizar incautos jornalistas individualmente por falha ética, por um modus operandi que é do próprio jornalismo global – clique aqui.


O bilionário Pierre Omidyar: instrumento de guerra híbrida?

Quinta coluna

E na outra ponta, mais à esquerda do espectro político, também o demasiado humano se revela: blogs “quinta coluna” criam uma outra narrativa – a de que Glenn Greenwald é mais instrumento de guerra híbrida do Deep State norte-americano. Uma partitura “made in CIA” para fazer a esquerda entrar no coral diversionista e criar um novo “incêndio do Reichstag” que criaria o álibi para o definitivo golpe militar brasileiro.
Afinal, “hackers russos” estariam por trás de tudo, disparando os alarmes das casernas. Para os EUA, pouco importaria o cenário interno da política brasileira. O mais importante é o xadrez geopolítico mundial de combate à China...
Greenwald seria suspeito. Afinal, por trás do Intercept, está o bilionário franco-americano Pierre Omidyar, fundador do eBay e do grupo de mídia progressista First Look. Cujo principal veículo é o portal de notícias Intercept. Considerado a “menina dos olhos” do bilionário gênio tecnolológico. Recluso e pouco dado a entrevistas, Omidyar fez um aporte de 250 milhões de dólares no portal em 2013 com o objetivo de fazer, segundo ele, um jornalismo “mais independente” do que o da concorrência.  
                  Mas o fato é que Greenwald com o seu “Garganta Profunda” fizeram, finalmente, o Brasil se mover.



Na falta das ruas ocupadas com manifestações contundentes (ou, como fala o jornalista Mino Carta, “sangue escorrendo pelas calçadas”) que criassem o transe de um país ingovernável (semelhante ao ataque mortal que a guerra híbrida desferiu contra o governo Dilma), e com uma oposição que mais parece apostar no quanto pior melhor e na confortável "Síndrome de Brian" (clique aqui), foi necessário um jornalista norte-americano para por em movimento o xadrez político nacional.
Essa foi a questão que despertou o “demasiado humano” dos personagens que outrora pareciam confortavelmente paralisados. Por todos os lados, ou colocam sob suspeita o mensageiro, ou ansiosamente tentam criar teorias sobre a misteriosa fonte da equipe do Intercept.
Cada um tenta se realinhar, procurando encaixar a Vaza Jato na própria narrativa pessoal. Em termos nietzschianos, certificar-se de que o que tem diante de si possa reforçar a opinião que cada um tem de si mesmo.
Enquanto o mais importante é esquecido: a investigação coletiva – cruzar cada dado dos vazamentos com os fatos e contextos dos últimos anos.

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sábado, junho 15, 2019

Um ensaio poético sobre a morte e perdas em "Onirica"


“Onirica” (2014), do diretor e poeta polonês Lech Majewski, é uma produção que entra na categoria de “filme estranho”: com densas linhas de diálogo filosóficas, inspirado na “Divina Comédia” de Dante Aligheri e uma narrativa surreal e enigmática, acompanhamos a história de Adam – ele perdeu em um acidente de carro aqueles que mais amava e agora se encontra perdido entre a realidade e os sonhos com fortes simbologias sobre Deus, pecado e redenção. Sem encontrar na religião uma explicação para a impotência humana diante da perda e da morte, Adam encontrará na filosofia de Heidegger e Sêneca a redenção que o levará do Purgatório ao Paraíso.

sexta-feira, junho 14, 2019

A fina casca que protege a civilização no filme "Climax"


Mais um filme para cinéfilos aventureiros e destemidos. Os filmes do diretor argentino Gaspar Noé são disruptivos: ou você ama ou odeia. Tal como “Irreversível” ou “Enter The Void”, o filme “Climax” (2018) nos apresenta um verdadeiro assalto à nossa percepção através de imagens alucinatórias, música techno implacável, pesada, e movimentos de câmera vertiginosos, tomando nossos sentidos e embaralhando o cérebro. Confronta-nos com uma experiência imersiva na qual acompanhamos uma trupe de dança após audição preparatória para uma turnê na América. Depois, todos comemoram com uma festa na qual, repentinamente, as coisas começam fugir do controle. E de maneiras cada vez mais perturbadoras - prazer e morte se confundirão, transformando o jogo artístico, de instrumento civilizatório, em bomba de autodestruição. Gaspar Noé quer nos mostrar que apenas uma fina casca protege a civilização de si mesma.

terça-feira, junho 11, 2019

Esperando Glenn Greenwald: um réquiem para o jornalismo brasileiro



O terremoto provocado pelo vazamento de conversas comprometedoras entre o então juiz Sérgio Moro e autoridades da Lava Jato e Polícia Federal está cercado de ironias. O site “Intercept Brasil”, do premiado jornalista Glenn Greenwald, revelou relações promíscuas de Moro ironicamente dias depois do caso do jornalista esportivo Mauro Naves no caso Neymar, outro caso de relações perigosas. Mas Greenwald não revelou apenas a parcialidade da Justiça. Expôs internacionalmente o provincianismo e paralisia do jornalismo brasileiro – foi necessário um “gringo” para abalar a paz de cemitério mantida por jornalistas sabujos com rédeas e antolhos mantidos pelas “famiglias” de proprietários midiáticos. Agora, Greenwald tornou-se o “Senhor do Tempo”, com os prometidos vazamentos em conta-gotas, trazendo pânico para empresários, políticos e, porque não, para os promíscuos jornalistas que se lambuzaram por anos com os vazamentos das fontes na Justiça e Polícia Federal.

