sexta-feira, agosto 06, 2021

Globo detona bomba semiótica de canastrice política com série 'Ilha de Ferro'


Uma das principais armas na guerra semiótica que levou aos bem-sucedidos impeachment e o golpe militar híbrido (que ninguém viu) foi a “canastrice semiótica”: legitimar a agenda política através da ficção (novelas, minisséries e filmes) por meio da hiper-realidade: quanto mais os fatos políticos se pareçam com a ficção, paradoxalmente ficam mais verossímeis e aceitos pela opinião pública. Com produções como “O Brado Retumbante” e “Questão de Família”, a Globo cumpriu esse papel. E agora, com timing e sincronia com o cenário da agenda de privatização fatiada da Petrobrás, a Globo lança a série “Ilha de Ferro” na TV aberta como exemplar bomba semiótica. O mesmo “modus operandi”: ambientada numa plataforma de petróleo da “Companhia Nacional de Petróleo” reforça todos os estereótipos que justificariam a lendária ineficiência das estatais. Momento crucial em que a grande mídia tenta levantar o baixo astral da patuleia desalentada com medalhas nos Jogos Olímpicos e a campanha da Fundação Roberto Marinho: “Não Desista do Seu Futuro”.

No trepidante livro desse humilde blogueiro “Bombas Semióticas na Guerra Híbrida Brasileira (2013-2016): Por que aquilo deu nisso?” (clique aqui) é mostrado que uma das principais etapas no front das guerra semióticas que culminaram no impeachment de 2016 foi o investimento na teledramaturgia, em particular na TV Globo: séries como Felizes para Sempre (cujos capítulos se sincronizavam com as ações da Lava Jato), O Brado Retumbante (de cunho político cujo protagonista era a cara do Aécio Neves) ou Questão de Família (no qual o protagonista era um juiz justiceiro, alinhado ao imaginário do juiz Sérgio Moro – investiga, julga e pune) foram alguns exemplos.

A agenda política (Lava Jato, manifestações de rua e impeachment) foi legitimada através da ficção – glamourização de policiais federais, heróis justiceiros, numa sincronização perfeita da realidade com a ficção: o constante vazamentos das operações policiais pelo Judiciário permitiram a antecipação e planejamento e sincronização de episódios de novelas e minisséries.

Nesse trabalho de agenda setting, as notícias só passam a ter relevância para a opinião pública na medida em que são ficcionalizados. É o vetor da canastrice na política: o real só é legitimado porque, aparentemente, aproxima-se das imagens ficcionais.

Pois bem, tudo indica que a Globo mais uma vez volta para esse tipo de estratégia de canastrice semiótica. Mas dessa vez, não dentro de uma orquestração mais ampla como foi a guerra híbrida de 2013 a 2016. Dessa vez não é mais necessário, porque a PsyOp militar está dando completamente conta no seu objetivo de domínio total de espectro por meio da guerra criptografada – a gestão caótica das informações com três finalidades bem definidas:

(a) apagar os rastros do golpe militar híbrido consumado em 2018 com a vitória eleitoral de Bolsonaro; 

(b) simular a possibilidade de um golpe militar old fashion, criando a imagem de um Bolsonaro isolado, acuado e ameaçando a “democracia”;

(c) aprisionar esquerda e oposição na guerra cultural (a batalha contra o “negacionismo”, p. ex.), tirando de foco as discussões de economia política e agenda neoliberal de reformas e privatizações. 


O timing de “Ilha de Ferro”

Lançada inicialmente para os assinantes da plataforma Globo Play, a série Ilha de Ferro (2018-2019) agora terá os dez episódios da primeira temporada exibidos na TV aberta a partir de 9/08. Curiosamente, estava programado a reapresentação de outra novela: Verdades Secretas (2015) como um “esquenta” para a apresentação de Verdades Secreta 2, ainda em produção.

