Nessa noite o filme “Ainda Estou Aqui” disputa três estatuetas do Oscar: Melhor Filme, Atriz e Filme Internacional. Que este humilde blogueiro consegue lembrar, nenhuma indicação brasileira ao Oscar nos anos 1990 como “O Quatrilho”, (1996) “O Que é Isso Companheiro” (1998) e “Central do Brasil” (1999) mereceu tal comoção típica de uma final de copa do mundo – pelo contrário, eram vistos até com ceticismo. Por quê? Quase como marketing involuntário ao filme, um homem foi preso por tentar invadir STF; polícia achou bomba com suspeito. De repente, o filme criou uma unanimidade: a agenda da urgente necessidade de defender a Democracia. Enquanto a esquerda terceiriza a defesa no Judiciário, a grande mídia bomba a inflação dos alimentos: ninguém come Democracia! E a pesquisa Quaest divulga que a aprovação do Governo Lula desce a ladeira. “Ainda Estou Aqui” se aproveita do zeitgeist pós-8/1, aumentando a paranoia do golpismo. Resultando num governo perdido entre duas agendas: a macro (Democracia, direitos humanos etc.) e micro (carestia, políticas de distribuição etc.). Quaest e “Ainda Estou Aqui” são uma infernal dobradinha psyOp.
Não preciso lembrar que o dia de hoje (domingo de carnaval, 02/02) está sendo encarado, por todos os lados, como uma final de Copa do Mundo – o filme Ainda Estou Aqui disputa três categorias Oscar: Melhor Filme, Atriz e Filme Internacional.
Apesar do tema espinhoso sobre violência política (prisão, tortura e desaparecimento do ex-deputado federal Rubens Paiva na ditadura militar em 1971), conseguiu criar uma unanimidade (como veremos voluntária e involuntária) dentro do espectro político:
(a) Para a Globo (“revolucionária” de primeira hora ao participar da gestão da derrubada do presidente Goulart em 1964 desde o início), a chance de se reinventar com a Globo Filmes e conquistar espaço comercial no mercado internacional de cinema e audiovisual. Isto é, ir além do modelo mercadologicamente ultrapassado da TV aberta.
(b) Para a direita-centrão, o filme é um documento sobre algo que não queremos que retorne. Não porque seja ideologicamente contra militares dando golpes de Estado. Mas porque descobriram algo melhor: as relações perigosas entre extrema-direita e Big Techs – golpes sem a sujeira e estardalhaço da presença dos milicos.
(c) A Extrema-direita entra involuntariamente nessa unanimidade. Para ela, Ainda Estou Aqui é a confirmação da paixão esquerdista da “Globo lixo”. O que acaba dando à Globo o álibi necessário da “luta pela Democracia” – aos olhos progressistas, de repente a Globo virou um aliado contra a extrema direta.
(d) E para a Esquerda, o filme seria uma advertência sincera não só de que aqueles tempos podem voltar, como também a necessária agenda urgente da Esquerda de defender as instituições democráticas. Em constantes ameaças vindas da extrema direita.
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Ao lado dessa unanimidade, tivemos um evento tão sincrônico que, alguém mais cínico, diria que foi uma ação de marketing para promover o filme:
Homem é preso por tentar invadir STF; polícia achou bomba com suspeito - O suspeito pulou a cerca do tribunal e tentou entrar no prédio na última quarta-feira. O homem, que não teve o nome revelado, "proferiu diversas ameaças, ofensas e hostilizações a ministros do Supremo", segundo a Polícia Civil do DF. O homem foi preso dois dias depois da invasão. Ele foi encontrado ontem em sua casa em Samambaia, na região metropolitana de Brasília, após a investigação apontar que ele "planejava ações extremistas” – UOL, 01/05/2025 – clique aqui.
Às vésperas da noite do Oscar, eventos como esse comprovariam a atualidade e urgência de Ainda Estou Aqui – aqui em 2025, como lá em 1971, a Democracia é uma instituição em perigo que ainda precisaria ser defendida.