domingo, junho 09, 2019

O guia do mochileiro do após morte no filme "Bardo Blues"


Inspirado no "Livro Tibetano dos Mortos" (uma espécie de guia do mochileiro pós-morte na sua jornada de elevação da consciência espiritual), o filme “Bardo Blues” narra as desventuras de um protagonista no momento decisivo da quebra das ilusões dos padrões cármicos no qual o conteúdo da mente é projetado, tornando-se visível como um sonho. Um mochileiro vaga pelas ruas de uma cidade na Tailândia fugindo do passado e em busca da sua mãe que inexplicavelmente o abandonou na infância. “Bardo Blues” narra o despertar espiritual de alguém que busca consolo e entendimento na cultura Oriental. Porém, tudo que encontrará serão rupturas traumáticas que questionarão quem ele na verdade é, de onde veio e para onde está indo. Filme sugerido pelo nosso leitor Alexandre Von Keuken. 

sábado, junho 08, 2019

Repórter é punido pelo tautismo da Globo (e também um conto de autodestruição)


O veterano repórter esportivo Mauro Naves foi imolado de forma exemplar, em rede nacional, pela “carta aberta para a imprensa” lida por William Bonner no JN, que anunciou o afastamento do repórter. Naves teria “contrariado a expectativa da empresa com a conduta dos jornalistas”. O problema é que uma outra “carta aberta”, dessa vez dos ex-advogados da modelo Najila (revelando a intermediação do jornalista entre o pai de Neymar e os advogados), alarmou a diretoria da Globo. Não porque contrariou uma suposta expectativa ética da empresa. Na verdade, episódio revelou ao público o “modus operandi” tautista (tautologia + autismo midiático) da emissora. A Globo vive uma “promiscuidade estrutural”. O caso de Mauro Naves não foi desvio de conduta individual. É decorrência do próprio sistema de comunicação tautista da Globo. Devido a hipertrofia e obesidade sistêmica, todos os acontecimentos devem ser moldados à sua auto-descrição interna. E também nessa postagem, um “conto de autodestruição”, como bônus...

domingo, junho 02, 2019

Na manhã da Globo, favela e previsão do tempo viram "matérias inspiradoras" pelas reformas


Todas as manhãs, os diversos “Bom Dia” (SP, Rio, Minas etc.) do telejornalismo local da Rede Globo desempenham uma função semiótica bem distinta dos telejornais de rede (JN, Hoje etc.) e da TV fechada. Nos telejornais de rede e GloboNews há uma repetição hipodérmica da expressão “Reforma da Previdência” (em torno de 20 a 30 vezes por hora) e más notícias econômicas como chantagem a uma categoria especial de telespectadores: os líderes de opinião. Enquanto nos telejornais locais a estratégia semiótica é outra: exibir “reportagens inspiradoras” e “boas notícias” para elevar a moral da patuleia desempregada, desalentada ou subempregada – “uberizada”. Diferente dos líderes de opinião, a massa dispersa e desatenta precisa ser motivada para elevar o moral no começo do dia.  Nesse esforço motivacional nada escapa. Nem a previsão do tempo ou o evento esportivo da “Taça das Favelas”.

sábado, junho 01, 2019

Estrelas do futebol são espelhos da uma sociedade que se auto-destrói em "Diamantino"


Qual a relação entre um jogador que emula o craque Cristiano Ronaldo, cientistas genéticos loucos e um movimento de extrema direita que pretende cercar o país com um muro? Portugal é um dos países que mais recebem refugiados na Europa (sejam africanos e brasileiros), com uma seleção que, apesar de contar com uma das maiores estrelas do futebol mundial, não consegue ganhar nenhum título. Esse é o explosivo mix da coprodução luso-franco-brasileira “Diamantino” (2018) sobre um craque que vive numa bolha de dinheiro e fama. Completamente alienado mas, ao mesmo tempo, sentindo-se culpado por ser milionário em um mundo injusto, Diamantino decide adotar um “refugiadinho”. Mas ele não sabe que virou a estrela de uma campanha xenófoba e nacionalista, o “Brexit” português. Tudo num tom de conto fantástico – alguma coisa entre um thriller policial, ficção científica e um estranho senso de humor. “Diamantino” mostra que podemos até odiar as estrelas alienadas do futebol. Mas elas não passam de espelhos de uma sociedade igualmente alienada que é capaz de se voltar contra si mesma.

segunda-feira, maio 27, 2019

Parques de diversões, espelhos e a morte no filme "Nós"