A reprogramação tem um interessante timing: é apresentada em TV aberta (ou seja, para um público bem mais amplo) no instante em que a privatização da Petrobrás, por meio do fatiamento, corre solta: venda da Refinaria Landulpho Alves (Rlam) para grupo financeiro dos Emirados Árabes; venda da totalidade da participação da Petrobrás no campo de produção de petróleo Papa-Terra para a empresa 3R Petroleum Offshore S.A.; venda da Gaspetro para uma joint venture da Shell, a Cosan, para ficar em alguns exemplos.




A série Ilha de Ferro é ambientada na plataforma de extração de petróleo “PLT-137, fundeada na Bacia de Santos e “recordista em acidentes de trabalho”. Acompanha dramas pessoais, relacionamentos amorosos e algumas linhas de diálogo afirmando que “o petróleo é nosso” perdidas no meio da depreciação da “Companhia Nacional de Petróleo” (a Petrobrás: “Todo mundo sabe que a empresa em que tu trabalha tá falindo!”) 

Ou “O capital não tem mais fronteira. O petróleo não é mais nosso”. O dirigente sindical da “Petrosind” até protesta contra o “entreguismo”, para mais tarde admitir que isso “é coisa do passado”.

Além disso, em muito momentos a plataforma é retratada como uma espécie de parque de diversões: churrasco, drogas, piscina e muito, muito sexo. “Isso é uma plataforma, e não um cruzeiro romântico”, reclama a certa altura um petroleiro mais “consciente”, reforçando os estereótipos da lendária ineficiência intrínseca de uma empresa estatal. Estereótipo que é a base do discurso do “Estado Mínimo”.

É claro que tudo isso é o pano de fundo (o horizonte subliminar de eventos), para em primeiro plano acompanharmos o galã Dante (Cauã Reymond) que sonha ser o diretor da plataforma. Mas descobre que na verdade o cargo será de Julia (Maria Casadevall), criando uma rivalidade que, previsivelmente, vai se transformar numa paixão entre tapas e beijos. A vida de Dante em terra é um inferno (desculpe o trocadilho...): sua esposa Leona (Sophie Charlotte) é viciada, enquanto o seu irmão Bruno (Kleber Toledo) é um bandido, apaixonado por sua esposa Leona. 




Enquanto todos os outros empregados da plataforma são totalmente disfuncionais, perturbados ou limítrofes. Paixões avassaladoras, pessimismo, gente extremamente infeliz. A vida de todos é horrível, o trabalho é horrível, executado de forma descuidada e inverossímil – nenhum respeito a normas de segurança e procedimentos totalmente estapafúrdios no ambiente de uma plataforma marítima.

O mesmo senso de oportunidade que a exibição da primeira temporada na TV aberta está tendo nesse momento, também teve no seu lançamento em 2018 na plataforma de streaming da Globo: a posse do “Chicago boy” Roberto Castello Branco na presidência da Petrobrás, a declaração de Bolsonaro que a Petrobrás seria privatizada “em partes”, enquanto o Exército fazia um “treinamento de garantia da lei e da ordem na RLAM, agora vendida.

O curioso é que enquanto nos telejornais e no jornalismo da grande mídia a política econômica desaparece ou perde espaço para o telecatch de Bolsonaro com o Judiciário e Legislativo ameaçando não ter eleições e botando a Polícia Federal para investigar a CPI da Pandemia (até a Miriam Leitão parece ter esquecido o “expertise”, Economia, para só comentar sobre crise política e meio ambiente), numa série ficcional como Ilha de Ferro a política de privatizações vira pano de fundo para a trama.

Embora ocultada pela guerra criptografada sob as rubricas diárias de “urgente” e “breaking News” na mídia corporativa, em breve a implementação da agenda neoliberal mandará a conta. Inflação, o preço proibitivo do bujão de gás, gasolina com preços nas alturas e energia cara dando lucro para as concessionárias mesmo com represas vazias, é apenas o começo.

Por isso, o papel fundamental da canastrice semiótica da ficção é legitimar os acontecimentos reais, paradoxalmente quanto mais pareçam ficcionais. 