Logicamente isso jamais vai sensibilizar o colegiado em Los Angeles que aponta as produções premiadas. Mas vai reforçar a PsyOp brasileira interna daquilo que conceituamos como “pedagogia do medo” – paralisar estrategicamente a Esquerda mediante a paranoia de um suposto golpe de Estado que pode vir de algum lugar. Resultando na alteração da práxis política: o ativismo político dando lugar à terceirização através da judicialização... Somente Xandão e o STF poderão nos salvar das aventuras golpistas.
Sem uma filosofia da práxis, a Esquerda docilmente cai nas chantagens do Centrão e do “parlamentarismo orçamentário”.
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A questão é que Ainda Estou Aqui se promove como um alerta de como, se ficarmos desatentos, tempos de violência ditatorial podem voltar O problema é que nunca se foram - nas favelas e periferias, o drama da família Paiva continua exponencialmente. Não é algo que “pode voltar”. A continuação híbrida da ditadura militar elegeu um novo inimigo interno, não mais os “comunistas” das classes médias: agora são os pobres, negros e periféricos que tomam bala, bomba e porrada.
Pesquisa Quaest e Ainda Estou Aqui
Não é por menos que acendeu a luz vermelha no Governo após a última pesquisa Quaest dando conta de que a desaprovação a Lula ultrapassa 60% em SP, RJ e MG; além aprovação cair mais de 15 pontos na BA e em PE, tradicionais redutos eleitorais do PT.
Não é mera coincidência, de um lado, o hype em torno do Ainda Estou Aqui; e, do outro, a queda da aprovação de Lula nas pesquisas – ambos os temas, lado a lado, repercutidos com toda pompa e circunstância pelo jornalismo corporativo.
É inegável que o filme brasileiro reforçou a percepção da ameaça à Democracia num contexto pós-8/1.
Ardilosamente, a pedagogia do medo levou Lula e o PT a se concentrarem em temas, por assim dizer, macro: a defesa da Democracia, a campanha pela punição dos golpistas do 8/1, o crescimento dos índices macros econômicos como o PIB e a queda do desemprego – o que confirmaria a tese de que a Democracia faz bem à economia.
Mas a grande mídia sabe que tudo isso é etéreo para a maioria silenciosa – aquele espectro amplo da população alheio às polarizações e atento apenas com as contas no final do mês: ninguém come “democracia”, e toda relação causa-efeito entre democracia e economia cai por terra com o novo hype: a inflação dos alimentos – crise potencialmente autorrealizável ao sabor do escândalo midiático que molda expectativas, misturando sazonalidade com estrutural.
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Que este humilde blogueiro consegue lembrar, nenhuma indicação brasileira ao Oscar nos anos 1990 como O Quatrilho, (1996) O Que é Isso Companheiro (1998) e Central do Brasil (1999) mereceu tal comoção típica de uma final de copa do mundo – pelo contrário, eram vistos até com ceticismo.
Mas Ainda Estou Aqui surge num momento bem especial.
Para além das suas ironias inerentes que revelam como a luta de classes brasileira é cordial: diretor Walter é um dos herdeiros da família Moreira Salles, dona do Itaú-Unibanco, o maior banco do país, com os maiores lucros proporcionais do planeta, cuja fortuna veio da escravidão e da reforma bancária da ditadura militar.
Além do filme buscar o reconhecimento no braço ideológico do Império, Hollywood – cujas produções fílmicas e audiovisuais serviram de cimento ideológico para a classe média brasileira apoiadora do “Milagre. Econômico” da ditadura militar dos anos 1970.
Mas, principalmente, Ainda Estou Aqui surge quando o fusível Bolsonaro está sendo devidamente queimado.
E Tarcísio de Freitas, blindado como “O Moderado” (clique aqui e veja alguns exemplos da construção semiótica da blindagem), para 2026 enquanto PT, Lula e esquerda estão sendo docilmente levados para o abatedouro eleitoral.
Tudo porque a pedagogia do medo alterou profundamente a práxis política. Como as ameaças à Democracia saltam de todos os lados, nada melhor do que judicializar ou terceirizar a ação política.
Enquanto a grande mídia diz aos brasileiros que ninguém come Democracia.