O filme “Nós” (Us, 2019) de Jordan Peele (“Corra!”) é um complexo de mitologias (milenares e modernas) e crítica social. Para começar, o diretor pediu aos atores assistirem a dez filmes (entre eles “O Iluminado”, “Deixe Ela Entrar” e “Além da Imaginação”) para compreenderem o argumento da produção e a verdadeira avalanche de alusões fílmicas. Crítica social se mistura com um complexo mitológico: do simbolismo demiúrgico dos parques de diversões ao medo milenar pelos duplos e espelhos. Cada imagem em “Nós” é uma pista para tentarmos entender por que duplicatas assassinas de uma família põem em perigo a vida dos seus “originais”. Peele sugere visões múltiplas, num misto da distopia de George Orwell, o ocultismo de Lewis Carroll e a crítica social de James Baldwin.

sábado, maio 25, 2019

Com Trump e Bolsonaro, o video game molda a política


Depois de Trump e Bolsonaro a política nunca mais será a mesma: são duas figuras que despontaram na superfície de um movimento mais profundo que vem intrigando pesquisadores que estudam as transformações da política através da tecnologia: como na nossa sociedade os elementos lúdicos vem invadindo diversas esferas com a proliferação dos jogos, principalmente os eletrônicos. O cinismo e desilusão com a democracia representativa combinados com elementos inerentemente lúdicos das tecnologias digitais, plataformas e aplicativos estariam gerando uma “gamecracia”, “casual política” ou simplesmente uma “neodemocracia”. Assim como nos games, a política estaria sendo moldada por uma irresponsabilidade lúdica, como se tudo fosse apenas um jogo eletrônico no qual as consequências do erro são minimizadas para dar fluência à partida. Afinal, num videogame temos muitas vidas para perder. E até aqui, no espectro político, a direita é aquela que está mais antenada nessas transformações. 

domingo, maio 19, 2019

Black blocs, Chomsky e o não-acontecimento do "manifesto do apocalipse" de Bolsonaro


Cadê os black blocs? De 2013 a 2016, em toda manifestação de rua, lá estavam eles fazendo poses épicas para câmera e cinegrafistas em meio a chamas e destruição, enquanto eram incensados por alguns pesquisadores e artistas como “linda anarquia” antiglobalização. Por que desapareceram? Onde estavam nas grandes manifestações de rua, no dia 15, por todo o País contra os cortes na educação? Talvez suas ausências tenham uma relação direta com o atual governo que ocupa Brasília, embora o “manifesto do apocalipse” compartilhado por Bolsonaro nas redes sociais aponte para um governo vítima dos “interesses corporativos”. Ironicamente, um “manifesto” escrito por um espécime do mercado financeiro com seus interesses bem corporativos – um “não-acontecimento”.  Sem black blocs, Bolsonaro responde às ruas através de um manifesto semioticamente criptografado para elevar o moral das milícias virtuais e reais. Numa estratégia de manter-se sempre no centro das atenções, seja como herói ou “boi de piranha”. Um discurso monofásico e repetitivo, como apontou o linguista Noam Chomsky em relação à estratégia midiática de Donald Trump, emulada por Bolsonaro.

sábado, maio 18, 2019

Cegos e surdos esquecemos daquilo que buscamos na vida em "A Grande Beleza"


Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2014, muitos críticos consideram "A Grande Beleza" (2013), de Paolo Sorrentino, quase uma refilmagem de “A Doce Vida”, filme de Fellini de 1960. Roma, a “Cidade Eterna”, vista pelos olhos de Jep Ganbardella, um escritor de apenas um livro que vive no centro de uma vida mundana de festas e exposições de artistas, intelectuais, jornalistas e editores de revistas culturais. Cínico, zomba de todos, mas principalmente de si mesmo pelo vazio, desilusão e niilismo. Todos parecem zumbis, vagando em festas barulhentas e ensurdecedoras atrás da “grande beleza” esquecida, lá atrás na juventude. Cegos e surdos pelas distrações que criamos, esquecemos daquilo que passamos uma vida inteira procurando. No clássico filme “Cidadão Kane” era o “Rosebud”. E o que Jep Gambardella procura em “A Grande Beleza”? 

domingo, maio 12, 2019

Tino conspiratório da guerra semiótica de Bolsonaro é lição para a esquerda


A esquerda sempre foi kantiana. Enquanto historicamente a extrema-direita teve um, por assim dizer, "tino conspiratório". Se a esquerda sempre foi regida por um kantiano imperativo categórico da racionalidade universal da Razão, do Direito e da Ética, ao contrário, a extrema-direita é movida pela urgência de enfrentar conspirações, desde a propagandística queima pública dos livros pelos nazistas em 1933. É o élan que sempre faltou para a esquerda. Mais preocupada em ser levada a sério pela elite pensante e ser aceita na Casa Grande, a esquerda sempre rechaçou as teorias conspiratórias como paranoia irracional. Bem diferente (como demonstra o início do governo Bolsonaro), a extrema-direita pula imediatamente na jugular da Educação, Ciência e Conhecimento para enfrentar as conspirações dos “marxistas culturais”, “globalistas” e até de “banqueiros comunistas” (?!?!). É a guerra semiótica criptografada incompreensível para a esquerda, que tenta liquidar rapidamente o problema estereotipando o clã Bolsonaro como “napoleões de hospício”.

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