A canastrice invade o ciclo ou loop Observação-Orientação-Decisão-Ação (OODA) dos indivíduos, gerando confusão e desordem, impedindo que se crie uma imagem da verdadeira ameaça. Dessa forma, as decisões e ações são tomadas a partir da tradição cultural e experiências anteriores – e nisso, a mistura ficção e realidade (hiper-realidade) tem um papel decisivo - leia KORYBKO, Andrew, Guerras Híbridas: das revoluções coloridas ao golpe, Expressão Popular, 2018,

Simplesmente o indivíduo não conseguirá ligar lé-com-cré (p.ex., aumento da gasolina com política de preços que favorece a privatização ou amento das tarifas de energia com o aumento do lucro de empresas, mesmo com represas vazias), passando a agir contra seu próprio interesse: defender uma agenda neoliberal para impedir “o progressismo que destrói valores”, por exemplo.




Em síntese, a série Ilha de Ferro é mais um exemplar de bomba semiótica: a ativação do imaginário (o ressentimento dos desempregados e desalentados mobilizado contra os “privilegiados” e “ineficientes” funcionários das estatais) para turbinar o simbólico (a narrativa da grande mídia).

O caro leitor pode ter certeza: se a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (Correios), em vias de privatização, tivesse o mesmo peso geopolítico e de soberania nacional que a Petrobrás tem, certamente a Globo produziria uma série chamada “Agência Postal do Medo” ou "Sedex Assassino"... ou algo do gênero. 

*******

Enquanto isso, continua a luta hercúlea da grande mídia em combater o baixo astral que se abate sobre o País com tantas “más notícias” (agora, os telejornais fazem a distinção “boa” e “má notícia”) e, como vimos até aqui, encobrir as conexões das “más notícias” com a política econômica neoliberal.

Aproveitando o “colosso” olímpico das medalhas brasileiras nos Jogos Olímpicos de Tóquio, a Globo retorna com a campanha “Não Desista do Seu Futuro” pelo incentivo à aprendizagem e contra a evasão escolar. Com música, para alegrar a patuleia desalentada, interpretada por Carlinhos Brown e Lexa e promovida pela Fundação Roberto Marinho.

A terceira fase da campanha tem a música “Tamo junto, não desista”. O release da campanha fala que devido a “complexidade” da pandemia sobe a evasão escolar – e ainda podemos acrescentar, além do baixo número de inscritos no Enem. Outro indício do desalento.

Esse é o discurso midiático para colocar entre parêntesis as reformas e privatizações, jogando a culpa na conta das “complexidades” da pandemia e transformando as palavras “crise” e “problemas” em “desafios”.

E mais: para salvar a pedra de toque do empreendedorismo (o conto de fadas que legitima toda a agenda econômica), o termo desapareceu nas “más” notícias dos últimos tempos nos telejornais – foram substituídos por “autônomos” e “trabalhadores por conta própria” que perderam renda e, muitos, pararam nas ruas como sem-teto.

Quem imaginaria que o movimento “Vem Pra Rua”, do Rogério Chequer, realizaria ao pé-da-letra seu propósito... 


Ficha Técnica 

Título: Ilha de Ferro (série)

Diretor: Rafael Miranda, Afonso Poyart, Roberta Richard

Roteiro: Adriana Lunardi, Max Mallmann, David Rauh

Elenco: Cauã Reymond, Maria Casadevall, Rômulo Estrela

Produção: Rede Globo de Televisão

Distribuição:  Rede Globo de Televisão

Ano: 2018-2019

País: Brasil

 

Postagens Relacionadas


“Que Horas Ela Volta” exibe luta de classes padrão exportação da Globo Filmes



Globo News dá “pérolas coxinhas” para desempregados



Sociedade de consumo e o ovo da serpente do PT



A canastrice como fator subliminar na política


Tecnologia do Blogger.

 
Design by Free WordPress Themes | Bloggerized by Lasantha - Premium Blogger Themes | Bluehost Review